No segundo artigo da série sobre os vinhos do Norte Adriático, exploramos o território esloveno — uma joia ainda pouco conhecida pelos consumidores brasileiros, mas que abriga uma tradição vitivinícola milenar, rica em diversidade de uvas autóctones, técnicas de vinificação e paisagens deslumbrantes.
Entender a identidade da Eslovênia exige mergulhar não apenas em sua geografia, mas também em sua história, marcada por sucessivas mudanças de fronteiras. A cidade italiana de Goriza, por exemplo, foi desmembrada após a Segunda Guerra Mundial, dando origem à vizinha eslovena Nova Gorica. Hoje, essas cidades-gêmeas simbolizam a união cultural da região. A poucos minutos dali está Brda, o coração da viticultura eslovena.

Membro da União Europeia desde 2004, a Eslovênia é um país pequeno — pouco maior que o estado do Espírito Santo —, mas concentra três importantes regiões vitivinícolas: Primorska, Podravje e Posavje. No contexto do Norte Adriático, o destaque vai para Primorska, especialmente para os distritos de Brda, Vipavska Dolina e Istria Eslovena, reconhecidos pela produção de vinhos autênticos e de altíssima qualidade.
Geografia, solos e clima: um território de contrastes
A paisagem eslovena é um fascinante mosaico que une o frescor alpino à brisa marinha do Adriático. A proximidade com as montanhas Julianas (Julijske Alpe) e os Alpes Dináricos molda um clima mediterrâneo com forte influência continental: dias quentes, noites frias e significativa amplitude térmica — condição ideal para preservar a acidez natural das uvas.
Os solos também são protagonistas. Em Brda, destaca-se o famoso Ponca, uma mistura de marga (argila calcária) e arenito, rica em fósseis marinhos, que confere aos vinhos uma mineralidade marcante. No planalto do Karst, predominam solos calcários e a presença da terra rossa — argila vermelha rica em ferro. Essas variações, mesmo em pequenas distâncias, favorecem uma viticultura de grande complexidade e expressão.

Uvas autóctones e o estilo esloveno
Com mais de 50 variedades cultivadas, entre nativas e internacionais, é nas uvas autóctones que a Eslovênia expressa sua verdadeira identidade. A técnica da maceração pelicular prolongada — até mesmo para brancos — é amplamente usada e dá origem aos vinhos laranja. Vinificados como tintos, esses brancos com contato com as cascas apresentam estrutura, taninos e grande potencial de guarda. O uso de ânforas e foudres de carvalho esloveno reforça ainda mais o caráter singular da produção local.
Principais uvas brancas autóctones:
- Rebula (Ribolla Gialla): a rainha de Brda. De casca grossa e maturação tardia, é resistente ao calor e doenças. Gera vinhos frescos, com notas florais e cítricas, que ganham profundidade com maceração.
- Malvazija Istarska (Malvasia Istriana): menos aromática que outras malvasias, destaca-se pela acidez vibrante e mineralidade sutil.
- Zelen: típica de Vipava — seu nome significa “verde”. Traz notas herbáceas, leve salinidade e frescor surpreendente, apesar da acidez naturalmente baixa.
- Pinela: também exclusiva de Vipavska Dolina, é mais frutada que a Zelen, com notas cítricas e florais, acidez média a alta e excelente versatilidade à mesa.
- Vitovska Grganja: discreta nos aromas, mas com forte caráter mineral e salino. Também cultivada no Karst e no Friuli italiano (como Vitovska).
Uvas tintas:
- Refosco (Refosk): amplamente cultivada e considerada autóctone da região, embora também presente na Itália e Croácia. Seus vinhos são estruturados, com notas de ameixa, especiarias e taninos marcantes.
- Além dessas, a Eslovênia cultiva também variedades internacionais como Chardonnay, Sauvignon Blanc, Pinot Grigio, Pinot Bianco, além das tintas Merlot, Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc.
Um novo olhar sobre a Eslovênia
Embora tenha tradição milenar, a Eslovênia só começou a se destacar no cenário internacional nas últimas duas décadas. Desde a independência em 1991 e com a modernização das práticas enológicas, o país vem se consolidando como um produtor de vinhos artesanais, sustentáveis e profundamente conectados ao seu terroir.
A região de Brda se firmou como porta de entrada para os vinhos eslovenos, com produtores renomados como Movia, Dolfo Wines e Ferdinand. Já em Vipavska Dolina, vinícolas como Batic Wines, Guerrilla, Cultus, Ferjancic e Fedora encantam com vinhos vibrantes, autênticos e com excelente relação qualidade-preço. Na Istria eslovena, o cenário se completa com paisagens deslumbrantes como a cidade litorânea de Piran, onde o mar toca as vinhas. Ali se destacam nomes como Gordia Wines, MonteMoro Wines e Kmetija Mahnic.
Conclusão
A Eslovênia surpreende. Seja por suas paisagens, pela culinária, pela história ou — especialmente — pelos vinhos. Com técnicas ancestrais renovadas e um profundo respeito pelo terroir, os vinhos eslovenos oferecem autenticidade, elegância e inovação. Para os brasileiros que desejam explorar novos horizontes enológicos, essa pequena nação balcânica reserva uma experiência intensa, sensorial e inesquecível.