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Brasil

Pandemia vai mudar dinâmica do mercado de trabalho e acelerar automação, dizem pesquisadores

As modificações do mercado de trabalho, que já eram estudadas pelo laboratório antes da pandemia, agora devem ser aceleradas, indica estudo

Redação Jornal de Brasília

14/04/2020 13h32

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

RIO – O mercado de trabalho brasileiro não será o mesmo após a pandemia do coronavírus, que teve a dinâmica alterada pela imposição do isolamento social. Empresas que resistiam ao trabalho remoto, serviços que dependiam do contato direto com o consumidor e indústrias totalmente baseadas na mão de obra do trabalhador deverão rever seus posicionamentos e gradativamente adotar o “novo normal”, aponta o pesquisador do Laboratório do Futuro da Coppe/UFRJ, Yuri Lima. 

As modificações do mercado de trabalho, que já eram estudadas pelo laboratório antes da pandemia, agora devem ser aceleradas, indica estudo. Demissões e fechamentos de negócios serão inevitáveis, com a taxa de desemprego prevista para este ano pelo Instituto de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre) atingindo recordes na série histórica. Mas depois que tudo passar, pessoas e empresas vão perceber que o dia a dia delas, e a maneira que fazem a sua produção, podem ser feitas de outra forma.

“As coisas não vão ser mais iguais, a gente sabe que esse período não vai ser curto, vai ter crise de saúde por pelo menos um ano e meio até a gente ter uma vacina para isso. A questão econômica vai durar ainda mais do que a da saúde, e a gente percebe que as empresas que sobreviverem à crise vão ter que buscar novas maneiras de atender seu público”, avalia.

Restaurantes e lojas devem incluir aplicativos na sua rotina, indústrias vão investir mais em automação e empresas que antes rejeitavam o trabalho remoto estão percebendo que é possível operar nesse sistema, que será cada vez mais adotado.

Segundo a Associação dos Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj), as vendas por delivery nos supermercados do Rio de Janeiro chegaram a atingir o pico de 400% com o isolamento social iniciado em meados de março.

O aplicativo de delivery Rappi, por exemplo, registrou aumento de 30% no número de pedidos nas últimas semanas, segundo o Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar), que vê “uma revolução no varejo” mesmo após o fim da pandemia, com a tendência de que outros segmentos do setor, pouco comuns de serem encontrados nos aplicativos de entrega, como lojas de roupas e sapatos, brinquedos e aparelhos eletrônicos, invistam no modelo online mais ativamente.

Levantamento do RankMyAPP, empresa de inteligência de marketing e aquisição para aplicativos de celular, mostra que o número de downloads de aplicativos de delivery no Brasil aumentou 15% nos primeiros dias de março, registrando um pico no dia 6, de 126%, ambos comparados com os mesmos períodos de 2019.

“Tem uma questão da redução da capacidade de contatos das pessoas logo após esse período, uma questão até de confiança, de acreditar que não é possível o contato físico próximo por algum tempo. Não estou falando que em cinco anos ainda vai ter essa restrição, mas nos próximos dois, três anos a gente vai ver ainda um receio de que as pessoas saiam e se aglomerem com tanta facilidade como era antes da pandemia”, analisa Lima.

O costume da entrega dos supermercados nas residências, hábito até então pouco frequente na sociedade, deve se consolidar, assim como deve crescer o delivery de restaurantes, um serviço que já experimentava uma explosão no Brasil nos últimos três anos.

“A partir do momento em que você tem uma possibilidade, que não era vista por muita gente como uma possibilidade, mas que foi imposta para as pessoas que consumiam de outra maneira e por alguns meses terão isso na rotina vai virar o novo normal”, explica o pesquisador. “Em um restaurante que volte a funcionar normalmente é de se imaginar que tenha menos funcionários do que antes, instalem totens, como de lanchonetes, e os supermercados comecem a usar máquinas que reduzam o contato humano?”

Ele afirma que as ocupações que dependem muito do contato pessoal vão acabar sendo em parte substituídas por novas tecnologias, uma previsão que já existia mas que serão aceleradas. Nas indústrias não será diferente, com o cálculo que antes era feito na relação máquina versus trabalhador sendo substituído pelo cálculo da relação entre parar a produção e instalar uma máquina.

“Em um primeiro momento isso vai ter um custo alto de implantação. Até hoje a automação não aconteceu com mais força no Brasil porque o custo do trabalhador é mais baixo do que da máquina, mas agora ter a produção parada por falta de trabalhador se mostrou muito mais caro”, diz, admitindo que só as grandes indústrias devem caminhar nessa direção, fora do alcance das pequenas e médias.

A busca por mais tecnologia para se proteger da atual pandemia e possíveis futuras doenças que apareçam no mundo também é apontada pelo pesquisador do FGV Ibre Daniel Duque como tendência. Ele afirma que o Brasil estava “na lanterna” global da automação, e é bem possível que o choque trazido pelo coronavírus acelere essa transformação, que já é realidade em boa parte do mundo.

“A indústria vai ter aceleração da automatização, porque certamente os países que automatizaram sua produção estão saindo muito melhor (da pandemia) dos que não fizeram isso nesse momento. O que deve acontecer é que vai acelerar essa tendência no Brasil, o que vai ser um choque positivo porque o Brasil estava na inércia nessa área”, avalia Duque.

Ao contrário de Lima, Duque não aposta em uma mudança mais radical na área de serviços após o fim do isolamento social. Mas vê um crescimento expressivo nos trabalhos remotos para trabalhadores mais qualificados, principalmente nas grandes capitais, onde o valor dos imóveis já estavam levando muitas empresas para o coworking.

“O home office (trabalho remoto) já estava avançando, mas tem a coisa da inércia, da resistência em mudar, e a própria incerteza dos gestores. Agora houve uma migração forçada, todas as incertezas, todas as desconfianças estão indo por terra. Quando voltar vai haver um movimento muito mais rápido nesse sentido”, prevê. “Para os trabalhadores menos qualificados, a tendência é existir do jeito que era antes, nos restaurantes, supermercados.”

Para ele, os empresários vão estar muito mais sujeitos a promover a substituição do trabalho por máquinas do que estava antes da crise, mas o problema é que as empresas vão estar endividadas

“Não haverá uma volta da economia de uma hora para outra. As empresas vão ter se endividado para manter a força de trabalho, os custos, e sem ter receita. A volta vai ser gradual, vão ter um passivo muito maior do que tinham antes. Vamos ter demissões e perda de sinergia entre as empresas e trabalhadores, o que vai levar a uma perda da capacidade produtiva no País?, explica.

A previsão do FGV Ibre é que a taxa de desemprego atinja no segundo trimestre o recorde da série histórica, de 16,1%, depois de fechar o primeiro trimestre com 12,9%. No terceiro trimestre a taxa cairia para 15,7% e no final do ano deve chegar a 14,7%.

“A economia vai se recuperar em relação ao momento atual, com certeza, mas voltar ao nível pré-pandemia vai demorar mais de dois anos”, prevê. 

Estadão Conteúdo

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