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Brasil

Apelo de festas e encontros com amigos cria tensão para jovens e pais na quarentena

Ao mesmo tempo, fotos e stories dos amigos em festas proliferam no Instagram e contaminam o humor

Redação Jornal de Brasília

02/12/2020 12h42

Quando fala em encontrar dois ou três amigos, o mundo parece desabar na casa de Pedro Ewerton, de 25 anos. Ele mora com os pais, que fazem parte do grupo de risco para a covid-19, e diz que falta sair faísca sempre que algum plano de flexibilizar o isolamento é colocado em discussão. Ao mesmo tempo, fotos e stories dos amigos em festas proliferam no Instagram e contaminam o humor. “Minhas redes sociais estão bombando. Por mais que você seja forte, mesmo que você ignore, isso pesa.”

Apontados como os principais responsáveis pelo novo aumento de casos de covid-19 no Brasil, adolescentes e jovens relatam pressão de fora para retomar atividades de lazer e tensão em casa. Aqueles que moram com pessoas do grupo de risco tentam se equilibrar entre o assédio para sair, que chega por mensagens nos celulares, e o medo de contaminar pais e avós. E quem ainda está preocupado com a doença até se arrisca um pouco, mas escolhe as amizades que compartilham os mesmos protocolos.

“Antes da pandemia, eu saía todo fim de semana para festa e rolês”, diz Ewerton, que trabalha com marketing digital em home office e conta nos dedos as vezes em que pôs o nariz, coberto pela máscara, para fora. “São 9 meses. Gostaria de sair um pouco mais para a casa dos meus amigos, tomar uma ‘breja’, falar baboseira, dar risada. Mas nem isso minha mãe deixa, ela está muito assustada. Quando perguntei se podia ir à casa do meu amigo, foi a maior briga de todos os tempos”, conta o jovem.

Um caso de covid-19 na família e o aumento de internações em São Paulo acirraram as restrições na casa, que tem pai idoso e mãe com predisposição para a trombose. Agora, Ewerton perdeu as esperanças de conseguir um respiro e aposta as fichas do rolê na vacina – prometida para março, mas com risco de atraso por problemas na última fase da pesquisa da Universidade de Oxford.

Na casa da arquiteta Thaís Mendes, de 25 anos, os gráficos da covid-19 são assunto do jantar. Ela, que mora com pai diabético, mãe hipertensa e avó de 80 anos, é a única que não faz parte do grupo de risco da covid. Nem por isso se permite ir a festas ou bares porque tem medo de infectar os parentes. A tensão não vem de casa, mas de fora, com as notícias que chegam dos amigos e conhecidos pela Internet.

“Fiquei muito irritada porque vi amigos indo para festas com 40 pessoas, no auge de pandemia, e postando nas redes sociais”, diz a jovem, que fala em “decepção” e avalia ter se afastado de algumas pessoas com quem mantinha contato virtual “pelo bem da saúde mental”. Para espairecer, escolheu duas amigas, que ela sabia que tinham as mesmas preocupações, e marcou um encontro em casa, em um cômodo separado de todos. Isso só depois que o município de Bragança Paulista, no interior paulista, onde a família mora, ficou mais de 15 dias sem registrar mortes pela covid-19.

A estudante de Psicologia Giovanna Fortuna, de 19 anos, também diz sentir o impacto do longo tempo de isolamento e o que vê pelas telas do celular é um gatilho. “Me abala bastante. Tenho medo de contaminar a minha família, tenho de lidar com a ansiedade que eu já tinha antes da quarentena. Abrir (as redes sociais) e ver que está todo mundo curtindo, se divertindo como se nada estivesse acontecendo, dá um incômodo e uma raivinha”, diz. “Não das pessoas, mas da situação”, completa.

Desde março, Giovanna só sai para o essencial, recebe o namorado em casa após longas temporadas sem vê-lo, e tenta colocar mãe, pai e tia – todos idosos – na linha. “Fui a que mais pegou no pé da minha família. Eles já estavam pensando se podiam sair e eu falei que acho que ainda não rola, ainda mais com essa segunda onda.” Já Débora Schurmann, de 22 anos, desistiu. A estudante de Química tentava sensibilizar a mãe, de 64 anos, diabética e hipertensa, mas parou de falar depois que a idosa anunciou que iria a um casamento.

“Eu disse que ela não entraria no meu quarto por 15 dias.” Foi o começo de uma discussão que terminou com a promessa de não mais palpitar no isolamento alheio. “Não fico irritada por estar me isolando, mas fico irritada por estar me isolando e ela não dando importância. Porque não adianta nada eu me cuidar e ela ficar saindo, tirando a máscara para falar”, desabafa.

Débora diz manter a quarentena para ter a consciência tranquila, mas admite sentir falta da vida de antes, com festas em repúblicas. “Fico um pouco mal de ver as pessoas saindo”, diz. “Às vezes bate aquela tristeza e ansiedade, dá saudades de ver amigos, ir às festinhas, o chamego dos contatinhos.”

Em situação oposta está Lisiane Guterrez, de 37 anos, que já não consegue mais manter o filho, de 14, em casa. “Os amigos começaram a chamar. A gente mora na praia e não tive mais como segurar, até porque adolescente em casa sempre acha alguma coisa para fazer confusão. Acabei liberando”, diz a mãe, que mora em Itapema (SC). A situação em 13 das 16 regiões catarinenses é gravíssima para a covid-19 e a taxa de ocupação de leitos beira os 90%.

Lisiane tem medo que o menino acabe se infectando e seja internado. Também teme pela saúde das 11 pessoas, incluindo a sogra, de 80 anos, que moram na mesma casa. O filho passou a fazer as refeições no quarto e tem pouco contato com a avó – medidas que Lisiane espera que sejam suficientes. “A gente tenta viver o normal que dá, para não pirar a cabeça. Que seja o que Deus quiser. ”

Bancar decisão de evitar contato é mais difícil nessa faixa etária
“Será que eu é que estou errada de ficar em casa e eles estão certos de sair?” Esse é o questionamento que Giovanna Batista, de 18 anos, faz todo domingo, quando acorda e vê a chuva de stories no Instagram de amigos que viraram a madrugada em festas. Para ela, que mora com um avô de 87 anos, há medo de colocar os mais velhos em risco, mas pesa a necessidade de pertencer ao grupo.

Por isso, mensagens que encorajam o isolamento, vindas de jovens, são recebidas por outros como um alento. “Esse post me incentiva”, disse uma garota em um grupo no Facebook com 136 mil pessoas, depois que um rapaz publicou que ficar em casa faz muita diferença, “mesmo que os outros não estejam respeitando a quarentena”.

“É muito forte a (necessidade de) aceitação social dos pares no caso dos jovens. As relações sociais são muito fortes nas definições da identidade individual deles”, diz o sanitarista Paulo Amarante, pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Fiocruz.

Para o especialista, é importante “insistir na racionalidade, de a pessoa pensar e entender o risco” de contaminação dela e dos demais. A infectologista Karen Morejón, do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, reforça que reuniões de jovens devem ser evitadas. “Ficamos preocupados em não ter aulas presenciais e quando você vira para o lado tem festinhas e aglomerações. Cuidamos tanto do idoso, orientando que faça o distanciamento, mas quem convive com ele muitas vezes não está fazendo isso”, aponta.

Se os encontros forem inadiáveis por qualquer motivo, é preciso reduzir os danos. Isso é possível, diz Karen, reunindo poucas pessoas, com máscaras durante todo o período, mantendo distância de mais de 1,5 metro e procurando locais bem ventilados. Uma praça ou um parque, por exemplo, pode ser melhor do que um restaurante fechado.

“Tira a máscara enquanto estiver comendo, mas quando terminar, põe a máscara. Entre um gole de cerveja e outro, põe a máscara”, orienta Karen. “É um sinal de consideração pelo amigo, de que quero protegê-lo.”

Embora a letalidade pela covid-19 entre o jovens seja menor do que em idosos, a infectologista diz que esse dado não deve servir de parâmetro para relaxar. “Até jovem evolui com quadro grave. O número é bem menor, mas jovens também têm complicações. É uma falsa sensação de segurança e nunca sabemos quem é essa pessoa que vai evoluir mal”, diz Karen.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo

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