O Taurasi, um dos grandes vinhos tintos da Itália, é muitas vezes descrito como o “Barolo do Sul”. Essa comparação, no entanto, já não faz jus à complexidade da Irpinia, território montanhoso da Campania onde a uva Aglianico encontra sua expressão mais profunda. A região vive um renascimento silencioso, guiado por produtores que reinterpretam tradição, elegância e identidade de maneiras muito distintas. Visitei três vinícolas que traduzem essa diversidade com clareza: a tradicional Tenuta Cavalier Pepe, a familiar e histórica Perillo e o ousado projeto de Gianluca Mazzella. Cada uma delas revela um rosto diferente do Taurasi.
A Tenuta Cavalier Pepe é um capítulo importante da história recente da Irpinia. A vinícola nasce da visão de Angelo Pepe, que recebeu o título de Cavaleiro da República Italiana após uma longa carreira como empreendedor no setor da gastronomia; ele chegou a ter restaurantes na Bélgica antes de retornar às suas origens. Sua filha, Milena Pepe, enóloga com formação na França, comanda hoje a vinificação com presença ativa em cada detalhe da produção. Não se trata apenas de uma vinícola, mas de um destino completo de enoturismo, com restaurante panorâmico, visitas guiadas, degustações temáticas e uma estrutura que atrai visitantes do mundo inteiro para o coração de Sant’Angelo all’Esca.
Os vinhos refletem essa combinação cuidadosa entre tradição e estilo contemporâneo. O Aglianico recebe tratamento minucioso, com fermentações controladas, estágio em madeira de diferentes tamanhos e uma busca constante por elegância. São Taurasi que preservam a força natural da uva, mas revelam equilíbrio, frescor e grande capacidade de longevidade. Para o leitor brasileiro, vale destacar que a Cavalier Pepe já está presente no Brasil, importada pela Boccati, o que facilita o acesso a um dos produtores mais consistentes da região.

A história da família Perillo segue uma trilha completamente distinta. A vinícola trabalha em pequena escala, com cerca de 30 mil garrafas por ano e apenas 12 hectares de vinhedos, muitos deles plantados na época da Primeira Guerra Mundial. É uma das raras propriedades que ainda preservam a condução tradicional em raggiera avellinese, uma espécie de pérgola típica da Campania, que permite sombreamento natural e ventilação adequada em um território onde a maturação da Aglianico acontece tardiamente. A vindima, aliás, ocorre apenas no final de novembro, a mais tardia de toda a Itália, o que garante concentração, estrutura e taninos firmes.

A Perillo realiza uma seleção rigorosa de clones para manter plantas mais resistentes às doenças e capazes de alcançar maturação fenólica plena, algo crucial para a Aglianico, uma das uvas mais tânicas do país. Na vinificação, as uvas são separadas das partes verdes do cacho para evitar extração excessiva. Os vinhos envelhecem em grandes botti de carvalho francês, alternando recipientes de primeiro uso e outros mais neutros. Quando a madeira é nova, o tempo de maturação é reduzido para evitar interferências indesejadas, uma abordagem que exige paciência, precisão e profundo conhecimento da variedade. O resultado são Taurasi de estilo clássico, densos e austeros, que honram a memória de um território onde as vinhas sobrevivem há mais de um século.

Se Pepe representa tradição estruturada e Perillo guarda um passado heroico, Gianluca Mazzella aponta para uma leitura mais contemporânea do Taurasi. Ex-jornalista especializado em vinhos e consultor com experiência em várias regiões da Europa, incluindo Borgonha, Toscana e Piemonte, ele decidiu transformar anos de estudo e observação em um projeto próprio. Escolheu Paternopoli, uma das zonas mais vocacionadas da denominação, tanto por vínculos familiares quanto pela convicção de que ali a Aglianico pode alcançar uma expressão de grande finesse.

Seu primeiro vinho, o Taurasi Riserva 2019 batizado de Paterico, nasceu como uma obra minuciosa: apenas 3.151 garrafas numeradas, provenientes de vinhedos em altitude e cultivados com baixos rendimentos. A colheita é manual e tardia, buscando maturação completa dos taninos, e a vinificação segue princípios de mínima intervenção, com fermentação espontânea e longas macerações que podem se estender por vários meses, conforme descrito em reportagens internacionais. O estilo combina densidade, acidez vibrante e elegância, características que rapidamente conquistaram a crítica internacional e reposicionaram o Taurasi dentro do panorama dos grandes vinhos de guarda da Itália.

Esses três produtores mostram como a Irpinia é uma região que vive múltiplas identidades simultaneamente. O Taurasi pode ser poderoso e longevo, como no caso de Perillo; pode ser elegante, moderno e acolhedor ao visitante, como na Cavalier Pepe; ou pode se transformar em uma interpretação autoral, precisa e contemporânea, como propõe Gianluca Mazzella. Para o consumidor brasileiro, que já começa a descobrir mais vinhos do sul da Itália, essa diversidade funciona como uma porta de entrada para um território que merece mais atenção. Aglianico e Taurasi têm tudo para conquistar o espaço que ainda falta entre os apreciadores de tintos estruturados, complexos e capazes de envelhecer com grande beleza.