Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o magistrado maranhense Reynaldo Soares de Fonseca (foto) está completando dez anos no STJ. Durante esse período de atuação, ele conduziu na Corte decisões que acabaram se transformando em importantes precedentes, assegurando os direitos de presos e revertendo condenações consideradas injustas. Desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Reynaldo foi indicado para o STJ no ano de 2015 pela então presidente da República Dilma Rousseff. Fonseca também já foi juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) e procurador do estado do Maranhão. Além dos dez anos de atuação no STJ, o ministro foi agraciado este ano com o Título de Cidadão Honorário de Brasília pela Câmara Legislativa do Distrito Federal.
Ministro, ao completar dez anos no STJ, quais valores e princípios que mais marcaram a sua trajetória desde os 18 anos, quando ingressou como servidor no Tribunal de Justiça do Maranhão?
Desde a juventude, como servidor do TJMA e da Justiça Federal no Maranhão, trago comigo a ética do serviço público. A fé no poder transformador da Justiça e o valor da fraternidade, que mais tarde consolidei, na minha trajetória, como princípio constitucional, acompanha-me desde então, orientando a forma de julgar e de servir.
Que aprendizados da sua passagem pela Justiça Federal e pelo TRF-1 o senhor trouxe para o STJ, em 2015?
A Justiça Federal e o TRF-1 me ensinaram a olhar para a pluralidade regional do Brasil, lidando com causas de grande impacto social e coletivo. Esse aprendizado reforçou em mim a necessidade de uma jurisdição próxima ao cidadão, acessível e comprometida com os direitos fundamentais. Os Juizados Especiais e o modelo Multiportas constituem uma revolução. Um novo sistema de justiça.
De que maneira a sua formação acadêmica, mestrado, doutorado e pós-doutorado, influenciou o modo de julgar e de ver a Justiça?
O mestrado, doutorado e pós-doutorado aprofundaram minha compreensão sobre o Direito como ciência humana e social. O estudo da fraternidade como categoria jurídica e princípio constitucional me deu base para propor novas leituras hermenêuticas, sobretudo no direito penal e na tutela de vulneráveis. A efetividade dos Direitos Humanos passou a ser nosso desafio civilizatório.
O senhor coordenou iniciativas como mediação, conciliação e juizados especiais federais. Qual considera o maior avanço obtido?
O maior avanço foi mostrar que a Justiça não se resume a decidir conflitos, mas a construir pontes de diálogo. A mediação e a conciliação expressam a fraternidade aplicada, resgatando o protagonismo dos cidadãos e fomentando uma cultura de paz. Os Juizados Especiais resgatam a cidadania, em especial quanto às políticas públicas indispensáveis ao mínimo existencial.
O princípio da fraternidade se tornou uma marca em suas decisões. Como ele se traduz na prática do julgamento?
Traduzo a fraternidade em julgamentos como um vetor hermenêutico, que humaniza decisões e evita que a letra fria da lei desconsidere a realidade concreta. Um exemplo foi o cômputo em dobro do tempo de prisão em condições degradantes em estabelecimentos prisionais no Rio de Janeiro e em Pernambuco, reconhecendo a dignidade mesmo no cumprimento da pena.
Poderia citar um ou dois casos marcantes que relatou na 5ª Turma e que, na sua visão, ajudaram a proteger garantias fundamentais?
RHC 136.961 (2021): contagem em dobro da pena em condições degradantes, diálogo direto com a Corte Interamericana de Direitos Humanos. HC 870.636 (2023): absolvição com base em provas genéticas, corrigindo grave erro judicial e reforçando o valor da justiça restaurativa.

Como o senhor define seu papel no fortalecimento do garantismo penal e do devido processo legal no STJ?
Meu papel tem sido reafirmar que o processo penal deve proteger direitos fundamentais. Rejeito condenações baseadas em “ouvir dizer” e defendo padrões robustos de prova, fortalecendo a credibilidade do Judiciário e a legitimidade da jurisdição penal. Tudo isso com o desafio de não ser omisso nem fortalecer a impunidade.
O senhor tem uma ligação de mais de 30 anos com Brasília, reconhecida pelo título de Cidadão Honorário. O que essa cidade representa para o senhor?
Brasília é minha casa há mais de 30 anos. Aqui cresci como magistrado, professor e cidadão. Sou pai e avô de brasilienses. O título de Cidadão Honorário sela essa ligação afetiva e espiritual com a capital, símbolo de enraizamento e esperança de uma Justiça inclusiva.
O livro Liber Amicorum reúne mais de cem artigos em sua homenagem. Qual foi sua reação ao conhecer a amplitude dessa obra?
Fui tomado por profunda gratidão. A obra reúne mais de cem artigos de colegas, juristas e amigos, refletindo não apenas minha trajetória, mas sobretudo os valores que partilhamos: justiça penal humanizada, fraternidade, garantias processuais e inovação institucional.
Como a sua atuação como professor complementa o trabalho no STJ e influencia suas decisões?
A docência complementa a magistratura ao manter-me em contato com as novas gerações. Levar para a sala de aula discussões sobre processo penal e fraternidade renova minha prática jurisdicional e ajuda a formar cidadãos críticos e comprometidos. Sou muito grato à Universidade Federal do Maranhão – UFMA (minha origem na docência) e à Universidade de Brasília – UnB (onde fui acolhido).
Olhando para os próximos dez anos, quais desafios e inovações o senhor considera prioritários para a Justiça Federal e o STJ?
Como cidadão e magistrado da Justiça Comum, já que fui Juiz de Direito do Distrito Federal e Territórios e Juiz Federal no DF e no Maranhão, vejo como prioritários: o fortalecimento da Justiça consensual; a modernização digital do Judiciário; a efetivação dos direitos dos vulneráveis (pessoas em situação de rua, deficientes, idosos, migrantes, etc.); e o avanço de uma Justiça pedagógica e participativa, que eduque para a cidadania.
Que legado o senhor gostaria de deixar para o Judiciário e para as novas gerações de magistrados e juristas?
Gostaria de deixar como legado uma Justiça que una rigor técnico com humanidade, capaz de afirmar o garantismo penal, proteger vulneráveis e consolidar a fraternidade como princípio constitucional vivo e atuante. Recordo, a propósito, o inesquecível lisboeta-maranhense, Padre Antonio Vieira: “O pregar que é falar, faz-se com a boca; o pregar que é semear, faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras.”
Se pudesse resumir em uma frase a sua jornada nesses dez anos de STJ e o que espera para o futuro, qual seria?
Minha jornada no STJ é a de semear fraternidade na Justiça e no meu futuro desejo colher um Judiciário mais humano, inclusivo e fiel à dignidade de cada pessoa.
Fotos: Gustavo Lima e STJ