Nascida em Melo, no Uruguai, filha de mãe brasileira, a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Maria Cristina Peduzzi (foto) formou-se em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), em 1975. Atuou como advogada, procuradora da República e procuradora do Trabalho até ser nomeada ministra do Tribunal Superior do Trabalho em 2001. Foi a primeira mulher eleita presidente do TST, exercendo o cargo no biênio 2020 a 2022, período em que conduziu a Corte em meio à pandemia e impulsionou a digitalização da Justiça do Trabalho. Também integrou o Conselho Nacional de Justiça entre 2013 e 2015 e tem forte atuação acadêmica como professora em diversas instituições. Atualmente ocupa a cadeira 29 da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Sua trajetória reúne mais de quatro décadas dedicadas ao Direito e à Justiça do Trabalho.
A senhora nasceu no Uruguai, filha de mãe brasileira. Como essa origem influenciou sua visão de mundo e do Direito?
Nasci no Uruguai, em cidade próxima à fronteira com o Brasil. Como as pessoas originárias do interior e da fronteira, aprendi desde cedo a cultivar o amor pela terra, asociabilidade, que resulta da visão comunitária e do compartilhamento da cultura, da educação e dos hábitos e a fluência nos dois idiomas.
O que a levou a escolher a advocacia e, depois, a magistratura trabalhista como carreira?
Fui a primeira pessoa na família a seguir a carreira jurídica, movida por vocação pelo estudo das ciências humanas e pela defesa dos direitos das pessoas, da cidadania e da liberdade.
Como foi a transição da advocacia para o Tribunal Superior do Trabalho em 2001?
Exerci a advocacia com plena dedicação e empenho por 26 anos, construí um escritório sólido e exerço a magistratura no Tribunal Superior do Trabalho há 24 anos, com igual dedicação e amor. A transição foi natural, considerando o lema de que o importante não é fazer o que se gosta, mas gostar do que se tem de fazer e a perspectiva de que, para o advogado, a magistratura é um horizonte.
Quais foram os maiores desafios que enfrentou ao assumir a presidência do TST em 2020, em plena pandemia?
Durante a pandemia, tivemos um grande desafio, que foi continuar atendendo a sociedade, julgando os processos de forma eficiente mesmo em um cenário de crise. A Justiça do Trabalho não parou. Adaptamos as sessões de julgamentos e audiências ao modo telepresencial, investimos em tecnologia com constante aperfeiçoamento e o resultado do esforço foi comprovado com os dados positivos apurados pelas estatísticas realizadas. O Processo Judicial eletrônico teve grande relevância e possibilitou que continuássemos em plena atividade, também naquele período. A Justiça do Trabalho foi destaque no relatório Justiça em Números 2020 do CNJ por ter, já naquele tempo, o melhor índice de informatização (99%) do Poder Judiciário. Fomos os primeiros a adotar integralmente o Processo Judicial Eletrônico (PJe) e já a algum tempo 100% dos processos iniciados no TST e no 1º grau são digitais.
O processo de digitalização da Justiça do Trabalho ganhou força na sua gestão. Que avanços consideramais significativos?
O sistema facilita o acesso à Justiça porque se utiliza da internet e propicia economia de recursos com papel, impressões, transporte, além de acelerar a tramitação dos feitos.
A senhora foi a primeira mulher a presidir o TST. Como avalia a presença feminina hoje no Judiciário?
O fato de ser a primeira mulher e até hoje a única a presidir o TST e o CSJT, no biênio 2020/2022, tem um significado eloquente pelo valor simbólico que a imagem de uma mulher no comando da Justiça do Trabalho brasileira foi capaz de oferecer a milhões de meninas e mulheres por todo o Brasil, transmitindo a mensagem de que elas são capazes e podem realizar seus sonhos e projetos; basta investir em conhecimento, dedicação ao trabalho e persistência nos objetivos definidos. Essa contingência oferece uma mensagem emancipatória às mulheres brasileiras, independente da profissão exercida. A presença feminina, hoje, no Poder Judiciário, está consolidada. Ressalto as políticas públicas implementaras pelo Conselho Nacional de Justiça, de valorização da presença feminina em todas as esferas, como a paridade nas promoções por merecimento aos Tribunais e nas bancas de concurso à magistratura.
Após a Reforma Trabalhista de 2017, que efeitos positivos e negativos a senhora enxerga?
A revolução tecnológica vem transformando de forma rápida e surpreendente as relações de trabalho e as formas de organização e gestão da produção, exigindo novas disciplinas normativas. Na tentativa de garantir segurança jurídica e regulamentação ao trabalho que é realizado por meio de plataformas virtuais e empresas de tecnologia, o Direito do Trabalho encontra como demanda urgente sua reinvenção. Prova disso é que a economia colaborativa, que se baseia no uso de uma plataforma virtual, para colocar em contato prestadores e tomadores de serviços, tem gerado demandas judiciais. A reforma trabalhista produziu importantes ajustes, como a disciplina do teletrabalho (art. 75-A a 75-E da CLT), trabalho autônomo (art. 442-B da CLT), trabalho intermitente (art. 243 da CLT), terceirização (art. 4º-A da Lei nº 6.019/74), ampliação do prazo do contrato de trabalho temporário (Lei nº 6.019/74), flexibilização do intervalo intrajornada (art. 611-A, III, da CLT) e retirada da exigência de autorização ministerial para prorrogação de jornada em condição insalubre quando houver negociação coletiva (art. 611-A , XIII, da CLT) ou regime 12×36 (art. 60, parágrafo único, da CLT), mas não avançou no ambiente tecnológico. O grande desafio é criar normas jurídicas capazes de responder às novas formas de organização do trabalho, sem inibir as inovações tecnológicas e a modernização própria dos novos modos de produção.
Como o Judiciário deve lidar com novas formas de trabalho, como aplicativos, home office e economia digital?
O teletrabalho já era uma opção e uma realidade implementada em alguns setores da economia e até no serviço público. Com as regras de isolamento social, mostrou-se como forma para algumas atividades continuarem em funcionamento sem perder a produtividade, reduzindo o trânsito de pessoas para diminuir a taxa de contágio. O reconhecimento desse fato ganhou destaque no Poder Judiciário. No setor privado, o teletrabalho já estava previsto na CLT desde 2011, mas ganhou disciplina com a Lei nº 13.467/2017. A questão é complexa, em especial se considerarmos os desafios da popularização da inteligência artificial. As mudanças são velozes. O investimento em educação, em tecnologia, em capacitação e recapacitação dos trabalhadores para atender às novas demandas devem ser considerados, num mundo em que o trabalho ainda sofrerá incontáveis metamorfoses. A proteção que a Justiça do Trabalho oferece é dar efetividade à legislação vigente pela sua aplicação aos processos que lhe são submetidos para julgamento. Visualiza-se uma Justiça do Trabalho mais tecnológica e atualizada com os objetivos e metas da Justiça 4.0, mais eficiente e produtiva garantindo a solução das lides trabalhistas tanto por meio de acordos, quanto através do julgamento de processos, e ainda mais comprometida com a realização de suas competências constitucionais de forma a garantir a segurança jurídica necessária para o desenvolvimento social e econômico do país.
O Brasil precisa de uma nova reforma trabalhista? Em quais pontos seria prioritária?
O papel da Justiça do Trabalho é resolver conflitos, individuais e coletivos (conciliação, mediação, decisão). A Constituição da República atribui à Justiça do Trabalho competência para julgar “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei”, desde a ampliação do seu rol de matérias, pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Assim, ainda que inexistente relação de emprego, há trabalho sendo prestado por novas categorias profissionais, como motoristas e outros trabalhadores via aplicativos ou plataformas. Todo trabalho merece proteção para que se garanta um mínimo civilizatório, como limite de jornada, amparo previdenciário, entre outros. Para se responsabilizar as plataformas, é necessário construir uma legislação que discipline os direitos e deveres dos contratantes e já há projetos de lei tendentes a estabelecer a disciplina dessas novas relações.
No Conselho Nacional de Justiça, quais aprendizados a senhora trouxe para o TST?
Integrei o CNJ, como Conselheira, representando o TST, no biênio 2013/2015, e considero valiosa a experiência e aprendizado sobre organização e gestão do Poder Judiciário. As finalidades institucionais do órgão, de exercer o controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário e o controle disciplinar dos magistrados, com vistas ao aperfeiçoamento do sistema judicial, compreende a implementação de políticas públicas com vistas a esse desiderato.
Como equilibrar celeridade processual com a garantia de direitos na Justiça do Trabalho?
Os princípios da eficiência e celeridade estão positivados no texto constitucional e são o norte de todos os juízes. O Poder Judiciário deve atender ao cidadão de forma eficiente e rápida, mas a Justiça também tem compromisso com a segurança jurídica. Daí a importância do sistema de precedentes, implantado na legislação brasileira e que orienta os juízes e tribunais a decidir conforme as teses fixadas pelos tribunais superiores, garantindo que as decisões sobre determinada matéria sejam previsíveis, o que promove estabilidade às relações produtivas e de trabalho. Temos uma Justiça do Trabalho mais tecnológica e atualizada com os objetivos e metas da Justiça 4.0, mais eficiente e produtiva garantindo a solução das lides trabalhistas tanto por meio de acordos, quanto através do julgamento de processos, e ainda mais comprometida com a realização de suas competências constitucionais de forma a garantir a segurança jurídica necessária para o desenvolvimento social e econômico do país.
Qual sua visão sobre o financiamento sindical após o fim da contribuição obrigatória?
Ao longo dos anos, os sindicatos consolidaram sua expertise em negociações e acumularam conhecimentos sobre os direitos e necessidades dos trabalhadores. O atual contexto de valorização da autonomia privada coletiva e reconhecimento da capacidade de auto composição dos conflitos trabalhistas fortalece a representatividade dos sindicatos e amplifica exponencialmente o seu protagonismo. A valorização da autonomia da vontade dos contratantes, coletiva e individual, foi pilar da reforma trabalhista, como se infere nos arts. 8º, §3 e 611-A, da CLT. Assim, a contribuição assistencial foi validada pelo STF, que aprovou o Tema nº 935 da Repercussão Geral, e afirmou a constitucionalidade da instituição e cobrança da contribuição assistencial, por acordo ou convenção coletivos, em relação a todos os integrantes da categoria, assegurado o direito de oposição do empregado.
Como professora, acredita que a formação jurídica atual prepara os jovens para as transformações do mundo do trabalho?
O debate sobre a modernização da CLT reflete a dialética existente entre continuidade e mudança na tutela jurídica dos direitos trabalhistas. Nesse contexto, é importante lembrar que atualizações impostas pelos novos tempos já vêm sendo assimiladas pela jurisprudência e legislação. Penso que a Universidade vem desempenhando com eficiência esse papel de formar profissionais para um mundo que a cada dia se transforma e demanda constante aperfeiçoamento.
Que conselho daria a estudantes de Direito que desejam seguir carreira no Judiciário?
O bom e adequado desempenho da função judicante exige a conjugação da formação acadêmica em Direito com a formação profissional para o exercício da magistratura. Não se admite que o juiz, na suposta pretensão de solucionar casos, apenas repita, mecanicamente, o texto constitucional ou legal, sem adotar instrumentos técnicos, teóricos e práticos voltados a uma compreensão transdisciplinar, multidimensional e complexa dos conflitos sociais. O juiz que nós – sociedade – queremos é o magistrado que detém a capacidade de gerir não apenas os processos e as audiências para os quais é designado, mas também os servidores que trabalham nas Varas do Trabalho e a própria imagem da instituição, isto é, da Justiça do Trabalho e do Poder Judiciário, perante a sociedade. É o profissional que tem consciência do seu papel e da função que exerce, dominando, ainda, os instrumentos à sua disposição, como meios tecnológicos e estatísticas, por exemplo. A formação profissional daqueles que pretendem ingressar na carreira do Poder Judiciário deve considerar esses fatores, presente a consciência de que a demanda social exige que todos os profissionais estejam sempre em constante processo de formação e aperfeiçoamento acadêmico e prático.
Qual considera ser o maior legado da sua presidência no TST?
Acredito que foi cumprido o propósito de deixar um legado de modernidade à Justiça do Trabalho, apesar da contingência histórica de exercer a presidência integralmente durante a pandemia da Covid 19, e a inspiração para que a próxima geração de mulheres possa nos superar em todas as áreas, como sabiamente descreveu a poetisa Rupi Kaur. O nosso trabalho deve preparar a próxima geração de mulheres para nos superar em todas as áreas esse é o legado que vamos deixar progresso.