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Brasil

Ecos da Marcha das Margaridas: mulheres falaram de violência, violações e agrotóxicos

Caminhada de trabalhadoras rurais trouxe tema pouco tratado em áreas urbanas

Agência UniCeub

15/08/2019 16h25

Jornal de Brasília/Agência UniCeub

“Nós somos ameaçadas de forma física, moral e material diariamente, fazemos jornada dupla e sofremos com precariedade no campo”, afirma Maria Ângela, trabalhadora rural da cidade de Mato Grande, em Alagoas. Enquanto andava pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília, durante a Marcha das Margaridas, na quarta (14), explicou que fez questão de vir à capital do país para dar visibilidade aos problemas que ocorrem longe dos grandes centros. Ela andou em meio a outras trabalhadoras, marisqueiras, quilombolas e indígenas no evento.

“Já passei muitas dificuldades, acordava às 5h da manhã, e ia para roça de mandioca. Criei meus 10 filhos sem pai. E hoje eu estou aqui para protestar sobre os meus direitos. Não quero que meus 36 netos passem pela mesma dificuldades que eu passei”, explicou Raimunda Sebastiana, de 76 anos, que veio da zona rural da cidade Cururupu (MA).

Perto dela estava Larissa Santos, de 17 anos. Ela viajou de Viana, no Maranhão, para lembrar que tem outros sonhos. Ela explicou que trabalha na lavoura dos pais desde os oito anos de idade. “Tenho sonho de ser médica para ajudar na comunidade quilombola onde mora”. “Trabalho na roça, desde menina. Acordava de madrugada, para poder chegar a tempo na escola, tinha que pegar dois ônibus para ir e voltar. Infelizmente eu tive que parar de estudar, para ajudar os meus pais na roça, tenho mais quatro irmãos pequenos, e nosso bolsa família foi cortado. E é por isso que eu manifesto hoje. Para ter direito aos meus direitos.”

Juçara, mulher indígena, da tribo Pucobié,  no sudeste do Maranhão, professora, ajuda na tribo ensinando as crianças aprenderem a ler. “A minha tribo foi expulsa do seu território que estava há muito tempo, por fazendeiros. Eles expulsaram a gente como se a gente fosse ladrões. Tocaram fogo nas nossas ocas, bateram em nós, e perdemos tudo. Isso foi muito triste. A nossa terra foi queimada, tiraram as árvores e venderam as madeiras. Eles agrediram a gente.” 

Violações trabalhistas e temor de reforma

“Estamos correndo atrás dos nossos direitos que estão sendo negados’’, diz a quebradeira de côco que se identificou apenas como Maria. Ela relatou que há 40 anos trabalha das 6h da manhã às 18h sem carteira assinada, na cidade de Arcanjo do Norte, no interior do Maranhão. A agricultora e sindicalista Márcia Barros, de 37 anos, do mesmo município, lamentou que falta informações e apoio para que possam se desenvolver profissionalmente. A mulher levantava uma placa que dizia “Educação do Campo é direito e não esmola.” A manifestante diz trabalhar no campo desde a infância, ajudando na produção rural. Aos 16 anos, já encarava suas responsabilidades. Hoje, na sua pequena chácara, Márcia planta milho, arroz e feijão. 

A marcha reuniu histórias de centenas de mulheres que anseiam por melhorias não só nos seus empregos, mas também na perspectiva de futuro das jovens mulheres do campo. Esse é o desejo de Flor de Liz, também do Maranhão, que faz parte da Associação Quilombola e do sindicato dos servidores públicos. “Melhores dias virão para todas as mulheres e para as nossas crianças que vão crescer e precisam de um Brasil mais justo, igualitário e com mais direitos respeitados e garantidos”. Ela teme os efeitos da reforma da previdência para as agricultoras. “Acredito que a reforma seja muito injusta e prejudica os trabalhadores”.

Enquanto algumas pessoas se mostraram cientes da reforma da previdência, outras mulheres presentes no ato diziam que não entendiam quais seriam os reflexos na aposentadoria com a medida aprovada na Câmara e que vai ser discutida e votada n Senado.  A lavradora Ana Cristina Santos Cardoso,  de Estreito (MA), que diz não estar ciente dos seus direitos, muito menos da reforma, devido a precariedade do acesso à informação no campo. “As televisões mal prestam”, diz a trabalhadora. 

O evento, marcado pelas camisetas lilás e pelos chapéus de palha decorados com margaridas, acontece desde o ano 2000 na capital federal e carrega grande peso e significado para diversas mulheres agricultoras, quilombolas, indígenas, pescadoras e extrativistas. Seu nome é uma homenagem a trabalhadora rural e sindicalista Maria Margarida Alves, assassinada em 1983 a mando de barões do açúcar em Alagoas enquanto lutava pelos direitos trabalhistas na Paraíba.

Medo dos agrotóxicos

“É uma vergonha na nossa sociedade o governo federal liberar novos agrotóxicos. O que a gente precisa mesmo é de recursos melhores para mostrar que a agricultura familiar que dá certo. Nós estamos lutando para que a agricultura familiar não acabe, porque tem pessoas que sobrevivem do campo. É injusto querer que a agricultura familiar se acabe para que apenas o agronegócio tenha vez. Na minha cidade, existem pessoas que já sofreram, que já ficaram cegas por causa do agrotóxico, os venenos”, lamentou Deyse Alves, pernambucana de 42 anos, e que trabalha no campo desde 1994 junto com a família. Ela veio de ônibus para Brasília participar da Marcha das Margaridas.

A trabalhadora Jerônima Morais, maranhense que trabalha no campo há 16 anos, exaltou a luta diária dessas mulheres “Estar aqui hoje levantando a bandeira do Maranhão é dizer que a gente está nessa luta por direito de terra, de território, alimentação saudável e saúde”. Ela também comentou que os agrotóxicos representam mais uma ameaça para quem atua no campo.“ A gente vive lutando contra o veneno do agrotóxico que invade nossa comunidade, nosso território e nossa saúde. Conheço várias mulheres que precisaram ir para hospital por causa dos agrotóxicos.”

Aparecida de Andrade, 39 anos, de Bom Conselho (PE), é formada em radiologia, mas afirma que trabalha na zona rural desde criança.  Aparecida mora em uma fazenda com sua mãe e sobrinho. Eles praticam agricultura familiar e a plantação é orgânica, livre de qualquer tipo de agrotóxico. Ela explica que é possível cuidar da plantação apenas com produtos provenientes da própria natureza e por meio de técnicas não invasivas. “O uso desses agrotóxicos que estão sendo liberados é uma falta de respeito com o meio ambiente e com nós trabalhadores rurais”, comenta. 

A trabalhadora Maria da Luz, de 65 anos de idade, presente na marcha pela terceira edição seguida, atua na área rural há mais de 30 anos. Atualmente, trabalha no Sítio Feijão, em Bom Jardim (PE). A plantação produz macaxeira, feijão, milho, dentre outros tipos de vegetais. Segundo ela, Maria da Luz também é agricultora agroecológica. Todos os produtos no sítio são orgânicos e ela mostra insatisfação com a recente liberação de diversos agrotóxicos. “Já conheci pessoas que têm a saúde afetada pelo manuseio de agrotóxicos. Eu me sinto bem em saber que estou produzindo e vendendo produtos que não prejudicam nem a natureza nem a saúde das pessoas.”.

Irene da Silva, 57 anos, mora com seus seis filhos em Bacuri no Maranhão. Compareceu à marcha com as companheiras de trabalho. Ela é agricultora familiar e diz conhecer muitas pessoas, das quais ficaram impossibilitadas de trabalhar por conta de problemas de saúde, consequência do uso desregulado e exagerado dos agrotóxicos. Irene é contra o uso de substâncias tóxicas à terra. Por isso cultiva alimentos orgânicos. “Mas, há agricultores que não estão querendo mais trabalhar, só jogar produto”.

Por Andressa Matazzo, Camila Demienzuck, Evellyn Luchetta, Gabriel Marques, Geovanna Bispo, Mayra Christie,  Paloma Benther, Pedro Henrique de França e Vitória Von Bentzen

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