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Brasil

Omissão marca mortes de indígenas por covid-19, diz promotor

De acordo com o promotor de Justiça Túlio Novaes, os povos originários sofreram diversos ciclos de doenças e omissão ao longo da história

Agência UniCeub

25/09/2020 15h44

Geovanna Bispo e Helena Mandarino
Jornal de Brasília/Agência UniCeub

O governo brasileiro tem demonstrado omissão quanto à contaminação e mortes de indígenas por covid-19 e, mesmo não tendo infectado intencionalmente os povos, tem se aproveitado da doença. Essa é a posição do promotor de Justiça Túlio Chaves Novaes, que é também pesquisador da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).

De fato, não houve propositalmente uma iniciativa de contágio, mas a omissão do governo brasileiro é extremamente oportuna dentro do conflito de interesses que nós estamos vivendo. Então, você tem aí uma omissão que causa a morte desses indígenas”, afirma.

Ele entende que  o cerco aos indígenas está relacionado ao fato que boa parte da posse tradicional dessas terras, por parte desses grupos tradicionais, é um obstáculo ao avanço do poder econômico nessas áreas, que são detentoras de riquezas. “É muito oportuno para esses grupos que haja uma mortandade entre as etnias indígenas”. Isso explicaria a omissão.

De acordo com o promotor de Justiça Túlio Novaes, os povos originários sofreram diversos ciclos de doenças e omissão ao longo da história, o que, quase sempre, os levavam à morte. “Levadas pelos homens brancos, os indígenas sofreram muitos ciclos de epidemias. Basicamente as gripes, que foram as primeiras epidemias e que vieram na época da colonização, vários tipos de doenças respiratórias, algumas viroses, a própria tuberculose, nós tivemos também as doenças infecto contagiosas, como sarampo, catapora, caxumba. E, como muitos não tinham anticorpos para combater essas doenças, acabavam morrendo”.

“Desastre” e cataclismo biológico

“No século 19, segundo meu avô Valdomiro Cruz, já falecido, as doenças chegavam através dos regatões (vendedor ambulantes nos rios). Assim como em outras doenças, não tínhamos pessoas ou equipes de saúde para nos socorrer. A maior parte do nosso povo morreu de tuberculose”, testemunha o cacique da aldeia Tururucari-Uka, da etnia Omágua-Kambeba, Francisco Uruma.

Segundo a professora da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCC) Cristina Gurgel, a chegada dos europeus teria trazido, além de guerras e fome, a mortandade por meio de doenças para os povos indígenas. “Com a chegada dos colonizadores, tudo mudou. Além de sua presença que causou maior aglomeração em aldeamentos jesuítas, guerras e fome, os europeus trouxeram consigo a indesejável carga de microrganismos causadores de doenças.O desastre foi inevitável.

Ainda segundo a professora, os povos indígenas já sofriam com algumas doenças, mas foi apenas com a chegada do homem branco que elas se tornaram mortais. “Havia muitas doenças entre os nativos brasileiros antes da chegada dos europeus, dentre elas a malária (forma branda), a leishmaniose, a doença de Chagas. Não há, entretanto, relatos ou achados arqueológicos compatíveis com indícios de grandes tragédias populacionais antes da vinda dos europeus. 

Linha do tempo (ISA)

“Cataclismo biológico” foi uma expressão criada pelo antropólogo norte americano Henry F. Dobyns para se referir às epidemias trazidas pelo homem brancos durante a colonização.

Ditadura

“A falta de assistência é a mais eficiente maneira de praticar assassinato. A fome, a peste e os maus tratos, estão abatendo povos valentes e fortes.” Afirmou o então procurador Jader de Figueiredo Correia, em 1967, em relatório produzido para denunciar crueldades sofridas pelos povos indígenas durante a ditadura. 

A investigação, que se iniciou a pedido do Ministro do Interior da época Albuquerque Lima, ganhou o nome de “Relatório Figueiredo” e continha denúncias de caçadas humanas, infecções propositais de varíola em povoados isolados e envenenamentos por meio do açúcar praticadas, em sua maioria, pelo extinto Serviço de proteção aos índios (SPI). O texto se manteve “perdido” por 45 anos e foi encontrado apenas em 2013 com 7 mil páginas preservadas e denunciando mais de 8 mil mortes.

Em dado momento do documento, Figueiredo cita um caso de extinção de um povo localizado em Itabuna, Bahia, pelo que ele acreditava ser a varíola. “O episódio da extinção da tribo localizada em Itabuna, na Bahia, a serem verdadeiras as acusações, é gravíssimo. Jamais foram apuradas as denúncias de que foi inoculado (transmitido) o vírus da varíola nos infelizes indígenas para que se pudessem distribuir suas terras entre figurões do Governo.”

Em outro ponto, o procurador relembra um caso em Guarita, Rio Grande do Sul, em que ele e sua equipe encontram uma família que fugia de um doença que havia assolado sua comunidade. “Em Guarita, por exemplo, seguimos uma família que se escondia, fomos encontrar duas criancinhas sob uma moita tendo as cabecinhas quase completamente apodrecidas de horrorosos tumores provocados pelo Berne, parasita bovino.”

Covid-19

Os dados são divergentes em relação ao impacto da covid-19 em comunidades indígenas no Brasil. Em um levantamento próprio realizado junto à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), os números de casos confirmados já chegam a 33.226 e pelo menos 826 mortos. No entanto, segundo dados oficiais coletados pela Secretaria especial de Saúde Indígena (Sesai), esses números não passam dos  27334 infectados, com um total de 433 óbitos. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), acompanhar o avanço do coronavírus entre os povos indígenas tem sido um grande desafio, já que os números oficiais não refletem a verdadeira extensão da pandemia.

Essa diferença de 5892 casos e 393 mortes se deve, de acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), ao critério de contabilização utilizado pela Secretaria. “A Sesai, vinculada ao Ministério da Saúde é responsável por contabilizar os casos de Covid-19 entre indígenas, tem um critério que, para nós é excludente: apenas registram casos de indígenas aldeados – ou seja, aqueles que estão em territórios tradicionais. Indígenas que moram em contexto urbano e são atendidos pelo SUS não entram na conta da Sesai.”

Além de excluir os indígenas que moram fora das comunidades, a Sesai, ainda segundo a Apib, também deixa de lado e atua com omissão em relação aos povos que não vivem em terras demarcadas. “Outro problema grave é a ausência de dados sobre indígenas que vivem fora de terras indígenas homologadas, o que inclui tanto citadinos como populações que guardam a finalização do longo processo de demarcação de suas terras.”

“Documentos”

Em nota, a Sesai negou que exista subnotificação dos casos e óbitos, já que, os indígenas que vivem em centros urbanos devem ser contabilizados pelas secretarias estaduais e municipais, não constando no levantamento de dados realizado por eles. A secretaria acrescenta que, desde janeiro, vem elaborando documentos técnicos para orientar os povos, gestores e colaboradores sobre medidas de prevenção e de primeiros atendimentos em casos de Covid-19 e que já foram enviados 789 mil insumos para 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) para auxiliar no combate ao vírus.

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