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Três Poderes
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Dando vez e voz a quem nunca foi ouvido

Senador Fabiano Contarato é o entrevistado da semana da Coluna Três Poderes e fala sobre família, política e meio ambiente

Marcelo Chaves

17/06/2025 11h31

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Fabiano Contarato. – Foto: Alexandre Bastos

Senador da República eleito em 2018 pelo estado do Espírito Santo, o advogado, professor de Direito e delegado aposentado da Polícia Civil Fabiano Contarato é o entrevistado da semana da Coluna Três Poderes. Entre as principais bandeiras do parlamentar do PT, que completa 59 anos na próxima sexta-feira, estão trânsito seguro e segurança pública. Atualmente, Contarato é presidente da Comissão de Meio Ambiente. Um dos senadores mais bem avaliados do Brasil, ele fala sobre segurança, família e política.

Senador, o senhor tem uma trajetória que une segurança pública, direito e direitos humanos. Em que momento sentiu que era preciso sair da atuação técnica como delegado e ocupar um espaço político no Parlamento?

Sempre acreditei que a segurança pública precisa andar de mãos dadas com os direitos humanos. Fui delegado da Polícia Civil por 27 anos e vi de perto as desigualdades que corroem nossa sociedade. Quando percebi que, dentro do sistema, as mudanças eram limitadas, entendi que precisava ocupar o Parlamento para transformar a estrutura, a legislação e, principalmente, dar vez e voz a quem nunca foi ouvido.

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Foto: Alessandro Dantas

O senhor sempre foi uma voz firme contra retrocessos na legislação ambiental. Como avalia hoje o papel do Senado na contenção de pautas que afetam o meio ambiente e os direitos das populações tradicionais?

O Senado tem sido, em muitos momentos, um ponto de resistência, trazendo mais serenidade ao debate. Mas não é fácil. Como presidente da Comissão de Meio Ambiente, minhas convicções pessoais não me permitem deixar de cumprir o compromisso regimental e democrático de levar todas as pautas para apreciação da maioria, mesmo que eu discorde delas no mérito. Enquanto parlamentar, luto para impedir retrocessos, proteger nossos biomas e defender os povos originários e comunidades tradicionais, em sintonia com o desenvolvimento econômico sustentável.

A experiência de ser pai por adoção mudou sua percepção sobre a infância brasileira e os desafios sociais do país? De que forma isso impacta sua atuação parlamentar?

A chegada de Gabriel e Mariana foi a maior transformação da minha vida. Ser pai me deu uma nova percepção sobre o que é amor de verdade. Quando me habilitei no processo de adoção, percorri abrigos e percebi que a cada aniversário que as crianças passam lá à espera de uma família, o que era oportunidade para ser uma data de celebração, vira motivo de tristeza, já que diminuem drasticamente as chances de serem adotadas. Foi isso que me inspirou, por exemplo, a instituir o Prêmio Adoção Tardia, que reconhece iniciativas que estimulem a adoção de crianças mais velhas ou fora do perfil tradicional de adoção. Nenhuma criança merece ficar sem proteção, sem oportunidades, sem afeto.

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Foto: Alessandro Dantas

O senhor enfrentou ataques pessoais por ser o primeiro senador assumidamente gay do Brasil. Como foi lidar com o preconceito dentro de um ambiente historicamente conservador como o Senado Federal?

Foram momentos dolorosos. Na CPI da Pandemia, precisei expor minha vida privada para rebater uma injustiça contra mim, minha família e em nome de milhões de pessoas que todos os dias sofrem preconceito simplesmente por serem quem são. Mas acredito que na política, não há espaço para covardes. Não poderia me calar. Estou na política para representar quem nunca foi representado. Enfrento o preconceito com trabalho, coerência e dignidade.

O Brasil tem avançado, ainda que timidamente, nas discussões sobre diversidade familiar e inclusão. O senhor acredita que sua história pessoal tem contribuído para mudar mentalidades dentro do Congresso?

Durante o processo de adoção do meu filho Gabriel, passei pelo preconceito de um promotor que, sem pensar no bem do meu filho e no amor que colocamos durante todo o processo, quis negar a adoção alegando que não era possível a dupla paternidade por entender que “filho tem que ter pai e mãe, jamais dois pais; pior ainda, filho de duas mães”. Mesmo a juíza concedendo a adoção, confirmando que o assunto já estava pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, o promotor recorreu. Eu já era senador, à época. E enquanto o processo não transitava em julgado, toda vez que meu filho tinha que vir com meu esposo para cá, eu tinha que autorizar a viagem. Quando o processo finalmente chegou ao fim, eu representei o promotor ao Conselho Nacional do Ministério Público, e ele tomou cinco dias de suspensão. Eu entrei com uma ação indenizatória por dano moral contra o Estado do Espírito Santo por um comportamento homofóbico do promotor de Justiça, e o Estado do Espírito Santo foi condenado a pagar uma indenização por dano moral por um comportamento homofóbico perpetrado por um membro do Ministério Público que estava ali como guardião da Constituição Federal e que violou a própria Constituição: violou a dignidade da pessoa humana. Quando fiz isso, expondo minha vida, foi para que outros não passem o que nós passamos, para que não sofram essa violência do Estado tão grande.

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Foto: Saulo Cruz/Agência Senado

O senhor é conhecido por ser criterioso na escolha de sua equipe, inclusive na área de comunicação. O que um profissional precisa demonstrar para conquistar sua confiança e afinidade de trabalho?

Compromisso com o interesse público, responsabilidade social e ética. Valorizo quem tem sensibilidade com os temas essenciais para os brasileiros e quem entende que o mandato parlamentar serve para atender a população mais vulnerável.

Muitos pais adotivos relatam que o processo transforma profundamente a maneira como veem o mundo. Que tipo de aprendizado o senhor leva para a política a partir da experiência de criar Gabriel e Mariana?

Aprendi que nenhuma política pública pode ser pensada sem empatia, sem um olhar humanizador – que é humanizar a dor. Ser pai me ensinou que afeto e escuta são fundamentais. E eu trago isso para a política.

O senhor é conhecido como um parlamentar atuante nas comissões do Senado. Como avalia a efetividade real dessas comissões na construção de políticas públicas e no avanço de pautas sensíveis?

As comissões são fundamentais. É ali que os projetos ganham forma, que se faz o debate técnico. Mas é preciso presença, preparo e compromisso com a pauta. Além de presidente da Comissão de Meio Ambiente, sou titular também das comissões de Segurança Pública, de Assuntos Sociais e de Constituição e Justiça, dentre outras, que reputo terem uma importância gigantesca no processo legislativo.

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Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Em um país tão desigual, o senhor acredita que representações como a sua, enquanto parlamentar, pai e defensor de direitos, conseguem provocar rupturas ou ainda enfrentam barreiras invisíveis?

As barreiras ainda são muitas. Preconceito, elitismo, invisibilização. Mesmo assim, sigo com coragem. Vim de família pobre, do interior do Espírito Santo. Meu pai era motorista de ônibus e minha mãe era semialfabetizada. Mas todos os seis filhos foram criados com muito amor. Meus pais sempre apostaram no poder transformador da educação. Foi a educação pública que me trouxe até aqui.

O que ainda falta, pessoal e politicamente, para que o senhor sinta que sua missão no Senado está sendo cumprida?

Eu não me canso de dizer que, assim como Martin Luther King teve um sonho, eu também tenho um sonho. Eu sonho com o dia em que eu não vou ser julgado pela minha orientação sexual. Eu sonho com o dia em que meus filhos não vão ser julgados por serem negros. Eu sonho com o dia em que minha irmã não vai ser julgada por ser mulher. Em que uma pessoa não será julgada por ser idosa. Esse dia ainda não chegou. Mas é papel de cada um de nós buscar diuturnamente reduzir esse abismo que existe entre os milhões de pobres e a concentração de riqueza nas mãos de poucos.

Faltando dois anos para o fim do seu mandato, o senhor já pensa em disputar a reeleição ao Senado? A experiência política o estimulou a continuar ou há planos de seguir por outros caminhos?

Tenho muito orgulho de tudo o que sigo entregando neste mandato. Foram mais de R$ 2 bilhões investidos em áreas prioritárias do Espírito Santo, como saúde, segurança pública e assistência social. Também tenho orgulho de já ter aprovado quatro leis de minha autoria, uma delas que foi promessa da minha campanha: motorista embriagado que matar ou lesionar no trânsito será preso invariavelmente. Até então, o juiz poderia substituir a pena, por exemplo, por prestação de serviços comunitários. Isso não existe mais. Quero continuar esse trabalho em prol dos capixabas e do Brasil. Por isso, buscarei, sim, a reeleição.

O país se aproxima de mais um ciclo eleitoral. Na sua visão, quais temas deveriam estar no centro do debate político em 2026 e qual papel o Congresso precisa assumir nesse cenário?

Educação, saúde, meio ambiente, combate à fome e às desigualdades. Esses devem ser os temas centrais. O Congresso tem o dever de sair das bolhas, de derrubar os muros do Parlamento para ouvir a população e legislar com responsabilidade. O futuro do Brasil precisa ser construído com base em igualdade e fraternidade.

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