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Brasil

Paulistano enfrenta dia de caos, ilhado em casa e nos terminais de transporte

Ruas alagadas, vias interditadas e falta de energia foram algumas das experiências nada agradáveis dos moradores.

Lindauro Gomes

10/02/2020 14h53

As fortes chuvas que atingiram a cidade de São Paulo na madrugada e na manhã desta segunda-feira, 10, ilharam os paulistanos, que não conseguiram sair de casa ou tiveram muita dificuldade para se locomover pela cidade. Ruas alagadas, vias interditadas e falta de energia foram algumas das experiências nada agradáveis dos moradores.

A diretora de vendas Luciana Paranhos, por exemplo, teve a rotina completamente alterada. Moradora da região da Pompeia, na zona oeste, está sem energia elétrica desde às 5h. “O prédio está funcionando com gerador, mas a energia deve acabar logo”, conta. Ela foi liberada pela empresa para trabalhar em home office. “Ainda bem que os celulares estavam carregados, mas já estão em 40% e daqui a pouco nem trabalhar vou conseguir mais”, diz.

O marido, Alexandre, que é engenheiro, também ficou em home office. Ele trabalha em uma empresa na Lapa, uma das regiões mais afetadas, e a companhia ficou completamente alagada. Além disso, a motorista que faz o transporte da filha, Beatriz, 13 anos, que estuda em um colégio na região da avenida Paulista, cancelou o serviço. “Ela não estava conseguindo cruzar as marginais e está preocupada, não consegue se locomover, está presa na rua ainda”, afirma.

Luciana chegou a conseguir levar a filha mais velha pra escola, mas o mais novo, Leonardo, de apenas 1 ano e dois meses, teve de ficar em casa. “Não chegou nenhuma funcionária ao berçário onde ele fica e a dona teve que suspender as atividades”, diz. A empregada também não foi trabalhar. “Ela mora em um prédio que fica perto da Marginal Tietê e o local está todo alagado.”

A queda de energia afetou o terminal Barra Funda de ônibus e metrô, também na zona oeste, conforme observado pela reportagem. Um grupo de cinco funcionários de um supermercado da região não conseguiu sair do local e conversava sentado no chão do terminal Nenhum dos funcionários do turno da manhã conseguiu chegar ao local de trabalho.

“O primeiro de nós chegou aqui às 5h20 e não consegui sair. A gente foi chegando aos poucos e encontrando por aqui. Só está no mercado quem é do turno da madrugada e agora não consegue sair”, contou Ane Caroline, 23 anos, supervisora de vendas.

Um outro grupo de sete funcionários de uma instituição bancária também se viu preso no terminal, sem poder ir para o trabalho ou voltar para casa. Qual foi a solução? Ir a uma lojinha do próprio terminal e comprar um baralho de UNO. “Foi o jeito que a gente arrumou para matar o tempo. Estamos ilhados. Nunca vi nada igual”, conta Carla Moreira de Aguiar, 22 anos.

Toda a família Berna também foi afetada pela chuvarada. Os três passaram o final de semana na cidade e tinham passagem para voltar cedinho para o interior. Aline Berna, 28 anos, trabalha de auxiliar em uma padaria. “Já perdi meu dia de trabalho. Essa hora já era para eu estar no serviço”, disse. Já seu marido, João Antônio Carvalho, 31, é porteiro de prédio. “Já avisei no serviço. Acho muito difícil que eu consiga voltar para a minha cidade hoje”, contou. Menos desanimado estava o João Pedro, 8 anos. “Eu tinha aula hoje, mas vou ficar aqui no celular e aula só amanhã”, comemorou.

Só no comércio, prejuízo pode ser de R$ 110 mi

Algumas empresas, principalmente as localizadas próximas à Marginal Tietê e Marginal Pinheiros, nas zonas sul e oeste da capital, amanhecerem hoje debaixo de água. Enquanto tentam se organizar para manter ao menos parte de sua operação, os negócios contabilizam os prejuízos com a inundação e a falta de funcionários, que não conseguiram chegar ao trabalho.

O varejo da Região Metropolitana de São Paulo, da Capital, ABCD paulista, Guarulhos e Osasco deve deixar de faturar nesta segunda-feira R$ 110 milhões por causa da situação, segundo projeções da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP).

De acordo com o assessor econômico da Fecomércio-SP, Guilherme Dietze, essa cifra corresponde a 11% do receita de um dia das lojas instaladas nessas regiões e 0,40% do faturamento mensal.

Nesse cálculo, o economista considerou lojas que não foram abertas por falta de funcionários, outras que abriram, porém com o quadro de pessoal incompleto e deve registrar movimento muito fraco.

Segundo Dietze, os segmentos mais afetados pelas chuvas são supermercados, farmácias e de compras por impulso, como artigos de vestuário. Já itens de maior valor, como eletrodomésticos, devem ter as compras adiadas.

Agência parada

O presidente da agência Young & Rubicam, David Laloum, disse nesta segunda que os trabalhos da sede principal da agência de publicidade estão completamente parados. A empresa, que fica na Marginal Pinheiros, teve o subsolo e o estacionamento tomados pela água na madrugada desta segunda. “Tentei ir à agência, pois moro a 1,5 km de distância, mas não consegui chegar porque o nível da água não para de subir”, disse ele.

A orientação da Y&R aos funcionários é que permaneçam em casa. A agência vem monitorando a situação, mas a informação atual é que o nível da água continuou a subir ao longo da manhã. Como parte da rede de computadores da empresa esta no subsolo, Laloum disse que existe risco de prejuízo para as operações – a verdadeira extensão do problema só deve ficar clara nos próximos dias, de acordo com o executivo. “Já tivemos um problema parecido, há cerca de 15 anos. Realmente está um caos.”

A Y&R tem escritórios em São Caetano do Sul, no ABC – para atender a conta da Via Varejo – e na Faria Lima. Alguns funcionários conseguiram chegar a esses locais, mas a orientação geral para todos os funcionários da companhia nesta segunda é evitar deslocamentos.

‘Perdi tudo’

O empresário Marcio Daré, de 40 anos, perdeu tudo na enchente que atingiu a grande São Paulo. Ele tem uma companhia de desenvolve maquinários especiais e trabalha com robôs nas cidade de Osasco, na Grande SP. “Estimo que meu prejuízo foi de mais de R$ 1 milhão”, conta.

A MCK Automação Industrial funciona em um condomínio comercial que reúne cerca de 30 galpões. “Todas as empresas foram afetadas”, conta Daré.

Ele tem 130 funcionários e diz que vai passar o dia contabilizando os prejuízos. “Tenho seguro, mas não sei se o seguro vai cobrir esse tipo de episódio. Há pessoas que trabalham no condomínio há mais de 20 anos e contam que nunca viram uma enchente assim. Eu mesmo nunca vivi nada parecido”, diz.

Daré afirma que a preocupação é não só com o dia de hoje, mas com os próximos. “Tenho várias encomendas, máquinas de clientes. Não sei como vou entregar isso e nem como vai ser o futuro da companhia. Uma tragédia dessas fez com que muitas pessoas fossem prejudicadas e muitas podem mesmo a vir ficar desempregadas”, diz.

Fabio Luís Schaderle, dono do restaurante Jaguar, no bairro paulistano de Campos Elíseos, decidiu não abrir as portas nesta segunda. Metade da equipe de funcionários não conseguiu chegar ao trabalho. Também não foram entregues os hortifrutis, que ele compra diariamente. Schaderle, que mora perto do restaurante, na região central, teve de ir a pé até o local, porque não conseguiu táxi nem carro de aplicativo.

O empresário diz que não é possível calcular o prejuízo por causa das chuvas. Segundo ele, as perdas não deve se restringir às cerca de 60 refeições diárias que vai deixar de servir. “Estou preocupado com a perda do estoque também”, explica.

Normalmente, ele tem produtos para um ou dois dias. No caso dos hortifrutis, que são abastecidos diariamente, o empresário está apreensivo com o aumento de preços desses itens que deve ocorrer por causa das perdas e da oferta menor. “Vou ter de mudar o cardápio”, prevê.

Foi a maior chuva de São Paulo para fevereiro desde 1983

Um forte temporal atingiu a capital na madrugada desta segunda-feira, 10, elevando o volume de chuva dos 10 primeiros dias de fevereiro a 208 milímetros, o equivalente a 96% da previsão para todo o mês. De acordo com o Instituo Nacional de Meteorologia (Inmet), esta é a pior chuva de São Paulo para um mês de fevereiro desde 1983.

Ao todo, foram registrados 132 pontos de alagamentos na grande São Paulo durante o início do dia, 66 deles intransitáveis, de acordo com o Centro de Gerenciamento de Emergências Climática da Prefeitura de São Paulo (CGE). Os bairros de alerta são Ipiranga, Butantã, Tremembé e Perus.

A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) suspendeu o rodízio de carros para veículos leves e caminhões. No entanto, permanece a restrição para circulação de caminhões e fretados nas zonas em que já são impedidos de circularem. A empresa bloqueou o acesso à Marquês de São Vicente.

O temporal ultrapassou o recorde do nível de água do rio Pinheiros, marcando 719.6mm. Este é o maior valor já registrado desde 2005, quando o rio chegou a 718.9mm, de acordo com a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente. O órgão afirma que, apenas nesta madrugada, choveu 66% do total esperado para todo o mês de fevereiro.

Estadão conteúdo 

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