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Vinhos e Vivências
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Amarone: o vinho que nasceu por acaso e se tornou um dos maiores ícones da Itália

Um clássico italiano que nasceu de um acaso, ganhou técnica própria e hoje expressa a alma da Valpolicella em cada garrafa

Cynthia Malacarne

21/11/2025 14h09

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Foto: Região da Valpolicella/ Foto: Cedida pela Vinicola Borghetti Giampiero

Há vinhos que seguem regras, obedecem tradições e repetem fórmulas. E há aqueles que surgem como um gesto inesperado, quase um acidente, e acabam marcando a história da enologia. O Amarone della Valpolicella pertence a esse segundo grupo.

Hoje celebrado como um dos grandes tintos italianos, ele nasceu de um erro, cresceu a partir de uma técnica única e transformou a pequena região da Valpolicella, no Vêneto, em um símbolo mundial de elegância e profundidade.

Origens e evolução

A Valpolicella é um mosaico de colinas, muros de pedra, vinhedos em terraços e antigos vilarejos. O clima é influenciado tanto pelas brisas amenas do Lago di Garda quanto pelo frescor dos montes Lessini, criando um equilíbrio natural perfeito para castas como Corvina, Corvinone e Rondinella, base de todos os grandes vinhos da região.

Durante séculos, o vinho mais prestigiado da região foi o Recioto della Valpolicella, tinto doce produzido com uvas passificadas. Mas foi justamente dessa tradição que surgiu, quase por acaso, o estilo que mudaria a história local.

Segundo relatos históricos, na década de 1930, um barril de Recioto foi esquecido por tempo demais em fermentação na cooperativa de Valpolicella. O vinho, que deveria ser doce, fermentou até o fim, tornando-se seco e mais alcoólico. Surpreso com o resultado, o mestre de adega teria exclamado: “Questo non è amaro… è Amarone” (Este não é amargo… é Amarone).

A partir daí, o estilo ganhou vida própria. Em 1953, nasceu a primeira garrafa com o rótulo “Amarone”. Em 1968, a Valpolicella conquistou sua DOC, que incluía também o Amarone. Em 2010, o vinho alcançou o reconhecimento máximo italiano, a DOCG.

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Vinhos da Valpolicella. – Foto: Cynthia Malacarne

A técnica que define o Amarone: o appassimento

Nada define o Amarone tanto quanto o processo de appassimento, a desidratação natural das uvas após a colheita. É essa técnica, documentada desde a antiguidade na região, que dá ao vinho sua profundidade singular.

Após serem colhidos manualmente, apenas os cachos mais perfeitos são colocados em caixas ou esteiras nos chamados fruttai, galpões amplos e ventilados, onde permanecem por 100 a 120 dias. Durante esse período, as uvas perdem até 40% do peso, concentrando sabores, açúcares, acidez e taninos.

A fermentação acontece lentamente, às vezes por mais de um mês, e transforma quase todo o açúcar residual em álcool, resultando em um vinho seco, potente e de textura densa. O amadurecimento mínimo é de dois anos, podendo ser muito maior nas versões Riserva.

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Foto: Cynthia Malacarne

Um vinho de força e elegância

O Amarone impressiona pela intensidade aromática: notas de frutas negras maduras, figo seco, ameixa, chocolate, café, especiarias doces e toques balsâmicos. A cor é rubi profunda, tendendo ao granada com a idade. Em boca, é amplo, envolvente, com taninos macios e final muito longo.

É também um dos grandes vinhos de guarda da Itália, e muitos rótulos evoluem por décadas, ganhando complexidade que fascina colecionadores e enófilos.

O Amarone no mundo e no Brasil

Hoje, o Amarone é presença consolidada em mercados como Estados Unidos, Canadá, Alemanha e países nórdicos, onde é reconhecido como vinho de ocasião especial e símbolo de excelência italiana. No Brasil, apesar do preço mais elevado, ele conquistou admiradores fiéis, especialmente entre consumidores que valorizam vinhos intensos e de profundidade aromática.

A essência de uma região num único vinho

Mais do que uma bebida, o Amarone della Valpolicella representa a maturidade de uma região que soube transformar tradição em identidade. Ele é fruto da paciência, do respeito às uvas, do rigor técnico e, curiosamente, de um episódio que poderia ter sido descartado como um simples erro.

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