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Brasil

PM do Rio fecha contratos de R$ 3 milhões com empresas de policiais militares

A legislação federal proíbe a participação de servidores públicos em licitações e na execução de obras ou serviços da entidade à qual estão vinculados

Redação Jornal de Brasília

18/09/2020 17h41

Foto: Reprodução

Ana Luiza Albuquerque
Rio de Janeiro, RJ

A Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) fechou contratos no total de R$ 2,8 milhões com empresas de manutenção veicular que pertencem a policiais militares ou familiares. Desde 2017, mais de R$ 1 milhão já foi liquidado pela corporação junto a essas oficinas.

A legislação federal proíbe a participação de servidores públicos em licitações e na execução de obras ou serviços da entidade à qual estão vinculados.

A Constituição do estado também veda aos servidores serem proprietários, controlarem direta ou indiretamente, ou fazerem parte da administração de empresas privadas fornecedoras de suas instituições ou que delas dependam para controle ou credenciamento. O texto determina, ainda, que a proibição é estendida para familiares dos funcionários.

Os números foram apurados pela reportagem a partir do cruzamento entre respostas obtidas pela Lei de Acesso à Informação, consultas ao portal de remuneração dos servidores estaduais e ao portal da Receita que emite o comprovante de inscrição das empresas, boletins da Polícia Militar e informações recolhidas a partir das redes sociais dos envolvidos.

Em 2017, a Polícia Militar do Rio abriu um edital de chamamento público, através de inexigibilidade de licitação, para credenciar empresas especializadas para o fornecimento por demanda de serviços de manutenção veicular da frota da corporação, composta por 5.982 viaturas.

O próprio edital ressaltava que, conforme a lei das licitações, servidores da PM estavam impedidos de se credenciar.

Mesmo assim, a reportagem identificou que ao menos seis empresas relacionadas a policiais militares se credenciaram. Esses contratos geraram processos de liquidação de mais de R$ 1 milhão.

Um dos PMs envolvidos está por trás de três empresas contratadas a partir do edital. Em duas delas, ele figura como sócio ao lado da mãe. Em outra, oficialmente a dona da empresa é sua irmã.

Juntas, as três firmaram contratos de R$ 1,3 milhão, sendo que R$ 326 mil foram liquidados. Em junho, a Polícia Militar abriu um processo administrativo sancionatório contra uma das empresas, a DMR Comércio de Pneus.

A portaria assinada pelo ordenador de despesas da corporação, Alexandre Assumpção Salvador, informa sobre a irregularidade cometida pelo agente ao credenciar sua empresa. “Fato este que tem ensejado em inúmeros embaraços à rotina administrativa, como a inobservância da regularidade da execução do contrato.”

O edital de contratação determina que a inexecução dos serviços, o atraso na execução ou qualquer infração contratual sujeitará a empresa a sanções como advertência, multa de até 5% sobre o valor do contrato, suspensão temporária da participação em licitações e impedimento de contratar com a administração pública. Essas sanções também estão previstas na Lei de Licitações.

A Bogauto foi outra oficina de um policial militar que firmou contrato com a corporação, no valor de R$ 965.477, sendo que R$ 230.104 foram liquidados. No ano passado, a Polícia Militar chegou a emitir empenhos de R$ 321.825 para a empresa, que posteriormente foram cancelados.

Já a MC3 2008 firmou contrato de R$ 1,2 milhão com a Polícia Militar, com mais de R$ 500 mil liquidados. Oficialmente, a empresa pertence à tia de um agente da corporação.

A possível ocultação do verdadeiro dono da empresa também foi tática utilizada na empresa Nova Repinte, que está no nome dos filhos de um policial militar. O contrato firmado tem o valor de R$ 186.191, sendo que R$ 74.148 foram liquidados.

Além disso, em 2018 esse agente chegou a ser designado fiscal vistoriador dos contratos firmados para atender as necessidades do 35° BPM (Itaboraí) -como o da empresa na qual seus filhos figuram como sócios.

Assim, ele ficou responsável por verificar junto às oficinas -inclusive a Nova Repinte- a pertinência e o custo do serviço, bem como a sua execução.

Além do fiscal vistoriador, a corporação estabeleceu três posições para gerir e fiscalizar os contratos: o fiscal, o gestor tático e o gestor estratégico.

A função desses servidores é garantir que todos os contratos sejam cumpridos corretamente, acompanhando os recursos empenhados e liquidados, realizando vistorias e solicitando o descredenciamento das empresas no caso de irregularidades.

Para o advogado Bruno Fagali, mestre em direito público pela USP, os policiais militares responsáveis por gerir e fiscalizar os contratos também poderiam ser responsabilizados por improbidade administrativa por omissão, já que não identificaram ou reportaram as irregularidades. Poderiam responder, ainda, a processo administrativo na própria PMERJ.

Fagali ressalta que a corporação falhou ao não exigir das empresas a declaração de inexistência de conflito de interesses, assinada por cada um dos sócios das oficinas credenciadas.

“Do mesmo modo, afirmo que, certamente, nem mesmo logo antes da primeira grande remuneração paga pela PMERJ para tal empresa, tais agentes realizaram uma simples e breve checagem com os nomes dos sócios junto ao sistema de servidores vinculados à PM”, diz.

Já os policiais militares que credenciaram suas empresas no chamamento público deveriam enfrentar consequências ainda piores, diz Fagali. “O caso é, ao mesmo tempo, grave e de fácil comprovação.”

Segundo o advogado, eles deveriam responder a processo administrativo disciplinar no âmbito da PM, podendo ser demitidos, e a processo judicial por ação de improbidade administrativa movida pela Procuradoria-Geral do Estado ou pelo Ministério Público.

Se condenados por improbidade administrativa, os agentes podem sofrer sanções como pagamento de multa, ressarcimento integral do dano e proibição de contratar com o poder público.

Fagali também afirma que os envolvidos podem responder na Justiça Criminal, por prevaricação, e na Justiça Militar, por violação do artigo 310 do Código Penal Militar, que prevê reclusão de dois a quatro anos ao agente que participa de contrato com a administração militar.

“Tudo isso depende da atuação das autoridades públicas de controle, sejam as da PMERJ, os procuradores do Estado, os agentes públicos da Controladoria Geral do Estado ou os promotores do Ministério Público. Caso não atuem ativa e corretamente, é bem provável que haja a impunidade total ou, ao menos, significativa.”

OUTRO LADO

Em nota, a PM afirmou que as irregularidades na composição societária das empresas não foram verificadas à época do credenciamento. A corporação também disse que, assim que as denúncias chegaram ao conhecimento da Polícia Militar, foram instaurados procedimentos para identificar a indevida participação de agentes nos contratos.

Das seis empresas identificadas pela reportagem, segundo a PM, cinco já tiveram os contratos suspensos e uma está em fase final de verificação.

A corporação afirmou, ainda, que os responsáveis responderão a processo disciplinar com base na legislação do serviço público e do regulamento interno da Polícia Militar. Na conclusão dos processos, serão definidas possíveis punições administrativas caso as irregularidades fiquem constatadas.

As informações são da FolhaPress

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