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Vinhos e Vivências
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Cirò e as uvas que definem o vinho da Calábria

Entre a herança da Magna Graecia e a força das uvas autóctones, Cirò revela a identidade vitícola da Calábria

Cynthia Malacarne

19/12/2025 15h24

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Massimiliano Capoano ao lado dos importadores proprietários da DejaVino. – Foto: Divulgação

No extremo sul da Itália, a Calábria guarda um dos patrimônios vitícolas mais antigos e menos padronizados do Mediterrâneo. Longe das rotas comerciais que moldaram outras regiões italianas, o vinho calabrês evoluiu a partir de um isolamento geográfico que favoreceu a preservação de variedades autóctones únicas, profundamente ligadas ao território.

Segundo o professor Attilio Scienza, uma das maiores autoridades em viticultura italiana, o sul da Itália, e a Calábria em particular, representa um verdadeiro arquivo genético vivo. A região foi parte central da Magna Graecia, onde a viticultura já era praticada séculos antes do Império Romano, e muitas uvas sobreviveram justamente por sua capacidade de adaptação extrema ao clima, aos solos e à cultura local.

Cirò: o berço histórico da Gaglioppo

Entre as várias áreas vitícolas calabresas, Cirò DOC ocupa posição central. Localizada às margens do Mar Jônico, a região combina solos argilo-calcários, elevada insolação e ventilação constante. Esse conjunto de fatores criou o ambiente ideal para a consolidação da Gaglioppo, a grande uva tinta da Calábria.

Estudos históricos e ampelográficos citados por Scienza indicam que a Gaglioppo já estava perfeitamente adaptada a Cirò há pelo menos dois mil anos, o que a torna uma variedade praticamente exclusiva da região. Sua permanência ao longo dos séculos não é casual. Trata-se de uma uva resistente, equilibrada e intimamente conectada ao território.

Gaglioppo: elegância, frescor e vocação gastronômica

Para Paolo Librandi, a Gaglioppo é uma variedade histórica e identitária. “É uma uva que só existe aqui”, afirma. Diferente do estereótipo de vinhos do sul concentrados e alcoólicos, a Gaglioppo dá origem a vinhos de coloração clara e brilhante, taninos delicados, acidez bem definida e perfil elegante.

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Paolo Librandi. – Foto: Divulgação

São vinhos que não buscam potência, mas harmonia. Funcionam à mesa, convidam a outra taça e dialogam facilmente com a gastronomia. Para o consumidor brasileiro que ainda não conhece a uva, o paralelo com Sangiovese e Nebbiolo ajuda a entender o estilo: estrutura refinada, transparência aromática e frescor sustentado.

Librandi: pioneirismo e identidade no Brasil

A Librandi ocupa papel fundamental na história recente do vinho calabrês. Foi a primeira vinícola da Calábria a exportar seus vinhos para o Brasil, há cerca de dez anos, por meio da importadora Mistral. Esse pioneirismo abriu caminho para que o mercado brasileiro começasse a olhar para a região com mais curiosidade.

A família Librandi também teve papel decisivo na valorização da Gaglioppo, demonstrando que a uva, quando cultivada com controle de rendimento e vinificada com precisão, gera vinhos de grande elegância e identidade territorial.

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Foto: Divulgação

Capoano: uma história que atravessa séculos

A vinícola Capoano, hoje conduzida por Massimiliano Capoano, carrega uma das histórias mais antigas da Calábria. A família remonta ao ano 1200, quando um ancestral adquiriu do Papa Celestino III um vasto feudo na região, um território expressivo para a época, onde a produção de vinho já fazia parte da atividade agrícola.

A viticultura foi interrompida durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, sendo retomada posteriormente pelo avô e pelo pai de Massimiliano. Desde 2005, ele está à frente da vinícola, dando continuidade a esse legado histórico.

O vinho Neruda, 100% Gaglioppo, é um dos símbolos da casa. Dedicado ao poeta Pablo Neruda, o rótulo está presente no Brasil com importação da Dejavino. Segundo Massimiliano, a Gaglioppo é a expressão mais fiel do território. Traduz o sol intenso da Calábria, seus solos e sua identidade, com taninos nobres, excelente acidez e frescor natural.

Brigante: a liberdade de expressão da Gaglioppo

Na vinícola Brigante, a Gaglioppo ganha uma leitura ainda mais autoral. Luigi Brigante trabalha com mínima intervenção, buscando revelar a uva e o território de Cirò em sua forma mais direta. No Brasil, seus vinhos são importados por Massimo Ferrari, do restaurante Felice e Maria, em São Paulo.

O Etefe, Cirò DOC, 100% Gaglioppo, foi o primeiro vinho produzido pela vinícola, o vinho de partida, o “primeiro filho”. Representa com clareza o caráter da uva: elegância, frescor e identidade territorial.

Já o Zero, também 100% Gaglioppo, vai além. Elaborado com leveduras indígenas, fermentação alcoólica espontânea e sem adição de sulfuroso, é um vinho que expressa a variedade em total liberdade. Engarrafado em formato de 1 litro, reforça a ideia de vinho vivo, autêntico e profundamente ligado ao lugar de origem.

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Luigi Brigante. – Foto: Cynthia Malacarne

Greco Bianco e Magliocco: outras vozes da Calábria

Embora a Gaglioppo seja a protagonista, a Calábria abriga outras variedades autóctones de grande relevância. O Greco Bianco, historicamente ligado à região de Cirò, é uma uva branca de origem antiga, capaz de manter frescor mesmo sob clima quente. Produz vinhos delicados, com notas florais, frutas de caroço e, muitas vezes, uma sutil salinidade.

O Magliocco, por sua vez, representa outra face da identidade calabresa. Presente sobretudo no norte da região, origina vinhos estruturados, de caráter profundo e grande potencial gastronômico, reforçando a diversidade varietal da Calábria.

Uma região que fala através de suas uvas

Na Calábria, o vinho não é resultado de modismos, mas de adaptação, tempo e identidade. As variedades autóctones, como Gaglioppo, Greco Bianco e Magliocco, são testemunhas vivas de uma história que atravessa séculos.

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