Menu
Três Poderes
Três Poderes

Condenação de Bolsonaro foi uma grande fraude

Deputada federal Bia Kicis repercute condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e fala de sua trajetória de procuradora do DF até influente parlamentar no Congresso Nacional

Marcelo Chaves

16/09/2025 9h30

Advogada, ativista e política brasileira, a deputada federal Bia Kicis é um dos principais nomes da política no Distrito Federal. Procuradora do DF aposentada, Bia Kicis tornou-se conhecida por seu ativismo em pautas como a Escola Sem Partido e o voto impresso. Ela foi eleita pela primeira vez em 2018 para a Câmara Federal, cumprindo atualmente o seu segundo mandato pelo DF, sendo eleita a deputada mais votada. Considerada uma parlamentar aguerrida, Bia Kicis é muito próxima ao ex-presidente Jair Bolsonaro. A política do PL é a entrevistada da semana da Coluna Três Poderes.

A senhora construiu carreira como procuradora do Distrito Federal. O que a fez trocar a estabilidade do serviço público pela vida política?

A insegurança jurídica, a insegurança pública no país e a possibilidade de o PT continuar no poder, na época com a Dilma. Então, eu resolvi entrar em campo, me tornei uma das líderes nacionais pelo impeachment e, desde então, nunca mais esperei.

O voto impresso foi uma de suas primeiras bandeiras. O que essa pauta representava naquele momento e como a senhora a enxerga hoje?

Aquela pauta representava uma busca por transparência, mais segurança no sistema eleitoral, um sistema que fosse auditável. E continua sendo a mesma busca de sempre, a mesma necessidade. O problema é que esse tema se tornou proibido pelas mais altas cortes do Judiciário do país. Hoje, quem pede voto auditável é tratado como criminoso.

O movimento Escola Sem Partido também marcou a sua atuação inicial. Qual balanço faz dessa agenda?

O mundo está assistindo aos resultados de uma Escola Com Partido. Nossas crianças são doutrinadas, viram militantes, perdem a capacidade de raciocinar e de ter acesso a informações corretas para aprenderem a discernir. As nossas universidades viraram um verdadeiro lixo. Basta ver o que aconteceu agora na Universidade do Paraná, em que um palestrante, advogado e professor, foi impedido de entrar para dar uma palestra sobre o Estado Democrático de Direito. Ele foi praticamente sequestrado por uma turma revoltada, que gritava: “Fascista, recua, fascista!”. O Brasil se transformou no sonho de Gramsci, e as nossas escolas não se preocupam mais em formar cidadãos com capacidade crítica. Infelizmente, essa é uma batalha que a gente tem que continuar travando para tentar resgatar crianças e jovens. 

O que pesou em sua decisão de deixar o PSL e se consolidar no PL?

Muito simples: eu fui para o PSL a convite do presidente Bolsonaro. Quando ele saiu de lá, nós ficamos aguardando a janela partidária para poder sair também. O PSL estava completamente dividido, então migramos para o partido do nosso presidente, que atualmente é o PL.

Em sua trajetória, quais momentos considera virada de chave para se tornar uma liderança nacional?

Eu acho que me tornei liderança já na época do impeachment. Mas o reconhecimento nacional veio principalmente quando presidi a CCJ, porque mais pessoas puderam me conhecer e ver a minha capacidade. Sou uma pessoa com bagagem técnica, ponderada, capaz de dialogar e construir pontes, sem perder a garra na luta por pautas importantes.

Que influência a sua experiência no Ministério Público tem hoje no modo como exerce o mandato parlamentar?

As pessoas confundem um pouco a Procuradoria do DF com o Ministério Público. Eu era procuradora do Distrito Federal, na verdade. Mas a minha experiência sempre foi de alguém que trabalhou pela justiça. E eu sigo perseguindo esse valor: a justiça.

Como a senhora avalia sua gestão à frente da Comissão de Constituição e Justiça em 2021?

Foi uma gestão surpreendente para a maioria das pessoas, principalmente para aquelas que não esperavam que eu fosse tão ponderada, firme, resiliente e que desse espaço para todos. Só não surpreendeu a mim, porque eu já me conheço e sei que sou exatamente assim. Mas foi muito bacana, porque fui projetada nacionalmente. Muitas pessoas que nem sabiam o que significava CCJ, ou sequer que ela existia, passaram a acompanhar com atenção o que se passava lá. Foi realmente maravilhoso e acredito que deixou um grande legado para quem veio depois de mim.

Quais projetos de lei de sua autoria a senhora destacaria como mais relevantes até agora?

Um projeto muito importante, que está prestes a ser votado no plenário, deixa claro que o ensino domiciliar, ou homeschooling, não é crime de abandono intelectual. Esse projeto é fundamental, porque muitos pais são perseguidos e ameaçados de perder a tutela dos filhos simplesmente por preferirem ensinar as crianças em casa. E nós sabemos que, muitas vezes, essas crianças são mais bem preparadas do que aquelas que frequentam escolas públicas.Outro projeto super relevante foi a PEC do voto impresso. Mesmo que tenha sido derrotada no final, apesar de termos maioria de votos, mas não o quórum qualificado, ela gerou um grande debate e fez as pessoas compreenderem a importância da transparência nas eleições. Também fui relatora da PEC que mantém a cidadania brasileira de quem obtém outra nacionalidade. Essa medida, que já está na Constituição, corrige uma situação ultrapassada e beneficiará cerca de 4 milhões de pessoas. Sou ainda autora do PL 3396/20, que estabelece o sexo biológico como único critério para admissão no esporte feminino. Mulheres estão sofrendo, perdendo espaço, muitas se sentem acuadas. Não podemos nos calar diante dessa ideologia e dessa injustiça.

Em um Congresso tão polarizado, como pretende construir apoio para avançar em pautas próprias?

Tenho formação de mediadora pelo TJDFT. Eu sei mediar, sei conciliar, mas também sei brigar. A gente tem que fazer aquilo que é necessário no momento oportuno. Assim como soube presidir uma comissão atuando de forma equilibrada, também sei subir à tribuna e lutar com firmeza pelas pautas que defendemos e que vêm sendo violadas pelos nossos adversários políticos.

Muitos críticos a veem como uma deputada combativa. A senhora considera que o confronto faz parte da representação ou busca também espaço para conciliação?

Hoje nós funcionamos como zagueiros, tentando impedir os gols contra que esse desgoverno tenta marcar no país. Precisamos defender o Brasil de medidas ruins, que só trazem empobrecimento da população e aumento de impostos.

Como avalia o papel da direita no Congresso atual, diante de um governo de perfil oposto ao seu?

Mesmo com toda polarização, eu sou uma pessoa de diálogo. Tenho um projeto muito importante, também prestes a ser votado, que garante habeas corpus contra despachos monocráticos de ministros dos Tribunais Superiores. Hoje, por jurisprudência do Supremo, decisões monocráticas não são passíveis de habeas corpus, que é a maior garantia de liberdade prevista na Constituição. Esse projeto é fundamental, independentemente da posição política da pessoa.

Que legado político gostaria de deixar quando encerrar sua trajetória pública?

Eu gostaria que mais pessoas se sentissem inspiradas a entrar na política, entendendo que precisamos ocupar espaços. O meu legado é mostrar que alguém que nunca foi do meio político pode atuar, se eleger e fazer a diferença. Mostrar que, se você não gosta de política, acabará sendo governado por quem gosta. É preciso que as pessoas saibam que podem confiar, que existem políticos realmente comprometidos com o bem da nação, com o futuro do país, e não apenas com o próprio umbigo.

Como avalia a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro no julgamento mais recente?

Avalio, como avalio todo esse processo, como uma grande fraude.

Na sua visão, houve justiça ou perseguição política nesse processo?

É óbvio que houve perseguição política desde o início. Quando Bolsonaro venceu em 2018, lembro bem de ouvir um ministro do Supremo, também do TSE, dizendo: “Nós não vamos mais deixar isso acontecer”. E realmente, durante todo o governo, fizeram de tudo para impedir que ele pudesse governar. Interferiram no sistema eleitoral de várias formas para limitar a atuação dos conservadores, enquanto a esquerda ficou livre para falar e mentir à vontade.

O efeito prático pode ser a inelegibilidade de Bolsonaro por décadas. Como o PL deve se reorganizar para as próximas eleições diante desse cenário?

Bolsonaro, diferentemente de Lula, foi muito bom em formar novas lideranças. Temos ótimas cabeças: liberais na economia, conservadoras nos costumes e dispostas a lutar na política. Não desistimos de ver Bolsonaro elegível, mas, caso isso não aconteça, teremos outros nomes para levar essa batalha adiante. O povo brasileiro está conosco, o povo é conservador, ainda que muitos não saibam definir o termo.

A senhora defende a anistia para Bolsonaro e outros condenados do 8 de janeiro? Se sim, sob quais condições?

Anistia ampla, geral e irrestrita. Lá atrás, na época do regime militar, terroristas, guerrilheiros, assassinos e sequestradores receberam anistia ampla, geral e irrestrita. Esse é o único tipo de anistia possível.

Como vê a relação entre STF e Congresso hoje, especialmente após as decisões envolvendo Bolsonaro?

Hoje há uma relação de usurpação de poder. O Supremo usurpa competências e atribuições exclusivas do Congresso Nacional. Infelizmente, ainda temos poucos parlamentares aguerridos e corajosos para resgatar as prerrogativas do Legislativo. Hoje, o Congresso está de joelhos. Mas estamos conseguindo aumentar o número de aliados, inclusive de centro, que já entendem que não dá para continuar assim. A gente vota, por exemplo, o marco temporal, a questão das drogas, o IOF… e o Supremo desfaz tudo. A quantidade de abusos cometidos pela Corte está fazendo com que pessoas antes indiferentes passem a reagir e se indignar com o que está acontecendo.

O que diria ao eleitorado bolsonarista que se sente órfão diante da possibilidade de ele não disputar eleições futuras?

Claro que todos nós gostaríamos de ter Bolsonaro como candidato em 2026. Mas, se não for ele, será alguém que ele mesmo irá indicar. Precisamos continuar unidos, porque não estamos trabalhando apenas para o presente, mas também para o futuro. Desistir não é uma opção. Vamos em frente.

Fotos: Izac Tomaz

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado