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Brasil

Caso Carrefour põe em teste índice de sustentabilidade

A rede global com sede na França atua em 30 países. No anos passados, faturou o equivalente a R$ 62 bilhões

Redação Jornal de Brasília

21/11/2020 13h26

BRUNA NARCIZO E JÚLIA MOURA
SÃO PAULO, SP

Um homem negro foi espancado até a morte por dois seguranças da rede de supermercados Carrefour em uma unidade em Porto Alegre, na noite da quinta (19), após fazer compras. O fato ocorreu nas véspera da data em que se celebra a Consciência Negra no Brasil.

A rede global com sede na França atua em 30 países. No anos passados, faturou o equivalente a R$ 62 bilhões. O Brasil é o seu segundo mercado, atrás apenas do país-sede.

O caso brutal na unidade gaúcha é o ápice de uma sequência de relatos sobre discriminação, descaso e violência sob diferentes aspecto no Brasil.

Em 2009, um vigia e técnico em eletrônica, também um cliente negro, foi agredido por seguranças de uma unidade em Osasco, São Paulo, acusado de tentar roubar o próprio carro no estacionamento da loja.

Em dezembro de 2018, também em Osasco, um cão foi envenenado e espancado por um segurança, causando enorme comoção na comunidade.

No caso mais recente, um promotor de vendas terceirizado da rede morreu enquanto trabalhava em uma unidade do grupo, em Recife, em agosto. O corpo foi coberto com guarda-sóis e cercado por caixas enquanto a loja seguiu em funcionamento. O IML (Instituto Médico Legal) só fez a remoção após quatro horas.

Ainda assim, a rede segue como destaque em alguns indicadores que são utilizados como atestado de boas práticas corporativas em questões sociais e ambientais.

O Carrefour, por exemplo, é uma das empresas associadas ao Instituto Ethos, organização que atua na defesa de negócios socialmente responsáveis. A rede recebeu no ano passado o prêmio de melhor empresa do setor de varejo no Guia Exame de Diversidade, feito em parceria com o instituo.

Como tem capital é aberto em Bolsa, também se submete a avaliações dentro dos princípios do chamado ESG (sigla usada denominar melhores práticas ambientais, sociais e de governança).

O índice virou uma febre entre as empresas e vem sendo considerado uma revolução na forma de avaliar a sustentabilidade dos negócios.

O Carrefour Brasil compõe o índice S&P/B3 Brasil ESG, que procura medir a performance de títulos que cumprem critérios de sustentabilidade e é ponderado pelas pontuações ESG da empresa S&P Dow Jones Indices.

A nota da varejista é 2, de uma máximo de 100, com um peso no índice de 0,099%.

Procuradas, a B3 e a S&P 500 afirmaram que a metodologia do índice exige que incidentes como o desta quinta sejam revisados para possível remoção da empresa do índice.

No Brasil, as ações do Carrefour estão listadas na B3, o pregão local, desde junho de 2017. Nesta sexta-feira (20), tiveram alta durante todo o pregão, mesmo com a Bolsa brasileira operando em queda.

Os papeis do Carrefour Brasil fecharam em alta de 0,99%, a R$ 20,49, enquanto o Ibovespa, índice acionário de referência na Bolsa brasileira, caiu 0,58%, a 106.042 pontos. Não era algo que refletisse o desempenho global do grupo, por exemplo. Na França, o Carrefour caiu 2,2%. A Bolsa de Paris subiu 0,4% no pregão.

“Levei dois socos na cara hoje, o primeiro pelo próprio fato de terem espancado um negro até a morte, e o segundo, pela falta de reação do mercado com relação ao fato”, diz Fabio Alperowitch, diretor da Fama Investimentos, especializada em gestão de fundos ESG, ao avaliar o caso do Carrefour. “Desse jeito, o ESG acabou por aqui antes de começar.”

Segundo ele, os investidores nacionais ainda não se mostram maduros para tratar de questões relacionadas à diversidade e ao ambiente e entender que apenas o retorno financeiro de curto prazo não é suficiente para dar vida longa a uma empresa.

Alguns analistas concordam com essa percepção.

“A curto prazo, o mercado lamentavelmente não absorveu o que aconteceu. No Brasil, o investidor ainda não leva em conta o que não diz respeito diretamente ao impacto financeiro da empresa, o que é bizarro e vergonhoso”, diz Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos.

Segundo a economista, o maior volume de compra das ações da varejista foi de manhã antes dos protestos nas lojas, que se concentraram na parte da tarde.

Houve protesto na porta da loja de Porto Alegre. Uma outra unidade na região dos Jardins, bairro nobre da capital paulista, foi alvo de manifestantes ao final de um ato que que protestava contra a rede. “Provavelmente, as ações do Carrefour vão cair na semana que vem”, diz Pasianotto.

Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos, ainda entende que os fatos são pontuais. Diz que o Carrefour tenta aprimorar suas práticas desde a agressão ao cliente no estacionamento em Osasco em 2009.

“Esse caso de 2009 é um caso emblemático, e a partir daí o Carrefour faz um turning point [ponto de inflexão] na empresa”, diz ele. “Aumentaram significativamente a participação de mulheres e pessoas negras em cargos de média gerência e gerência e desenvolveram de fato práticas e política em prol da diversidade.”

Na avaliação de Caio, o problema seria a terceirização dos seguranças, que traz economia de custo, mas faz com que a empresa perca o controle da gestão. “Isso custa mais, mas fazer economia numa questão central não faz sentido. É a garantia dos direitos dos consumidores.”

Gesner Oliveira, professor da FGV, não quis opinar sobre o caso do Carrefour, mas afirmou que não se contratam terceirizados sem saber se estão alinhados com os valores das empresas. “Na minha política de contratação eu tenho que ser rigoroso na escolha dos meus fornecedores.”

No meio da tarde, a viúva do cliente morto na loja em Porto Alegre, em entrevista à GloboNews, declarou que o casal fez compras normalmente na noite de quinta e ela não tinha entendido o que havia provocado a violência dos seguranças. Também contou que que até aquele momento não tinha sido procurada por nenhum representando do Carrefour.

OUTRO LADO

Em nota, o Carrefour chamou o caso de brutal e disse que todo o resultado de lojas Carrefour no Brasil nesta sexta (20) será revertido para projetos de combate ao racismo no país. E que neste sábado (11) todas as lojas do Grupo em todo o Brasil abrirão duas horas mais tarde para que neste tempo possa reforçar o cumprimento das normas de atuação exigidas pela empresa a seus funcionários e empresas terceirizadas de segurança.

“Reiteramos que, para nós, nenhum tipo de violência e intolerância é admissível, e não aceitamos que situações como essas aconteçam. Estamos profundamente consternados com tudo que ocorreu e acompanharemos os desdobramentos do caso, oferecendo todo suporte para as autoridades locais”, disse o Carrefour.

As informações são da FolhaPress

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