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Brasil

Pandemia suspende tradição de 248 anos de cortejo da Lavagem do Bonfim, em Salvador

Não houve alvorada de fogos ou cortejo de 8 km a partir da Basílica Santuário de Nossa Senhora da Conceição da Praia até a Basílica do Bonfim

Redação Jornal de Brasília

14/01/2021 12h34

Foto: Reprodução

Franco Adailton
Salvador, BA

Pouco antes das 7h desta quinta-feira (14), na escadaria da Basílica Santuário do Senhor do Bonfim, em Salvador, o músico Michel Muller, 40, teve o privilégio de fazer as orações sozinho, sem a costumeira aglomeração.

Uma sensação estranha para quem está acostumado a se espremer na multidão que toda segunda quinta-feira após a festa do Terno de Reis toma as ruas de Salvador para louvar o Senhor do Bonfim, no catolicismo, e Oxalá, no candomblé.

Uma das maiores manifestações religiosas do país, o cortejo da Lavagem do Bonfim foi suspenso por causa da pandemia da Covid-19, que já matou cerca de 205 mil pessoas no país, mais de 9.000 na Bahia. A devoção baiana começou há 276 anos e o cortejo acontece há 248.

Pela primeira vez, não houve alvorada de fogos, nem o cortejo de 8 km a partir da Basílica Santuário de Nossa Senhora da Conceição da Praia até a Basílica do Bonfim, tampouco a lavagem das escadarias pelas baianas.

No lugar dos milhares de fiéis, das baianas, dos ambulantes a vender toda sorte de souvenires, um vazio quebrado apenas pela presença de mais de 80 agentes deslocados pela prefeitura, além de policiais militares, para impedir qualquer tentativa de furar o bloqueio que vetava o acesso à igreja.

Também não marcaram presença este ano os adeptos das religiões de matriz africana, que na festa cultuam Oxalá. Parte deles oferece banhos de pipoca, de folhas e de água de cheiro para proteção.

O silêncio só veio a ser quebrado ás 7h20, quando o sistema de alto-falantes instalado no adro da igreja passou a ecoar a missa transmitida pelo canal WebTV do Bonfim na internet. Com o tema “Quem tem fé, fica em casa”, a cerimônia celebrada ao vivo pelo padre João de Deus era assistida por cerca de mais de 1,3 mil fiéis conectados.

A caminhada com a imagem de Senhor do Bonfim deu lugar a um desfile em carro aberto, com saída da igreja de Nossa Senhora da Vitória, em substituição ao ponto de partida original na Basílica Santuário de Nossa Senhora da Conceição da Praia.

A operação envolveu cerca de 40 agentes municipais, 15 viaturas e dez motocicletas, ao longo do trajeto comumente realizado por um mar de gente vestida de branco.

Reitor da Basílica do Bonfim, padre Edson Menezes afirmou que, devido às circunstâncias da pandemia, foi preciso adotar uma postura diferente na Lavagem do Bonfim deste ano, tendo vista da preservação da vida e da saúde.

“Temos que ter esperança de que tudo isso vai passar, com a graça de Deus, de Senhor do Bonfim, mas também com nossa colaboração, se seguirmos os protocolos das autoridades de saúde”, disse.

Embora tradicionalmente a igreja fique fechada no dia da lavagem por motivos de segurança, padre Edson informou que, às 19h, será realizada uma novena presencial, com capacidade reduzida, para cerca de 400 pessoas.

“Temos adotado todas as precauções, com disponibilização de álcool em gel e ocupação de todos os espaços, como as duas sacristias, os dois corredores e, principalmente, o adro, que é bastante grande”.

O músico Michel Muller só conseguiu chegar à escadaria da igreja por morar numa rua vizinha à basílica, localizada dentro do perímetro do bloqueio montado pela prefeitura. “É uma sensação de estranheza. A essa hora, tudo isso aqui estaria tomado de gente”, disse.

Assim como músico, apenas uma dezena de pessoas que acordou cedo conseguiu se aproximar da escadaria a tempo de posar para uma foto, antes de ser convidado a se retirar pelos agentes municipais. Quem chegou a partir das 7h, como a dona de casa Railda dos Santos, 63 anos, não teve a mesma sorte.

Para ela, que é devota de Senhor do Bonfim há 30 anos, só foi possível chegar até metade da Colina Sagrada, a mais de 20 metros da igreja. “É uma pena tudo isso que estamos vivendo, mas em meio a milhares de mortos, a suspensão da festa é necessária. Resta a nós, que sobrevivemos, orar por proteção e por aqueles que estão doentes”.

Ambulantes tentaram furar o bloqueio no perímetro da igreja, instalando-se no local ainda na noite desta quarta-feira (13). Contudo, foram retirados do local por agentes da prefeitura.

Esta foi a primeira vez em 248 anos que cortejo da Lavagem do Bonfim não acontece. Antes da pandemia, houve apenas um episódio que houve cortejo, mas a lavagem das escadarias não foi realizada.

Em 1990, por determinação do então Arcebispo de Salvador, cardeal Dom Lucas Moreira Neves. Na época, ele impediu o acesso das baianas ao adro da Basílica, por ser contra as manifestações dos adeptos das religiões de matriz africana na igreja.

A devoção ao Senhor do Bonfim teve início no Brasil em 1745, quando o mercador de africanos escravizados Teodósio de Faria trouxe uma imagem de Portugal, onde já havia o culto ao santo, para pagar uma promessa após ter sobrevivido a uma tempestade durante a travessia pelo mar.

A tradição do cortejo começou em 1773, iniciada por romeiros e escravos que, a mando dos senhores integrantes da Irmandade do Senhor do Bonfim, limpavam e enfeitavam a igreja para a missa. Ela se repete há 248 anos.

As informações são da Folhapress

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