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Moda

Como será a moda no futuro pós-pandemia?

Preocupados com um conforto para si mesmo e para o planeta, consumidores e marcas investem em peças leves, funcionais e atemporais

Redação Jornal de Brasília

31/08/2020 9h17

Chinelo, calça larga e cara limpa. O look mais popular da quarentena definitivamente está entre as melhores coisas do home office. Nos últimos seis meses, salto alto, calça jeans ou qualquer outro tipo de peça que trouxesse incômodo ocuparam o fundo do armário daqueles que começaram a trabalhar de casa. “Passou a acontecer um processo de intolerância ao desconforto. As pessoas começaram a se questionar, e nesse processo, o conforto acabou se sobrepondo a imagem em si”, conta a consultora de moda Marcia Jorge. Mas será que o moletom vai continuar em alta no futuro pós-pandemia? Tudo indica que sim.

Em abril, ainda existia muita divergência. Alguns se vestiam com a mesma roupa que usariam no escritório – mesmo sem sair de casa -, enquanto outros nem se davam ao trabalho de tirar o pijama. Mas, conforme o tal do home office foi incorporado, o conforto passou a ser uma necessidade. “A gente se acostumou com esse modo de vestir e passou a exigir isso. Passamos a procurar sim roupas confortáveis, mas que também fossem multifuncionais. Adequadas para uma videochamada com o amigo, para o trabalho e até mesmo para exercício físico”, explica Bruna Ortega, especialista em moda e beleza da WGSN, empresa multinacional de estudos de tendências.

Foi o caso do assessor de investimentos Mateus Duca. Antes da pandemia, ele se vestia com camisa, calça e sapato social para ir ao trabalho, além de eventuais blazers. Hoje, o look é bem diferente. “Uma camiseta e calça de moletom. Nada tão sério, mas algo apresentável para possíveis conversas de vídeo. Afinal, tenho que estar alinhado”, conta ele, que fala também sobre o apoio da empresa em relação a isso. “Para as lives, eles pediram só uma camiseta preta.”

De acordo com a WGSN, toda tendência surge por um comportamento de consumo, ou seja, uma demanda do consumidor. E justamente por conta dessa demanda, grandes e pequenas empresas da moda foram obrigadas a se moldar a nova realidade e investiram em linhas “Homewear” (Para Vestir em Casa, em português).

A linha Arezzo Home, por exemplo, traz sapatos chiques e confortáveis. Já as roupas da Colcci Comfort Edition são trabalhada em tecidos leves e maleáveis. A Renner ampliou sua coleção e, além das peças previstas, criou a coleção Comfy (Conforto, em português), oferecendo conjuntos que primam pelo conforto e estilo, com moletons, tricôs, vestidos e acessórios. “Calças sequinhas foram transformadas em jogger ou substituídas por calças de malha; vestidos com cintura marcada foram alterados, dando mais liberdade ao corpo e camisas ajustadas ganharam maior volume”, esclarece Fernanda Feijó, diretora de Estilo da Renner.

Luiza Pannunzio, criadora do Atelier que leva seu nome, conhece bem essa necessidade de reinvenção. Para não fechar suas lojas, ela trocou as peças mais justas, já conhecidas, por outras mais soltinhas. “A nossa principal característica de fazer a peça no corpo do cliente, como se fosse um alfaiate feminino, se perdeu, e a gente tem conseguido se reinventar com essas roupas confortáveis”, conta. “Eu sou aquela pessoa que pega a cortina de algodão e faz a roupa… o tecido da nossa avó, é essa memória afetiva que eu busco.”

Popular. Transformação é palavra-chave na moda. Peças “chiques” podem virar “bregas” a depender da época. Ou, com mudanças simples, vestuários antigos passam a fazer sucesso. Como é o caso do crochê e do tricô, por exemplo. “A gente chama a moda de espiral, pois as tendências não voltam exatamente como eram. O crochê, por exemplo, volta, mas reinventado”, ensina a consultora de moda Marcia Jorge, que cita ainda a demanda dos clientes pelo minimalismo. “As pessoas admiram hoje quem sabe consumir conscientemente, quem sabe, por exemplo, usar oito looks diferentes com uma peça só.”

É nesse tipo de conteúdo que diversas blogueiras e influenciadoras estão investindo em suas redes sociais. O sucesso é tão grande quanto a mais nova febre da moda: o tie dye. Basta abrir o Instagram para ser saturado com imagens de peças coloridas das mais variadas. A técnica, que ganhou fama nos anos 60 com o movimento hippie, voltou com força, especialmente durante o período do isolamento. O nome em inglês significa amarrar e tingir – afinal, o procedimento é exatamente esse.

Aproveitando a onda de sucesso, Julia Palladino, de 19 anos, levou a tática para a sua loja Dejuvi Store. “Logo que a quarentena começou, fiz um casaco para mim e postei no meu Instagram pessoal. O tanto de elogios que eu recebi me fizeram pensar: ‘essa é a minha chance'”, diz ela, que criou a loja em 2018 com a amiga Ivie Namura, mas hoje administra junto com o namorado João Bebber. “Foi o Tie Dye que reviveu a marca.”

A técnica colorida já ganhava popularidade antes da quarentena, especialmente com a moda praia. Mas, ao surgir as linhas ‘comfys‘, ela sofreu um processo de fusão. “Dizem que as tendências para voltarem a ser hit levam 20 anos. O tie dye rolou nos anos 60, 80, nos 2000 e agora está de volta”, explica Marcia, que alerta ainda sobre existir um ponto de saturação.

“Como é o ciclo de vida de uma tendência? Ela começa pequena, entre alguns grupos que chamamos de early adopters (primeiros adotantes), depois vira algo elitizado e então vira algo para o público, o auge da tendência. E quando algo está nisso, os outros dois primeiros grupos já estão desejando uma outra coisa. E assim surge uma próxima onda”, explica.

Pós-pandemia. Ainda é difícil afirmar o que será do pós pandemia em tempos de tanta incerteza. Porém, algumas afirmações já podem ser feitas. A prioridade número continuará, por um bom tempo, sendo a higiene e a proteção individual. “A questão de proteção vem não só com o caso das roupas que abraçam, que trazem a ideia de conforto. Mas também uma outra ideia de proteção, com peças que preparam a gente para situações adversas. Além de tecidos que protegem do raio UV, poluição, antiviral”, esclarece Bruna, da WGSN.

Jaquetas com proteção facial, conhecidas em lojas de esportes de aventura, serão cada vez mais comuns por trazerem tecnologias resistentes e também servirem como uma “segunda máscara”, reforçando a demanda por roupas multifuncionais e atemporais. “Toda vez que o mundo passa por um momento de crise, a gente tende a repensar o nosso consumo. Então o minimalismo também vem desse contexto”, diz Bruna.

Marco Muraro, vice-presidente comercial e marketing da Marisa, já percebe essas mudanças no comportamento do cliente. “Nas lojas, por exemplo, a cliente passou a adotar um consumo mais conservador. Elas chegam nas lojas com mais objetividade – sabem o querem e ficam menos tempo ali”, conta ele.

A quantidade perdeu para qualidade. O consumidor passa a se preocupar com o seu consumo: a origem das coisas e a sua durabilidade. Tanto pensando no melhor para si mesmo, quanto para o planeta – sem excessos, poluição ou desperdício. Para Luiza Pannunzio, o conforto é algo que vai além do tipo de tecido escolhido. “Ele é como faz, quem faz, de onde vem essa matéria-prima. Ele é um processo muito maior”, afirma.

É importante lembrar, no entanto, que somente existe a certeza sobre o sucesso de algo enquanto um certo comportamento existir. A partir do momento que o contexto econômico, cultural, político, que vivemos hoje for diferente, novas demandas irão aparecer. Ou seja, quando tivermos uma certeza da vacina, por exemplo, poderemos ir para um comportamento oposto. “Para quase toda tendência, existe uma contratendência. A gente vai ver no final de 2021, começo de 2022, a volta da moda maximalista: salto alto, mangas bufantes, rosa pink… Conforme os eventos voltarem ao normal, vamos ver uma demanda por peças mais suntuosas para a gente sair de casa e se montar”, indica Bruna Ortega.

Apesar de nunca ter tido dresscode nas empresas em que trabalhou, a jornalista Nadya Duarte, de 22 anos, admite que sentia a necessidade de usar roupas formais por conta dos colegas de trabalho, especialmente as gerentes e chefes. Modelos esses bem diferente das roupas larguinhas que ela usou durante o isolamento. Para o futuro, o objetivo é juntar os dois estilos. “Comecei a pesquisar looks com moletons para trabalhar, meio que fazendo um mix. Mudou algo em mim.”

Mas, assim como tudo, a moda não pode ser generalizada. Um grupo pode muito bem permanecer nessa linha de conforto, enquanto outros seguem na linha do exagero e o restante passe a misturar as duas propostas, criando um novo estilo. “O que posso afirmar com certeza é que, depois desse processo que a gente viveu, a criatividade vai vir com toda a força”, opina Márcia.

Karl Lagerfeld, criador por trás de empresas como Chanel, Fendi e de sua marca homônima, costumava dizer que “calça de moletom era um sinal de fracasso”. O alemão, que morreu ano passado, talvez mudaria de opinião se tivesse vivido a pandemia. Fato é que eu estou com o meu moletom enquanto escrevo este texto. E você, que me lê, também está?

Estadão Conteúdo

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