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Vinhos e Vivências
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Vinho sem frescura: a taça é de todos

A indústria vitivinícola precisa reavaliar suas estratégias. O que mercado precisa é de rótulos de entrada mais acessíveis; já o público, de menos regras. Um brinde à simplicidade.

Cynthia Malacarne

03/09/2024 5h00

Atualizada 02/09/2024 20h04

Amigas celebram com vinho

Banco de Imagens

No mundo do vinho, há uma tendência preocupante que precisa ser repensada: a elitização do consumo. Cada vez mais, a bebida, que historicamente simboliza cultura e tradição, está associada ao luxo e à sofisticação, um produto acessível apenas a uma pequena parcela da população. Essa realidade não apenas aliena potenciais consumidores, mas também compromete o futuro da própria indústria vinícola. É urgente tirá-lo dessa posição e torná-lo mais democrático em todos os sentidos, derrubando as barreiras que afastam potenciais apreciadores.

Recentemente, enquanto lia a *Meininger’s International*, uma revista especializada em vinhos e bebidas, deparei-me com uma reportagem norte-americana que criticava a “premiumisation” no mundo do vinho – a tendência de “beber menos, mas beber melhor”, promovendo vinhos que custam acima de US$ 20 dólares. Quando trazemos esse valor para o contexto brasileiro, adicionando impostos e custos de importação, isso eleva o preço para rótulos que superam facilmente os R$ 200. Esse movimento, embora rentável em mercados norte-americanos, exclui ou afasta consumidores que não podem pagar valores elevados, tornando a bebida cada vez mais exclusiva e elitista.

Casal jovem escolhendo vinho
Banco de Imagens

Além disso, essa tendência também pode representar riscos significativos ao setor produtivo. Pequenas e médias vinícolas podem estar se colocando em uma posição perigosa ao focar apenas nos rótulos de alta gama, ignorando a importância daqueles mais acessíveis para a base de consumidores. Se o vinho for relegado novamente a uma bebida de ricos ou a um item para ocasiões especiais, enfrentaremos uma contínua e preocupante queda nas vendas.

Paul Tincknell, um experiente consultor do setor, alerta que o declínio na categoria de vinhos abaixo de US$ 12 é um sinal alarmante. Muitas pessoas simplesmente não podem pagar mais que isso por uma garrafa, e, ao afastar esses consumidores, a indústria vitivinícola corre o risco de perder relevância. Se o preço de entrada continuar subindo, a curiosidade e o interesse por essa bebida milenar serão rapidamente substituídos por alternativas mais acessíveis, como cervejas artesanais e coquetéis.

medium shot man tasting wine glass
Banco de imagens

A questão não é apenas financeira. O vinho carrega uma aura de elitismo, marcada por uma série de regras e rituais que intimidam os novos consumidores. Harmonizações complexas, o tipo de taça a ser usada, e a ideia de que o vinho deve ser reservado para ocasiões especiais são barreiras desnecessárias. Para se popularizar, o vinho precisa ser descomplicado, democratizado. Deve ser uma bebida para todos, apreciada em qualquer momento, em qualquer taça, com qualquer comida.

Jeff Siegel, veterano da indústria e ex-autor do blog “Wine Curmudgeon”, que recomendava vinhos acessíveis, também critica o rumo que o mercado tomou. Ele observa que, desde a recessão de 2008, os preços aumentaram e os rótulos acessíveis ficaram escassos. Com a concentração do mercado em poucas grandes marcas, o público jovem é empurrado para longe, vendo no vinho uma bebida antiquada e inacessível.

couple having wine together kitchen their new home
Vinho em qualquer lugar e ocasião/ Banco de Imagens

A indústria do vinho precisa reavaliar suas estratégias. Sommeliers, educadores e influenciadores, por sua vez, devem promover a inclusão, oferecendo ou sugerindo vinhos de entrada e, acima de tudo, trabalhar para desfazer essa imagem do vinho como um produto ditador de regras. O vinho é, antes de tudo, uma expressão cultural, um elo social, que deve ser apreciado sem pressões ou elitismos. Precisamos “des-estilizar” o vinho para que ele volte a ocupar o lugar que merece: na mesa de todos, em qualquer ocasião.

É hora de abrir uma garrafa sem cerimônias e brindar à simplicidade. Porque no fim, o que realmente importa é o prazer da experiência, e não o preço da etiqueta.

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