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Brasil

Sem merenda nem cesta, famílias improvisam no RJ

“O estado está sendo ineficiente na distribuição de cestas básicas. Fizemos um questionário e só 30% dos alunos dizem ter recebido”, diz o diretor da Aerj

Redação Jornal de Brasília

09/07/2020 9h11

júlia Barbon e Úrsula Passos
Rio de Janeiro, RJ

Branca Mendonça, 28, tem feito feijão um dia sim, um dia não, porque se fizer todo dia não vai dar para ela, o marido e os quatro filhos comerem até o final do mês. Foi o que ela conseguiu em uma cesta básica doada em uma ação social no Morro da Chacrinha, zona oeste do Rio.

Como ela foi demitida de uma lanchonete no início da pandemia e o marido só tem arranjado bicos, a merenda escolar tem feito falta na alimentação das crianças, que estão com as aulas suspensas na rede municipal desde março.

Beneficiária do Bolsa Família, Branca teve prioridade ao receber cartões com créditos de R$ 100 da prefeitura em abril, mas só deixaram que ela levasse dois. Nesta semana também lhe deram apenas uma cesta básica, e não cinco como tinha direito, já que ela também é aluna do EJA.

Ela está entre os milhares de pais que reclamam de problemas na distribuição de alimentos aos estudantes das redes municipal e estadual do Rio desde que os colégios fecharam as portas, assim como vem ocorrendo com a entrega de materiais escolares.
Enquanto isso, muitos improvisam com cestas doadas por projetos sociais, amigos ou até professores. “Agora só comemos frango”, diz Fernanda Frederico, 38, da Cidade de Deus que excluiu a carne do cardápio dos dois filhos.

A demora para que a comida chegue à casa dessas famílias passa, na visão de pessoas ouvidas pela reportagem, por ações judiciais, confusões sobre recursos públicos que poderiam ser usados, falta de planejamento e dificuldades na logística e comunicação.
“O estado está sendo ineficiente na distribuição de cestas básicas. Fizemos um questionário e só 30% dos alunos dizem ter recebido”, diz Jhonyson Magalhães, 23, diretor da Associação dos Estudantes Secundaristas do estado (Aerj).

Nos dois primeiros dias de fechamento, por exemplo, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) decidiu manter as escolas municipais abertas apenas para o almoço, mas a medida foi logo barrada pela Justiça. Depois, sua gestão e a do governador Wilson Witzel (PSC) começaram a distribuir cartões ou cestas básicas apenas para alunos já cadastrados em programas sociais. Na rede estadual isso abarcaria 79 mil dos 700 mil alunos (11%).

A Defensoria Pública então entrou na Justiça e, em 23 de maio, conseguiu uma liminar obrigando ambos a estenderem o benefício a todos os alunos que quisessem.

“A universalidade na alimentação escolar está prevista na Constituição. O ato de aprender está conjugado com as condições de aprender”, afirma Rodrigo Azambuja, coordenador de infância e juventude na Defensoria.

A decisão teria que ser cumprida até 4 de junho, mas não foi. Só três meses após o início da pandemia, e quando já se discutia a retomada das aulas presenciais, que estado e prefeitura delinearam medidas para ampliar a oferta às famílias que ainda não receberam qualquer alimento.

A Secretaria Municipal de Educação decidiu naquele momento que todos os estudantes receberiam uma cesta básica mensal. Até o fim de junho, foram entregues cerca de 260 mil benefícios, incluindo os cartões dados inicialmente –a rede tem 641 mil alunos.

“Devido ao grande número de beneficiados e ao fato de a entrega ter de ser escalonada para não haver aglomeração, as cestas são distribuídas seguindo uma logística”, afirmou a pasta na ocasião para explicar a demora.

Na terça (7), Crivella mudou de ideia de novo e resolveu que vai voltar a entregar cartões de alimentação com R$ 50 por aluno (metade do valor anterior, já que a oferta foi ampliada a todos). A alteração ocorreu, segundo a prefeitura, por uma decisão da Justiça que permitiu o uso de verbas federais para essa função.

Já o estado não informou quantas cestas básicas foram cedidas até agora. Isso porque a gestão da rede é descentralizada: a verba da merenda foi repassada para as escolas de acordo com o número de alunos, e cada uma está sendo responsável por comprar sua comida e montar seus kits.

Como não há dinheiro para todos, os diretores foram orientados a fazer um levantamento de quantos gostariam de receber os alimentos.

“Temos escolas em que 100% quiseram receber, então deu R$ 19 para cada um, por exemplo. Mas temos escolas em que a maioria não quis, então quem quis recebeu cesta de R$ 150”, explica Sandra Pedroso, presidente do Conselho Estadual de Alimentação Escolar (Ceae-RJ), que defende a descentralização por causa da logística da distribuição.
Para Teresa Pimentel, presidente da associação dos diretores do estado, no início a seleção de alunos que receberiam o kit angustiou diretores. “Escolher quem tem mais fome é muito difícil, mas depois fomos compartilhando a decisão e entrando nos eixos”, diz.

Ainda assim, questionário do Ceae-RJ com quase mil diretores em junho apontou que muitos relatam que há menos dinheiro e cestas do que necessitam, que não há critérios para a escolha das famílias e que falta planejamento.

Outro problema que leva à demora no benefício é a comunicação. Pais como Fernanda Frederico dizem não ter recebido informação dos colégios ou secretarias.

Teresa Pimentel atribui isso ao fato de muitas famílias trocarem de telefone ou endereço e se esquecerem de mudar o cadastro. A secretaria municipal também disse que há muitos comunicados falsos sobre o assunto, que confundem as famílias.

As informações são da FolhaPress

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