Menu
Brasil

Um ano depois, óleo deixa dano ambiental e na pesca no NE

O crime ambiental de proporções inéditas no Brasil segue sem responsável

Redação Jornal de Brasília

29/08/2020 14h21

Foto: Reuters

João Pedro Pitombo
Conde, BA e Camaçari, BA

Na faixa de areia entre o mar e o rio Itapicuru no povoado de Poças, em Conde (181 km de Salvador), a marisqueira Maria Raimunda Alves, 47, propõe o desafio: “Tire o sapato e caminhe na beira da praia por um tempo. Duvido que você não volte com óleo nos pés”.

As primeiras manchas de óleo haviam chegado na região dez meses antes. Mas permaneciam como um desafio para as cerca de 1.200 famílias que vivem do pescado e do marisco na cidade.

Um ano depois do início do maior desastre ambiental do litoral brasileiro, o impacto das manchas de óleo nas praias dos estados do Nordeste, Espírito Santo e Rio de Janeiro se traduz em um rastro de danos ambientais, além de prejuízos para o turismo e pesca.

O crime ambiental de proporções inéditas no Brasil segue sem responsável. A primeira fase da investigação conduzida pela Marinha, encaminhada na segunda-feira (24) à Polícia Federal, apontou que o óleo foi derramado a cerca de 700 km da costa e levou 40 dias para chegar ao litoral. A investigação, contudo, não conseguiu identificar os causadores do desastre.

As primeiras manchas de petróleo foram registradas no dia 30 de agosto de 2019, na Paraíba. Desde então, foram recolhidas 5,3 mil toneladas de óleo em 1.013 localidades de 11 estados brasileiros, boa parte do trabalho feita por grupos de voluntários.

O Plano de Contingência foi acionado pelo governo federal 43 dias depois do início da chegada das manchas à costa. A partir daí, a retirada do óleo começou a ser feita de forma coordenada por Forças Armadas e Petrobras, além de órgãos ambientais federais, estaduais e municipais.

“O Plano de Contingência não só demorou a ser acionado como foi acionado apenas parcialmente. O trabalho foi feito de forma assustadoramente precária e improvisada”, afirma o senador Jean Paul Prates (PT-RN), relator da comissão o Senado que acompanhou as ações de enfrentamento ao óleo.

Um ano depois, o óleo segue chegando ao litoral em pequenas quantidades com a movimentação das marés e correntes marítimas. E deixou um rescaldo de prejuízos para as comunidades tradicionais que vivem do mar.

A clima nas comunidades é de desamparo, conforme relatos de pescadores e marisqueiras em pesquisa conduzida pelo professor Miguel Accioly, do Instituto de Biologia da UFBA (Universidade Federal da Bahia).

“Esperava-se algum suporte às comunidades, mas ele não veio. Ainda há muita insegurança em relação a qualidade do pescado e aos possíveis riscos à saúde dos marisqueiros, que continuam trabalhando”, afirma.

Levantamento do Comitê SOS Mar, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), aponta que 350 mil trabalhadores ligados à atividade pesqueira foram atingidos pelo desastre ambiental. Para piorar a situação, o verão das manchas de óleo emendou com a pandemia da Covid-19.

“Posso dizer que, neste um ano, tudo de ruim aconteceu na vida do pescador”, resume Givaldo Batista, presidente da Colônia de Pescadores de Sítio do Conde. Naquela comunidade, dos 1.200 pescadores cadastrados, 329 não chegaram a receber as parcelas extras do seguro-defeso do governo federal.

Na foz do rio Itapicuru, a marisqueira Camila Marcolino, 31, prepara os covos -armadilhas para pegar mariscos”” antes de sair para o manguezal. Ela conta que, mesmo depois de um ano, compradores ainda têm dúvidas sobre a qualidade do marisco, o que fez cair as vendas e os preços.

Há três meses, sua única renda é o auxílio emergencial da pandemia. “Se não fosse isso, não sei o que seria. Não digo que morreria de fome porque marisco dá para pegar no mangue. Mas é uma situação muito difícil”, afirma.

Além da queda no preço e nas vendas, os mariscos também se tornaram mais raros, conforme conta o marisqueiro Edilson Ferreira, 54: “Já não tem mais tanto aratu e siri como tinha antes”.

A reclamação vai ao encontro do que mostra a ciência. Pesquisa conduzida por Francisco Kelmo, diretor do Instituto de Biologia da UFBA, aponta para perda de biodiversidade, redução da densidade populacional das espécies e o aumento de doenças em corais nas regiões atingidas pelo óleo.

A perda da biodiversidade chegou a quase 80% nas quatro regiões pesquisadas. O número de espécies vivas em um espaço de 35 m2, que era de 88 antes da chegada do óleo, caiu para 17 em julho deste ano.

A densidade populacional das espécies também caiu de forma vertiginosa. Eram 446 indivíduos vivos a cada 35 m2 de praia, antes do óleo, número que caiu para 74 em julho. O branqueamento dos corais, que revela que estão doentes, chegou 86% após o derramamento do óleo.

“Houve um desequilíbrio na base que afeta toda a cadeia alimentar. Vai demorar pelo menos dez anos para que as áreas se recuperem naturalmente”, afirma o professor.

Ao todo, as manchas de óleo atingiram 14 unidades de conservação federais, consideradas sensíveis por sua diversidade biológica, além de aspectos estéticos e culturais. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu aos questionamentos sobre possíveis ações para reverter o quadro.

Além da pesca e do marisco, o turismo também enfrentou o desafio duplo do óleo seguido da pandemia. Em Barra do Jacuípe, uma das praias mais movimentadas do litoral norte baiano, barracas que ficavam na faixa de areia fecharam as portas. As que sobraram enfrentam dificuldades.

“Foi um ano perdido. Agora é trabalhar para pagar as dívidas e recuperar o prejuízo”, diz Israelita Morena dos Santos, 39, dona de uma barraca de praia em Jacuípe. Nos últimos meses, sua renda resumiu-se ao Bolsa Família.

No vilarejo junto à praia, o restaurante de Jacira Chaves, 36, demitiu os dez funcionários e hoje é tocado apenas pela família. “A renda do verão que iria segurar a baixa estação simplesmente não existiu.”

O inquérito que investiga as causas do desastre ambiental agora está sob responsabilidade da Polícia Federal.

Pesquisas do Instituto de Geociências da UFBA apontaram que o óleo que chegou ao litoral brasileiro tem origem venezuelana. “Mas isso não quer dizer que que ele veio um navio ou empresa daquele país”, explica a professora Olívia Oliveira.

A Marinha do Brasil classificou o episódio como “um crime ambiental sem precedentes na história do país” e destacou a complexidade da investigação. Como o responsável pelo desastre ainda não foi identificado, União, estados e municípios não foram restituídos dos rescursos usados no enfrentamento às manchas de óleo. Segundo apuração da TV Globo, só a União gastou R$ 172 milhões.

Para evitar novos desastres, a Marinha defende investimentos em sistemas e radares para aprimorar o monitoramento dos navios que transitam em águas brasileiras e nas suas proximidades.

Para o ambiente e paras comunidades tradicionais, um novo derramamento de óleo com proporções semelhantes teria um impacto devastador. Resume o professor Francisco Kelmo: “Seria catastrófico”.

As informações são da FolhaPress

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado