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Brasil

Exército prepara game sem muito sangue ou combate em favela e Brasília

Missão Verde adotará, se criado, o formato “shooter” (o atirador em primeira pessoa), consagrado por títulos como Rainbow Six e Counter-Strike

Redação Jornal de Brasília

23/06/2020 12h15

Igor Gielow
São Paulo, SP

Um jogo de guerra patriótico, “com muita ação”. Mas nada de “sangue em demasia”, nem combates em favelas ou na praça dos Três Poderes.

Essa é a intenção do Exército Brasileiro, que quer criar um game próprio, o Missão Verde Oliva.

Ele adotará, se criado, o formato “shooter” (o atirador em primeira pessoa), consagrado por títulos como Rainbow Six e Counter-Strike.

A inspiração da iniciativa, que segundo o Estado-Maior do Exército visa “criar impressões positivas principalmente nas faixas de 16 a 24 anos”, veios dos Estados Unidos.

Lá, a série de jogos America’s Army foi lançada em 2002 pelo Exército para acesso online, gratuito.

Uma pesquisa feita em 2008 pelo Massachusetts Institute of Technology apontou que 30% dos jovens nessa faixa etária melhoraram sua visão dos militares com o jogo.

O America’s Army tem quatro gerações lançadas e tem sua quinta em desenvolvimento, e é usado para treinamentos reais, sendo visto como peça de recrutamento.

O objetivo do projeto brasileiro, se vingar, é atingir até 3 milhões de usuários online em dois anos.

As diretrizes foram publicadas no dia 10 passado, e um grupo de oito militares terá três meses para apresentar um relatório de viabilidade do jogo.

Procurado, o Exército afirmou que não há estimativa de custos da ação, coordenada por seu Centro de Comunicação Social.

Entre os objetivos está também a divulgação de assuntos de defesa, de programas estratégicos e “desenvolver atitudes favoráveis ao Exército”.

O texto levanta questionamentos éticos possíveis à promoção da violência que um jogo no qual o objetivo é matar o adversário pode trazer.

Considera o risco de crítica baixo, já que o mercado de games é consolidado. Mas lista uma série de restrições a serem adotadas.

Deverá haver combate urbano, mas nunca em “comunidades em situação de fragilidade social”, eufemismo para favelas.

“O game não deverá mostrar sangue em demasia para evitar a ideia de violência exagerada”, diz o texto, que também terá de ter ações humanitárias como opção ao jogador.

É vetado conteúdo discriminatório e que atente contra o direito internacional de conflitos armados -as famosas regras de engajamento, desrespeitadas mundo afora.

A preocupação vai de encontro às críticas que as Forças Armadas sofreram em alguns incidentes ao longo dos anos, como no fuzilamento com 80 tiros de um carro com uma família, que matou um músico no Rio em 2019.

Desde 1992, as Forças Armadas também participaram de 142 operações de GLO (garantia da lei e da ordem), 34% delas em situação de violência urbana.

Historicamente, militares resistem a esse tipo de operação justamente por serem treinados para combate, não policiamento.

Em 2017, o governo Michel Temer (MDB) alterou a lei para garantir julgamento militar de crimes dolosos ocorridos nas GLOs, o que gerou contestações.

Outra diretriz remete indiretamente ao conflito acirrado entre o Executivo e outros Poderes, no qual o presidente Jair Bolsonaro fez ameaças veladas de uso das Forças Armadas.

O game não poderá conter “nenhuma cena com potencial para gerar desgaste da imagem ou crise institucional”.

Logo, embora obviamente o texto não diga isso, nada de combates no coração de Brasília, algo ao gosto de grupos radicais bolsonaristas.

O presidente é um entusiasta de games, além das armas de verdade. Logo após sua eleição, em 2018, foi fotografado dando uns tiros com o jogo “Fairpoint”, que emula realidade virtual.

No ano passado, o governo reduziu impostos sobre o setor, que movimentou o equivalente hoje a quase R$ 8 bilhões em 2018, segundo a consultoria especializada Newzoo -que calcula em cerca de 76 milhões os usuários no país.

A ação do Missão Verde Oliva, que poderá contar com até 15 mil jogadores online, ocorrerá em 2025 para evitar conexão com “o momento político atual” e não poderá opor os participantes.

Todos serão do Exército Brasileiro e combaterão um invasor fictício, que não poderá lembrar adversários reais.

Nos jogos americanos, a semelhança com russos, por exemplo, é notável entre alguns dos inimigos a combater.

Se algum jogador aprontar e resolver matar um colega por diversão, será punido por uma corte marcial online e pode ser excluído temporariamente do game.

Os ambientes deverão “representar características do território brasileiro” e os avatares, “a composição étnica e social” do país.

Serão missões variadas no game, que “deverá ser vibrante emocionalmente”, usando toda a gama real de armamentos da Força.

Desde a chegada de Bolsonaro ao poder, os militares ficaram em grande evidência pela origem do presidente, que é capitão reformado do Exército, e pela alta incidência de egressos da caserna no governo -são 10 de 23 ministros os fardados, 2 da ativa.

Há diversas resistências a essa identificação entre governo e militares no serviço ativo das Forças, mas o momento é de exposição.

A portaria diz que a falta de recursos para publicidade do Exército pode ser compensada justamente com a divulgação do game e sua propaganda nacionalista

Se o projeto for aprovado, um desenvolvedor local será contratado por licitação na modalidade melhor preço e técnica. O Exército quer o game lançado até 2021.

As informações são da FolhaPress.

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