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Brasil

Resistência à automação dificulta adaptação aos novos tempos

Apreensão maior é com proteção dos empregos atuais e ‘precarização’, e não com capacitação para novas atividades

Redação Jornal de Brasília

18/01/2021 13h59

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Na pregação dos sindicalistas, duas palavras têm presença garantida nos últimos tempos: “uberização” e “precarização”. Elas simbolizam com perfeição a postura defensiva predominante no movimento sindical contra as novas formas de contratação de profissionais e o avanço da tecnologia na produção e no trabalho.

Como os ludistas nos primórdios da Revolução Industrial, na Inglaterra, no século 19, que promoviam a quebra das máquinas nas indústrias por acreditar que iriam acabar com os empregos, os sindicalistas agora resistem à revolução digital e querem ditar o seu ritmo, para tentar evitar que os robôs e a inteligência artificial ganhem espaço.

“O que o movimento sindical talvez tenha dificuldade de entender, pela velocidade com que as coisas estão acontecendo, é que a automação ou a digitalização não é uma decisão da empresa, mas de mercado. Se ela não fizer isso e o seu concorrente fizer, vai morrer e provocar mais desemprego”, afirma o advogado e consultor Magnus Apostólico.

Aparentemente, o mundo ideal, na visão de muitos dirigentes sindicais, seria aquele em que tudo continuaria como está, sem que qualquer fator levasse os profissionais a sair da “zona de conforto”. A percepção geral é de que a lei que proibiu as bombas de autosserviço nos postos de gasolina, para garantir o emprego dos frentistas, aprovada em 1999, representa “uma conquista dos trabalhadores” e não um freio à produtividade e à modernização do País.

“No Brasil, essas mudanças modernizadoras são feitas com enorme dificuldade”, diz Almir Pazzianotto Pinto, ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e ex-ministro do Trabalho. Segundo ele, a própria Constituição inclui entre os direitos dos trabalhadores a proteção contra as transformações trazidas pela tecnologia. “Como é possível impedir a automação em nome da proteção a uma mão de obra não qualificada?”, questiona. “A mão de obra qualificada não tem receio da automação e da digitalização.”

Jetsons

Para tentar sobreviver neste cenário e recuperar a relevância perdida nos últimos anos, os sindicatos terão, provavelmente, de deixar de lado a postura defensiva e procurar se adaptar aos novos tempos. A luta contra a tecnologia jamais foi bem-sucedida, exceto por curtos períodos, que pouco ou nada representam no curso da história.

Apesar da resistência dos ludistas no início da industrialização, a Inglaterra logo se tornou uma potência econômica, com a multiplicação da produção, o corte de custos e a oferta de bens acessíveis a uma massa de consumidores inimaginável até então. Como se constatou depois, a industrialização levou à criação de milhões de empregos, ao aumento generalizado da renda e a uma prosperidade como nunca se tinha visto.

Se, por um lado, a tecnologia elimina algumas ocupações, por outro cria novas demandas, gera novas vagas e permite o aumento da produtividade, que é a força motriz do desenvolvimento. A questão é que sempre haverá uma defasagem de tempo entre uma coisa e outra, como na Inglaterra de dois séculos atrás.

“O importante é admitir que a tecnologia está transformando os empregos atuais”, afirma o sociólogo José Pastore. “As pessoas só vão conseguir trabalhar se acompanharem essa transformação.” De acordo com ele, um estudo do Fórum Econômico Mundial apontou que, em dez anos, o mundo terá de requalificar cerca de um bilhão de trabalhadores atingidos pelo avanço da tecnologia.

“Sou da geração dos Jetsons. Adorava ver os Jetsons. Tudo isso está chegando”, diz Ricardo Pattah, presidente da UGT (União Geral de Trabalhadores) e um dos sindicalistas que mais têm se movimentado para implementar ações de capacitação. “Só que, se não nos prepararmos para isso, vamos ter tantos miseráveis que o mundo vai ficar caótico.”

No Brasil, porém, a capacitação profissional sempre foi considerada uma questão menor pelos sindicatos e eles nunca entraram para valer na área. “Os sindicatos deixaram os trabalhadores sem as competências e habilidades necessárias para concorrer em um mundo cada vez mais ágil e online”, diz o economista Gabriel Pinto, autor do livro “Passaporte para o Futuro” (Edições Cândido, 2020).

Em paralelo a esses esforços isolados, o movimento sindical se movimenta para mudar de forma radical a organização das entidades. A ideia é aproveitar a reforma sindical parada no Congresso para acabar com a atual classificação de sindicatos e criar grandes organizações setoriais, com base nacional. No caso da indústria, seria criado um sindicato com todos os trabalhadores que atuam no setor – assalariados, terceirizados, autônomos e prestadores de serviço, de todos os ramos de atividade. “A classificação atual fragmenta a representação sindical”, diz o sociólogo Clemente Ganz Lúcio.

Por ora, os sindicatos estão procurando usar a tecnologia em seu favor, desenvolvendo aplicativos e ferramentas para permitir a associação de trabalhadores pela internet. Com a pandemia, as assembleias virtuais se tornaram um instrumento precioso para os dirigentes tentarem se aproximar mais de suas bases.

Estadão Conteúdo

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