A Justiça brasileira tem consolidado o entendimento de que o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é exemplificativo, o que obriga os planos de saúde a cobrir tratamentos fora da lista, desde que respaldados por evidências científicas.
De acordo com o advogado especialista em Direito da Saúde, Elton Fernandes, o entendimento, que se baseia na Lei 14.454/2022, confirma que o rol da ANS deve ser visto como referência mínima, e não como um limite absoluto à cobertura dos planos de saúde.
Recentemente, no julgamento da ADI 7265 – que questiona a constitucionalidade do rol exemplificativo da ANS – os ministros do STF, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia, votaram a favor da constitucionalidade da lei, defendendo que o rol exemplificativo assegura o acesso a tratamentos eficazes respaldados por evidências científicas.
O que é o rol da ANS e por que ele gera debate
O rol da ANS define os exames, tratamentos e procedimentos que os planos de saúde devem cobrir prioritariamente. Em 2022, o STJ chegou a considerá-lo taxativo, limitando a cobertura à lista oficial.
Pouco depois, o Congresso aprovou a Lei 14.454/2022, que devolveu ao rol o caráter exemplificativo. A norma prevê a cobertura de tratamentos não listados, desde que haja comprovação científica de eficácia ou recomendação de órgãos de saúde nacionais e internacionais.
A ANS argumenta que o rol garante previsibilidade mínima para operadoras e beneficiários, mas associações de defesa do consumidor defendem que ele não deve restringir o acesso a terapias modernas.
“O legislador estabeleceu critérios importantes para a superação do rol de procedimentos, em linha com o que a lei originalmente previu. O critério científico é um guia importante para a segurança do sistema e dos pacientes”, explica o advogado.
Decisões judiciais reforçam cobertura ampliada
Elton Fernandes relata que tribunais de primeira e segunda instância têm seguido a interpretação exemplificativa, obrigando as operadoras a autorizar procedimentos fora da lista quando há indicação médica fundamentada.
Porém, ao contrário do que se acreditava à época da aprovação da nova lei, o advogado explica que a flexibilização do rol da ANS não resultou em aumento de processos contra os planos de saúde.
Um estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que analisou mais de 40 mil processos no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entre janeiro de 2019 e agosto de 2023, concluiu que a aprovação da Lei 14.454/2022 não aumentou a judicialização da saúde suplementar.
A pesquisa mostrou que o volume de processos contra planos de saúde cresceu em 2019 e no início da pandemia de Covid-19, em 2020, mas estabilizou-se após o fim da emergência de saúde pública, em abril de 2022. Em 2023, houve retomada do crescimento de ações, mas sem superar os patamares do segundo semestre de 2022, indicando que a flexibilização do rol não gerou impacto significativo na judicialização.
O advogado especialista em Direito da Saúde afirma que as operadoras podem estar autorizando mais procedimentos fora do rol, desde que respaldados cientificamente, conforme previsto na legislação. “O respeito à lei é importante para todos. A ANS tem atualizado o rol mais constantemente, o que também ajuda a diminuir a judicialização”, completa Fernandes.
Lei avançou, mas negativas de cobertura continuam
Segundo Elton Fernandes, a Lei 14.454/2022 trouxe avanços significativos, estabelecendo que o rol da ANS é apenas um guia, superável quando o tratamento é indicado com base em evidências científicas. Ele destaca que a interpretação exemplificativa do rol amplia o acesso a tratamentos, mas reforça que a prescrição médica deve ser acompanhada de um relatório detalhado, com estudos que justifiquem a recomendação.
“A lei prevê que o médico deve fornecer plano terapêutico, indicando, então, quais os prováveis prazos de reavaliação do caso. A ciência é o guia que deve nortear todas as condutas, quer seja do médico, quer seja da operadora”, reforça o advogado especialista em planos de saúde.
Apesar dos avanços, o especialista relata que negativas de cobertura ainda ocorrem, especialmente em casos de tratamentos inovadores ou off-label. Nestas situações, Elton Fernandes explica que a Justiça tem permitido o acesso aos tratamentos, desde que respaldados cientificamente.
“Percebe-se ainda alguma confusão em classificar de tratamentos experimentais procedimentos que estão, muitas vezes, consagrados na ciência, mas que ainda não foram avaliados pela Anvisa para aquela terapia específica. Esse é ainda um dos gargalos da judicialização”, explica.