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Sem Firula

Segue o jogo

Arquivo Geral

02/12/2016 7h14

Atualizada 01/12/2016 13h16

Era para ser uma noite festiva a desta quarta-feira. Festiva no Brasil, festiva na Colômbia. Aqui, com a partida de volta da final da Copa do Brasil entre Grêmio e Atlético Mineiro. Lá, com o primeiro jogo da decisão da Copa Sul-Americana entre o Atlético Nacional, de Medellin, e a Chapecoense. Em Porto Alegre o tricolor gaúcho poderia perder por até 2 a 0 que, mesmo assim, conquistaria pela quinta vez o troféu. Em Medellin, o time local jogaria para provar que é, realmente, o melhor da América do Sul nesta temporada (já ganhara a Libertadores, há alguns meses), enquanto a equipe do Oeste catarinense entraria em campo para mostrar a seriedade de seu trabalho, o empenho de seus jogadores, o planejamento feito por seus dirigentes. Era para ter sido assim. Festa no Brasil, festa na Colômbia.

Infelizmente nada disso aconteceu. Um acidente aéreo com a delegação da Chapecoense, já chegando ao destino, mudou toda a programação. E uso a palavra destino de forma dúbia. Destino… Alguém diria que estava escrito. Outros, apenas que houve erro – hipótese cada vez mais forte quando ouvimos gravações entre o piloto e a torre de controle, por exemplo. Para mostrar que algo mais há (havia), vou lembrar apenas a triste história do goleiro Danilo: no dia do acidente ele teve sua morte noticiada pelo menos três vezes. E desmentida. Infelizmente aconteceu. Era como se ele não desejasse este fim. E foi ele o grande responsável que a aventura da Chapecoense não acabasse antes da decisão, defendendo quatro pênaltis contra o Independiente da Argentina, nas quartas-de-final , e tirando com o pé, aos 48 do segundo tempo, o que seria o gol de classificação do San Lorenzo para a decisão.

As festas foram suspensas. Talvez nunca mais aconteçam. Pelo menos com a mesma intensidade que se esperava. Os jogos foram adiados. Em Porto Alegre, Renato Gaúcho, treinador do Grêmio, favorito ao título da Copa do Brasil, concedeu entrevista coletiva vestindo a camisa da Chapecoense e lembrando os amigos que lá estavam e com quem havia jogado ou dirigido. O Galo pediu à CBF que desmarque a partida programada pela última rodada do Brasileiro contra a Chape. A tristeza no Brasil tinha nome, sobrenome e endereço.

O que mais surpreendeu, porém, foi a forma como os colombianos encararam o fato. Para começar, o desprendido e imenso gesto de solicitar à Conmebol que declarasse a equipe brasileira campeã da competição. Já imaginaram isso? Se não conseguimos imaginar tal ato entre equipes de uma mesma cidade, como entender que um time de outro país peça para que declarem campeão um rival? Começaram bem os colombianos.

Mas não ficou só nisso. Um dos primeiros a chegar na área do acidente, vestindo “roupa de guerra”, ativo na busca de sobreviventes, foi o prefeito de Medellin. Ali não estava o político, estejam certos – mesmo porque os acidentados não votam por lá. “Ah… Ele queria mídia”, dirão os mais céticos. Talvez. Mas a mídia ele obteria se ficasse em seu gabinete dando ordens. Não. Ele foi para o campo de luta, foi dar seu apoio como ser humano. E se emocionou. Mais um gol para a Colômbia.

Nada, porém, se compara ao que vimos na noite de quarta-feira na Estádio Atanásio Girardot, em Medellín. Ali, onde deveria estar sendo realizada a partida decisiva, podia-se ver a arquibancada lotada. E centenas de camisas da Chapecoense. E faixas de apoio e incentivo ao time catarinense. Por quê, questionaria algum desavisado. Teriam os catarinenses invadido a região da Antioquia? Não. Era apenas a demonstração mais pura do afeto que pode unir o ser humano e faz, ainda, com que tenhamos esperança na salvação deste mundo conturbado.

Se em Chapecó a Arena Condá estava cheia com amigos e torcedores, que velavam à distância seus heróis, em Medellin foi organizada uma celebração – não uma festa. Uma celebração à vida, ou ao que deve ser efetivamente a vida: a união dos seres humanos, a união dos povos, a manutenção do carinho e da solidariedade como possibilidade de mostrar que ainda há jeito para quase tudo. Menos para a morte, é claro.

A faixa “nasce uma família” que ocupava extensa área da arquibancada se mostrou viva e forte nas palavras de todos os que foram ao microfone para externar sua emoção. Deixando de lado qualquer tipo de preferência política, foi tocante verificar a emoção do ministro José Serra ao falar sobre o tema. E as lágrimas que caíram de seus olhos dão uma pequena demonstração de como estava o ambiente naquele momento. A bela apresentadora que segurava o microfone para que ele falasse também não se conteve. O outro apresentador, querendo dar uma de durão, procurou se esconder. Mas também chorou.

Todas as personalidades chamadas a falar, o prefeito, o governador, o treinador do Atlético Nacional, fizeram questão de dizer que ali estavam apenas seres humanos preocupados com seres humanos. Não haverá volta para a tragédia, mas o carinho entregue (e recebido) ajudará a tornar menos pesado o fardo que se terá que carregar por toda a vida. Como escrevi há dois dias, poderia ter sido com qualquer um de nós que trabalha com esporte. Denílson chegou a dizer num programa de televisão que só então se deu conta da quantidade de vezes que entrou e saiu correndo de um avião para cumprir seus compromissos profissionais. E isso vai continuar a acontecer.

A vida, com menos brilho, continua. As competições, também. Homenagens já estão sendo prestadas e preparadas. A dor pelas perdas é imensa. Daqui a pouco será hora de falar em indenizações, afinal de contas muitos deixaram famílias e filhos pequenos. As feridas serão reabertas. A cada dia surgirão novos fatos, novas histórias. Só os que se foram não terão o direito de contar o que se passou. Mas a vida continua, dura, amarga, triste em vários momentos, mas também tendo de ser intensamente vivida, ainda mais depois do que vimos na Arena Condá e, principalmente, no Atanásio Girardot. Obrigado Colômbia.

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