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Brasil

Relatório no CNJ propõe mudanças para acelerar implantação de cota para negros no Judiciário

Em 2015, o CNJ aprovou resolução que determinou a reserva de 20% das vagas nos concursos da magistratura para pessoas negras

Redação Jornal de Brasília

26/10/2020 13h27

Renata Galf
São Paulo, SP

Mudanças na resolução sobre cotas no Judiciário, para torná-la mais efetiva, estão entre as propostas apresentadas pelo Grupo de Trabalho sobre Igualdade Racial no Judiciário em relatório apresentado na última semana ao plenário do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Criado com prazo de três meses, o grupo também sugeriu a criação de um espaço permanente dentro do Judiciário para tratar do combate ao racismo. O GT foi instituído em julho pelo CNJ com o objetivo de elaborar estudos e indicar soluções para a formulação de políticas judiciárias sobre igualdade racial.

Em 2015, o CNJ aprovou resolução que determinou a reserva de 20% das vagas nos concursos da magistratura para pessoas negras.

À época, a projeção era a de que o percentual de 22% de magistrados negros seria alcançado em 2018. No entanto, a atualização deste estudo, apresentada em julho deste ano, aponta que ainda serão necessários 24 anos para que a taxa de 22% seja alcançada levando em conta o atual cenário.

Apenas em 2044 seria alcançada a taxa de 22% de magistrados negros no Judiciário. Sendo que, na Justiça Estadual, a estimativa é 2049.

GT de Igualdade Racial no Judiciário durante sessão do CNJ, quando foi apresentado o relatório final do grupo Reprodução Reprodução de videoconferência em que se vê nove pessoas participando, sendo um 7 mulheres negras e brancas, um homem branco, um homem negro, e em uma das telas o plenário do CNJ ** A diretora-executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do CNJ, Gabriela Moreira de Azevedo Soares, em seminário em julho, apontou que diferentes fatores contribuíram para que a meta não fosse alcançada, entre eles a desaceleração dos concursos públicos.

Apesar de a cota ser de 20%, de 796 novos ingressos nos anos de 2016 e 2018, apenas 24 (3%) foram por cotas para negros.

Segundo o relatório do GT, o objetivo das alterações na resolução de cotas apresentadas é diminuir os gargalos do processo seletivo do concurso que foram identificados ao longo do trabalho do grupo.

Não há prazo para que as propostas do grupo sejam apreciadas pela presidência ou pelo plenário do CNJ.

De acordo com nota da assessoria do órgão, “o CNJ pretende empreender mecanismos objetivos para concretizar rapidamente, dentro do que for institucionalmente possível, as ações sugeridas no relatório, bem como outras ações que se façam necessárias, em prol da efetiva igualdade racial”.

Segundo o relatório, um dos gargalos à efetivação das cotas é que parte dos candidatos cotistas acabam sendo eliminados ao longo do processo e, com isso, na última fase, as vagas reservadas às cotas acabam se convertendo em vagas de ampla concorrência.

O relatório cita uma pesquisa de mestrado que analisou os concursos públicos de quatro TRFs e que identificou que, a partir da segunda fase do concurso, todos os candidatos cotistas negros haviam sido eliminados.

Outra proposta se refere à ordem de nomeação dos aprovados, garantindo que, a cada quatro candidatos convocados da lista geral, sejam convocados um candidato da lista de cotas de pessoas negras e um candidato de cotas de pessoas com deficiência.

Consta também, entre as sugestões, que as comissões de concurso sejam compostas com paridade de gênero e com, pelo menos, 20% de pessoas negras.

O relatório menciona uma pesquisa do CNJ que verificou que, nos últimos dez anos, a participação de mulheres nessas comissões não chegou a 20%, enquanto pardos representaram 4,5% e pretos não chegaram a 1%. Além disso, de acordo com os dados disponíveis, apenas duas mulheres negras integraram bancas e comissões dos concursos de ingresso para a magistratura desde a Constituição de 1988.

Em relação às comissões de heteroidentificação dos candidatos autodeclarados negros, o GT propõe não só que a composição seja diversa, como ainda que seus membros tenham participado de curso sobre a temática da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo.

Também a inclusão do direito antidiscriminatório entre os conteúdos exigidos nos concursos está entre as propostas do grupo. “Ainda hoje, a formação jurídica no Brasil pouco racializa a discussão sobre o direito. O enfrentamento do racismo estrutural, bem como a adoção de medidas com fim de promover a igualdade racial no âmbito do Poder Judiciário precisam contemplar o direito antidiscriminatório, sob pena de tornarem ineficazes”, afirma o documento.

A juíza do TRF-2 Adriana dos Santos Cruz, que fez parte do GT, conta que a criação de um espaço para discussão do tema nasceu de uma demanda de juízes negros. Em 2017, ocorreu a primeira edição do Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros (ENAJUN), em Brasília.

“No segundo encontro, em 2018, fizemos a carta de Brasília em que solicitamos a criação de um grupo de trabalho, de um espaço institucional. E esse espaço veio e estou muito feliz com o resultado. O resultado que é só um primeiro passo de uma jornada longa que a gente tem para percorrer”, contou.

O trabalho do GT contou com contribuições de diversos grupos. Em 12 de agosto, foi realizada uma reunião pública para debater o tema. Segundo o relatório, houve 29 sustentações orais e foram recebidos 46 memoriais com sugestões.

Com o intuito de compreender a situação dos diferentes tribunais e identificar possíveis dificuldades à implementação da resolução de cotas, o GT propôs a realização de uma pesquisa com magistrados e servidores. Além disso, está na proposta também um curso de formação para as assessorias de comunicação dos tribunais.

De acordo com Karen Luise Pinheiro, juíza do TJ-RS, que também fez parte do GT, uma das propostas é passar a ter nos bancos de dados dos tribunais não só o dado de cor/raça dos magistrados e servidores, mas também das partes do processos.

“Com esses dados, é possível realizar estudos e pesquisas muito mais rápido, muito mais facilmente, e fazer uma leitura refletida sobre como o Poder Judiciário vem atuando com relação às pessoas levando em conta o marcador racial, que impacta definitivamente as vidas negras no nosso país”, disse ela.

Durante a sessão do CNJ desta quarta-feira (21), Karen destacou a necessidade de que o Judiciário se debruce sobre a forma de acesso à carreira da magistratura, em que apenas 1,6% dos juízes são pretos, e finalizou a apresentação do relatório com uma fala da escritora e ativista dos EUA Audre Lorde na década de 70.

“O fato de estarmos aqui e que eu esteja dizendo essas palavras, já é uma tentativa de quebrar o silêncio e estender uma ponte sobre nossas diferenças, porque não são as diferenças que nos mobilizam, mas o silêncio e restam muitos silêncios para romper.”

As informações são da Folhapress

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