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Brasil

Presidente do CFM diz que órgão vai se posicionar sobre cloroquina: ‘Não há comprovação da eficácia’

“O que acontece no Brasil é uma situação pouco usual. Pessoas comentam sobre a droga como se tivessem domínio absoluto”, disse presidente do CFM

Redação Jornal de Brasília

13/04/2020 12h36

O presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Mauro Luiz de Britto Ribeiro, afirmou que a entidade deve se pronunciar ainda nesta semana sobre o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina em pacientes da covid-19. Em entrevista exclusiva ao Estado, ele evita antecipar qual posição o órgão médico tomará, mas faz a ressalva de que “não existe nenhum trabalho na literatura mundial que comprove a eficácia” do medicamento no tratamento da doença.

“O que acontece no Brasil é uma situação pouco usual. Pessoas comentam sobre a droga como se tivessem domínio absoluto”, disse ele. Segundo Ribeiro, porém, “o fato de não existir evidência científica não quer dizer que não se pode recomendar uso, mas com segurança”.

Na semana passada, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou ter sido pressionado por dois médicos a editar um protocolo de hidroxicloroquina para tratamento do novo coronavírus, mas recusou. Ele disse ter recomendado aos profissionais que procurassem entidades médicas, como o CFM.

Na entrevista, Ribeiro trata ainda a covid-19 como a maior ameaça “da história da sociedade brasileira”, que deve levar o sistema de saúde a “algum grau de colapso”. Ele ponderou, no entanto, que gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) têm feito o esforço necessário para expandir a capacidade de atendimento.

O CFM fiscaliza e normatiza a prática médica, além de ter forte poder de influência nos Três Poderes para defender a categoria. Abaixo, os principais trechos da entrevista de Ribeiro.

Qual o cenário da covid-19 no Brasil e, considerando medidas tomadas, para onde caminhamos?

Sem nenhum sinal de alarmismo, vejo essa doença como a maior ameaça da história da sociedade brasileira. O vírus é desconhecido e está mudando o comportamento do mundo. Fez uma devassa na China, Itália, Espanha e nos EUA. São países mais ricos. O Brasil tem dimensão continental, é desequilibrado economicamente e tem uma população de baixa renda aglomerada nas favelas. A população indígena aqui é enorme. Uma população muito carente. Essa doença já chegou no Brasil.

Quero elogiar o governo, Bolsonaro, Mandetta, Gabbardo (secretário-executivo do Ministério da Saúde) e Wanderson (secretário nacional de Vigilância em Saúde), que realmente estão com preocupação já há alguns meses, procurando preparar o sistema de saúde. A covid-19 afeta a saúde, mas ela acaba com sistema econômico dos países. Ela gera centenas de milhares de falências. E afeta o aspecto social, separando as pessoas.

Essa doença é um caos. Assim que o CFM enxerga. Estamos começando a entrar na fase mais aguda. Em que infelizmente as mortes irão acontecer. E certamente em algum grau haverá colapso no sistema de saúde. Nenhum país do mundo está preparado para demanda tão grande. Todos nós temos de entender nosso papel. O que vem por aí deve ser uma coisa muito grave.

Quais são as maiores dificuldades para organizar o sistema de saúde?

Hoje vivemos vários dramas. Muitos aspectos técnicos foram politizados. Mas ninguém sabe respostas certas para essas questões. Temos de seguir o que fizeram países que já viveram a fase aguda. O que impacta é higienização e isolamento social. A doença é altamente transmissível. São hoje as duas melhores formas de prevenção. Cerca de 80% dos pacientes ou vão ser ser assintomáticos ou vão ter alguns sintomas, mas ficam bons. Têm sintoma próximo de gripe. Agora, 14% são pacientes moderados, graves, exigem internação. 5% são críticos e vão para a terapia intensiva. E 2,5% morrem.

Os profissionais da rede de saúde, e não só médicos, têm de estar na linha de frente. É necessário que se garanta o mínimo de segurança. Uma coisa que o CFM não flexibiliza é a necessidade de prover aos médicos equipamentos de proteção individual. Grande parte dos EPIs são feitos na China. As empresas há pouco voltaram a produzir e os produtos estão sendo disputados por EUA, Canadá e países da Europa. Existe dinheiro, disposição de compra, mas temos visto verdadeiro canibalismo, principalmente dos EUA.

Leitos de UTI, hoje, temos 56 mil. Houve aumento nesses leitos por ações do Ministério da Saúde, prefeitos e governadores. O sistema de saúde está tentando se adequar mais rapidamente possível, mas muito provavelmente não vai ser suficiente. Manaus está no limite. Tudo isso nos preocupa. EPI, ventiladores, leitos, profissionais…

O Brasil já deveria ter montado uma “operação de guerra” para comprar equipamentos de proteção e produtos hospitalares?

Acho muito difícil fazer mais do que tem sido feito. O que estamos vendo é aumento de leitos de UTI, busca do governo brasileiro para compra de tudo o que necessitamos, tanto de ventiladores quanto de insumos. Por que essa doença é catastrófica? Temos um sistema de saúde que tem um tamanho. Neste espaço cabe tudo: atenção básica, hospitalar, urgência e emergência, procedimentos eletivos. E tem um orçamento. De repente vem doença que toma 20% daquele espaço. Limita e impacta rapidamente. Toma leitos de UTI e hospitalares. As internações são longas, de quatro a seis semanas. Outras doenças deixam de ter acesso ao sistema. O que o governo está tentando fazer? Expandir de forma aguda esse sistema.

Temos visto notícias de relaxamento do isolamento social. E também gestores públicos, desde o presidente Bolsonaro até ministros e autoridades regionais, falam de relaxar quarentena e impor isolamento vertical. Isso preocupa o CFM?

Muito. O CFM se guia pela ciência. Agora, infelizmente, nesta doença estamos desesperados, tentando nos agarrar em algo que venha do mundo acadêmico, mas essa coisa ainda não existe. É muito nova a doença. Tudo é empírico. Acreditamos no afastamento social e na higienização. O que vemos no mundo? O que funcionou até agora foi exatamente isso.

Não sou tão crítico em relação ao presidente Bolsonaro. Não sei qual seria a minha posição como presidente da República. Não é só aspecto técnico-científico. Entra a responsabilidade do presidente frente à economia, aos brasileiros. Quem sou eu para criticar esse tipo de situação? Não tenho conhecimento suficiente para dizer que quem defende isso está certo ou errado. Do ponto de vista do CFM é preocupante, e não tem contradição na minha fala. Acreditamos na higienização e no afastamento social.

Mas do ponto de vista científico, acha que uma fala não tão precisa do presidente sobre isolamento tem prejudicado? Torna mais difícil o achatamento da curva? Quando ele vai para a TV e diz que tem de abrir o comércio, vai num protesto, etc?

O presidente da República é nosso grande líder. O presidente Bolsonaro ou seja quem estiver ocupando o cargo. Ele tem de ser respeitado. Ele tem legitimidade para ocupar o cargo. Agora, a fala do presidente da República é muito impactante, sendo qualquer presidente. Bolsonaro é um líder, tem uma liderança muito grande. Pode não ter a simpatia de parte da imprensa ou de determinado segmento da população, mas a fala dele impacta. O que não é desejável é que o governo tenha correntes de conduta diferentes. É necessário que haja entendimento dentro do governo para todos caminharem juntos. Qualquer tipo de divergência causa tumulto.

Como o CFM vê intenção de gestores do SUS de seguir usando telemedicina após o período de pandemia? A ferramenta foi regulamentada pelo conselho para o período da crise.

Com muita alegria. Já estamos trabalhando em uma resolução (para uso da telemedicina após a pandemia). Acredito que no final do primeiro semestre, começo do segundo, vamos sair sair com uma regra. Nenhum país pode abrir mão da telemedicina. Estamos atrasados.

CFM defende que cloroquina seja aplicada antes do período de internação?

Não posso me antecipar porque não concluímos (estudos). Estamos discutindo. O fato de não existir evidência científica não quer dizer que não se pode recomendar uso, mas com segurança. O que existe hoje de evidência científica para o tratamento da doença é higienização e isolamento. Como vamos liberar e se nós vamos o uso da hidroxicloroquina, estamos discutindo.

Essa questão está totalmente politizada. O que acontece no Brasil é uma situação pouco usual. Pessoas comentam sobre a droga como se tivessem domínio absoluto. Quando na realidade, quando se fala com pessoas sérias, as sociedades especializadas, todos têm uma única resposta. Não existe nenhum trabalho na literatura mundial que comprove a eficácia e segurança desta e de qualquer outra medicação no tratamento da covid-19. Isso não tem nenhuma novidade quando se fala. Somos movidos por medicina baseada em evidência.

Como o CFM vê o chamamento de estudantes, com até antecipação de formatura, para atuarem contra a covid-19?

Somos contra a antecipação da formatura de estudantes de medicina. Vamos ter aproximadamente 27 mil formandos no ano. Numa reunião no MEC questionamos o seguinte: quantos vão se formar no meio do ano? Não sabiam. Para que antecipar? Vai comprometer o curso. Vão perder 25% do período de internato, que é essencial na formação. E muitos destes médicos, quando pegarem o CRM, quem garante que vão atender no combate à covid-19? Achamos que não tem nada de positivo.

Em relação aos estudantes (voluntários), defendemos uso de equipamentos de proteção necessário para atuar com segurança, assim como aos médicos. Vão ser voluntários. É elogiável, mas cabe aos gestores dar segurança. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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