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Três Poderes
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O grande momento da relação Brasil-Chile

Embaixador do Brasil no Chile, Paulo Roberto Soares Pacheco é o entrevistado da semana

Marcelo Chaves

07/10/2025 12h00

Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o embaixador Paulo Roberto Soares Pacheco atua como diplomata de carreira há 38 anos. Em sua trajetória, constam missões junto às Nações Unidas e também em Bogotá, na Colômbia; Londres, no Reino Unido; Buenos Aires, na Argentina, e Washington, nos Estados Unidos, antes de Santiago, no Chile. Pacheco é embaixador na capital chilena há quase 5 anos, onde vem desenvolvendo um importante trabalho como representante do Brasil no país.

O senhor chegou ao Chile em um momento de intensas transformações políticas na América do Sul. Quais são os principais desafios e prioridades da diplomacia brasileira nesse contexto?

O principal desafio da minha gestão aqui no Chile foi adaptar-me às necessidades da política externa brasileira. As transformações dinâmicas das relações internacionais, nos últimos anos, particularmente no que diz respeito à própria conformação da integração da América do Sul. E eu acho que estamos em um momento particularmente positivo das relações entre Brasil e Chile, que é a grande coincidência de visão dos dois governos sobre os principais desafios e oportunidades que se apresentam na cena internacional.

Como o senhor avalia a atual relação entre Brasil e Chile, especialmente nas áreas de comércio, ciência e tecnologia?

As relações comerciais e de investimentos entre Brasil e Chile são excelentes. O Brasil é o terceiro maior sócio comercial do Chile, depois da China e dos Estados Unidos, e é o principal destino mundial dos investimentos chilenos no exterior. É o principal investidor latino-americano no Chile. Na área de ciência e tecnologia, nós também estamos avançando bastante na relação bilateral, sobretudo a partir da última visita de Estado do presidente Boris ao Brasil, em abril, quando firmamos memorando de cooperação em matéria de inteligência artificial. Os dois países são muito bem posicionados também em matéria de inovação. São os dois países mais inovadores da América Latina e os países que possuem as melhores universidades da América Latina. Conforme o ranking que se adote, a USP e a PUC do Chile se alternam entre primeiro e segundo lugar.

O Chile é um dos países latino-americanos mais avançados em transição energética. Há planos de cooperação com o Brasil nessa área?

Efetivamente, o Chile é um país muito bem posicionado para a transição energética, assim como o Brasil. São dois países que possuem uma pluralidade de fontes de energia limpa, e podem e devem cooperar mais. Já existe muita cooperação na área privada, mas talvez a gente possa desenvolver também cooperação entre os governos nessa área. Os países têm infinitas possibilidades de avançar tanto em energia eólica quanto solar, e também em hidrogênio de baixo carbono, o hidrogênio verde.

Durante sua carreira, o senhor serviu em postos importantes como Londres, Buenos Aires, Bogotá, Washington e na missão do Brasil na ONU. Que aprendizados dessas experiências influenciam sua gestão em Santiago?

A minha experiência anterior, em todos esses postos, serviu muito para orientar a minha atuação agora como chefe de posto. Eu servi em postos grandes e importantes, inclusive com o atual chanceler. E eu aprendi muito com os meus chefes e tento de alguma forma reproduzir o que eu aprendi com eles, na minha atuação à frente da embaixada em Santiago.

O turismo entre Brasil e Chile tem crescido. Quais iniciativas o senhor considera importantes para fortalecer o intercâmbio turístico bilateral?

O turismo entre os dois países tem aumentado recentemente e é muito importante para ambos. O Chile já é o segundo maior emissor de turistas para o Brasil, e eu acho que isso, esse impulso ao turismo, se deve muito também a aumento da frequência e destinos de voos de Santiago para cidades brasileiras. Hoje em dia, temos 11 cidades brasileiras com voos diretos para Santiago. E isso é facilitador. Há também muito interesse de algumas outras cidades chilenas em ter voos diretos para cidades brasileiras, de modo a decentralizar um pouco desse fluxo. E eu acho que quando o Corredor Bioceânico de Capricórnio estiver concluído e em funcionamento, o turismo vai dar novo impulso porque você vai ligar direto, regiões dos dois países, no caso do Brasil, sobretudo o Centro-Oeste, e o norte do Chile, que tem características próprias que talvez os turistas brasileiros não conheçam. É tudo muito bonito, particularmente São Pedro de Atacama, mas tem outras regiões também do norte encantadoras e com praias. Eu acho que é o setor que provavelmente ainda tem largo espaço para crescer.

O senhor participou recentemente de eventos acadêmicos no Chile. Como vê o papel da educação e da cooperação universitária na aproximação entre os dois países?

A cooperação acadêmica entre Brasil e Chile também é positiva, mas eu acho que pode crescer muito. Nós temos, no caso do Brasil, dois tipos de bolsas que nós oferecemos a estudantes estrangeiros, de graduação e de pós-graduação, e ainda temos poucos estudantes chilenos que participam dessas bolsas, que se interessam por essas bolsas. Eu suponho que seja por uma questão da língua, porque apesar das línguas serem parecidas, você para fazer jus a essas bolsas precisa passar por exame de proficiência em português, o CelpeBras. Então, você precisa ter conhecimento bom de português e adequado. Desse modo, eu acho que a partir do momento em que haja um maior fluxo de estudantes chilenos, acho que a cooperação acadêmica tende a se fortalecer.

Embaixador Paulo Roberto Soares Pacheco em evento oficial

Como o Brasil e o Chile podem atuar de forma conjunta em temas de governança ambiental e sustentabilidade?

O Brasil e o Chile também são líderes em matéria de governança ambiental. Os países, eu diria que falam a mesma língua em matéria de governança ambiental. Há interesse muito importante, sólido da sociedade, do governo chileno, pelo tema ambiental. A COP 30 tem despertado muito interesse tanto na sociedade chilena quanto nas empresas chilenas e no governo chileno. Eu tenho participado de diversos eventos relativos à COP 30. O Chile é país que coopera muito com o Brasil também nessa área ambiental.

O Chile é um grande parceiro do Mercosul. Quais os principais ganhos e desafios dessa integração econômica regional?

O Chile é país que coopera com os países do Mercosul praticamente em todas as áreas. Ele não é membro pleno do Mercosul, mas participa plenamente do Mercosul político social, e, em particular com o Brasil nós temos acordo de livre comércio com o Chile que está em vigor desde 2022. É recente, é um acordo bastante moderno, que incorpora diversos capítulos novos como gênero, meio-ambiente, e é uma ferramenta importante para dinamizar ainda mais essa relação comercial de investimentos que já é muito positiva.

Como o senhor percebe a comunidade brasileira residente no Chile e quais são as principais demandas apresentadas à Embaixada?

Em Santiago nós temos Consulado Geral que atua independentemente da embaixada. A comunidade brasileira no Chile é de cerca de 18.000 pessoas, e é uma comunidade bastante integrada à sociedade chilena porque é sobretudo composta de homens e mulheres de negócio que trabalham para empresas chilenas ou multinacionais. Ou também brasileiros e brasileiras casados com chilenos e chilenas, de modo que é uma comunidade bastante ordeira, pacífica, trabalhadora e que tem uma boa imagem no Chile.

O vinho chileno e o café brasileiro são símbolos nacionais. Há espaço para uma cooperação gastronômica e de produtos com identidade cultural entre os dois países?

O Chile e o Brasil são complementares também na gastronomia. O nosso acordo de livre comércio reconheceu a denominação de origem da cachaça, e nós reconhecemos o pisco chileno. Alguns produtos brasileiros têm tido aceitação muito positiva no mercado chileno, não só o café mas o pão de queijo, e mais recentemente também o açaí. O Brasil é o principal importador de vinhos chilenos em garrafa. E o Chile é o principal exportador de vinho para o Brasil. O turismo de brasileiros para o Chile está muito relacionado ao enoturismo também. Além da neve, o enoturismo é atrativo.

Como o senhor enxerga o papel do Brasil e do Chile na defesa da democracia e dos direitos humanos na região?

O Brasil e o Chile são países comprometidos com a democracia e os direitos humanos. Em julho tivemos, aqui em Santiago, reunião chamada de “democracia sempre”, convocada pelo presidente Gabriel Boric, ao qual compareceu o presidente Lula. Estiveram presentes também o presidente Gustavo Petro, da Colômbia, o presidente Armando Orsi, do Uruguai, e Pedro Santos, da Espanha. Essa reunião foi preparatória do evento que se realizou à margem da octogésima Assembleia Geral das Nações Unidas, agora em setembro, em Nova York.

O senhor tem uma sólida formação jurídica. Como essa base contribui para o exercício da diplomacia contemporânea?

O Direito, eu acho que é fundamental para toda a atividade diplomática porque, mesmo que você atue na área econômica, na área financeira, em outras áreas da diplomacia, o Direito é fundamental porque você negocia textos e negocia acordos. Então, eu diria que é uma ferramenta muito útil para a atuação de qualquer diplomata.

A diplomacia cultural tem sido uma ponte eficaz entre países. Que ações a Embaixada do Brasil no Chile tem desenvolvido para promover a cultura brasileira?

Eu particularmente dou muita ênfase ao que eu chamo de diplomacia pública, que é a parte cultural e educacional da embaixada. Nós conseguimos dinamizar muito o Instituto Guimarães Rosa Santiago com uma mudança na direção. Temos interesse crescente no aprendizado do português, muito motivado pelo turismo, mas também pelo interesse em conhecer mais a cultura brasileira. Nós recebemos frequentemente artistas importantes do Brasil, pata apresentações em Santiago, sobretudo na música mas não somente na música. Recentemente o filme Ainda Estou Aqui ganhou prêmio no Chile de melhor filme ibero americano de 2024, e, enfim, é uma área que eu considero muito importante porque aproxima sobretudo as sociedades.

Para encerrar, que mensagem o senhor deixaria aos brasileiros que veem na diplomacia um caminho de serviço ao país e de construção de pontes entre nações?

Eu acho que nós estamos vivendo um momento na conjuntura internacional, em que, talvez mais do que nunca, a diplomacia seja importante. É um momento em que mínimos civilizatórios estão sendo contestados, e é importante mais do que nunca, que a diplomacia possa desempenhar o seu papel para garantir que nós continuemos avançando não permitindo que haja retrocessos civilizatórios. Em uma conjuntura muito delicada, com diversos conflitos, ainda regionais mas com potencial enorme de se alastrar e, em conflitos mais generalizados, e de resultados bastante imprevisíveis.

Fotos: Embaixada do Brasil no Chile/Arquivo Pessoal

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