O embaixador Orlando Leite Ribeiro assumiu a Embaixada do Brasil na República Tcheca em setembro deste ano e traz consigo mais de três décadas dedicadas à diplomacia brasileira. Formado em Economia, construiu a sua sólida carreira no Itamaraty atuando em áreas estratégicas – da Política Financeira e Integração Regional à chefia da Divisão de Agricultura. Foi também por um período diretor do Departamento de Promoção Comercial e Investimentos e, entre os anos de 2019 e 2022, ocupou o cargo de secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
No exterior, passou pelo Setor de Promoção Comercial e Atração de Investimentos em Nova York e serviu nas embaixadas em Assunção e Washington. Mais recentemente, entre 2022 e 2025, representou o Brasil como embaixador junto ao Reino da Espanha e ao Principado de Andorra. Sua trajetória inclui ainda posições de destaque em órgãos de governo e entidades do setor produtivo: foi vice-presidente do Conselho de Administração da Embrapa, integrou o Comitê de Gestão Executiva da Câmara de Comércio Exterior e o Comitê de Créditos e Garantias à Exportação, além de ter sido conselheiro da Funcex e da Apex-Brasil.
Como o senhor avalia a importância estratégica da República Tcheca para o Brasil no cenário internacional atual?
A República Tcheca vive um momento político chave. Nas próximas semanas devemos ter um novo governo, possivelmente com o retorno do Andrej Babiš como primeiro-ministro. Ele tem repetido que pretende revitalizar o Grupo de Visegrado, que reúne, além da Tchéquia [como também é chamada a República Tcheca], Hungria, Eslováquia e Polônia. Se isso realmente avançar, o grupo deve recuperar influência nas discussões dentro da União Europeia. E, nesse contexto, há um ponto que me interessa muito: o apoio à conclusão do Acordo Mercosul-União Europeia. Tomara que consigamos avançar até o fim do ano. A Tchéquia tem condições de desempenhar um papel importante nesse processo.
Ao assumir este novo posto, quais são as áreas em que o senhor acredita haver maior potencial para aprofundar as relações bilaterais?
A relação é boa e já tem bases sólidas. Tivemos a visita do chanceler Jan Lipavský no ano passado, quando tratamos de temas bilaterais e multilaterais. E, pela minha experiência e formação profissional, eu diria que vejo muito espaço na área de comércio. Há potencial real para ampliar fluxos, diversificar pautas e criar novas oportunidades para as empresas dos dois países.
O comércio entre os dois países vem ganhando dinamismo. Quais setores o senhor considera prioritários para ampliar essa parceria?
O setor de defesa é, sem dúvida, um dos mais promissores. Um exemplo disso é a recente aquisição, pela República Tcheca, de duas aeronaves de transporte multimissão C-390 Millennium, da Embraer, projeto no qual a empresa tcheca Aero Vodochody é parceira. Também vale lembrar a cooperação entre a Avibras e a Tatra, que produz os chassis do lançador de foguetes Astros 2020. É uma área com tradição técnica nos dois países e com espaço para crescer.
A compra dos cargueiros da Embraer pela República Tcheca foi citada como um marco recente. Que impacto esse tipo de cooperação pode ter no longo prazo?
Esse tipo de parceria abre portas. Cria confiança, aproxima equipes técnicas e estabelece uma base para projetos futuros. É assim que as relações industriais de longo prazo começam: por um caso de sucesso que inspira outros.
O senhor já serviu em postos estratégicos. O que cada etapa ensinou e como essas experiências influenciam sua atuação atual?
Curiosamente, ao longo dos meus 33 anos de carreira, acabei trabalhando quase sempre com integração regional, economia ou promoção comercial. Isso moldou meu olhar. Quando chego a um posto no exterior, meu primeiro impulso é analisar a relação sob o ângulo econômico-comercial, me aproximar do setor privado, buscar caminhos para aprofundar sinergias. Rapidamente compreendi que isso ajuda muito na tarefa de projetar uma imagem positiva do Brasil. O setor privado, quando vê projetos consistentes de promoção da imagem do país, costuma ser parceiro. Todos ganham com isso.
O Brasil vem diversificando suas relações internacionais. Como o senhor enxerga o papel da diplomacia econômica nesse processo?
Para mim, a diplomacia econômica é central. É quase uma vocação natural da política externa: apoiar o desenvolvimento. Eu realmente acredito que a diplomacia existe para ajudar o país a crescer.
A República Tcheca é um país industrializado e membro da União Europeia e da OTAN. De que forma esse contexto pode abrir portas para novas iniciativas com o Brasil?
A condição de país industrializado e integrado a estruturas como UE e OTAN cria um ambiente de previsibilidade e inovação, o que é muito positivo para parcerias com o Brasil. A Tchéquia domina tecnologias, possui cadeias industriais complexas e busca diversificar fornecedores. Isso abre espaço para cooperação em setores como defesa, energia, semicondutores, aviação, ciência e inovação.
O senhor atuou diretamente na área de comércio e relações internacionais no Ministério da Agricultura. Como essa experiência contribui para sua visão diplomática hoje?
Tive o privilégio de trabalhar com a então ministra, hoje senadora, Tereza Cristina. Tenho enorme admiração pela capacidade técnica, pelo espírito público e pela serenidade dela como negociadora. Foram anos de muito aprendizado. Sair do Itamaraty e ver de perto como funciona a Esplanada foi transformador. Aprendi mais naquele período no MAPA do que em muitos anos anteriores.
Quais são os desafios mais imediatos ao iniciar uma missão em um país com perfil tecnológico e industrial tão consolidado?
Diversificar. Dou um exemplo simples: o café. O Brasil é o maior produtor, o maior exportador e o segundo maior mercado consumidor. E, mesmo assim, nossa presença aqui na República Tcheca é tímida. Estive num evento de cafés especiais e o que mais vi foram grãos da Colômbia, Etiópia, Costa Rica, Quênia e quase nada do Brasil. Por quê? Porque, aqui, ainda não somos vistos como produtores de café de alta qualidade, o que é um equívoco enorme. Produzimos alguns dos melhores cafés do mundo. Precisamos trabalhar esse segmento com estratégia e presença.
Que mensagem o senhor gostaria de deixar para os brasileiros sobre a importância de fortalecer pontes com a República Tcheca?
Usando a analogia que você trouxe, abrir mercados é como abrir uma porta, ou cruzar uma ponte. Só faz sentido se alguém passar por ela. E há muitas oportunidades aqui. Os caminhos estão abertos. Mas é preciso que empresas e empreendedores se aventurem. Da minha parte, estarei aqui, com toda a equipe da Embaixada, para apoiar quem quiser investir, exportar, inovar e construir parcerias com a República Tcheca.