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Mensagem Subliminar
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Do mês à década: a reinvenção dos negócios

Como marcas se reinventam em um mundo onde consumir menos significa viver mais e melhor

Fernanda Lira

21/08/2025 14h42

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Foto: Freepik

Vivemos a era do ser em vez do ter. O minimalismo e o essencialismo deixaram de ser nicho para se tornarem protagonistas de novas formas de consumo. Já não importa apenas o que compramos, mas o que isso revela sobre nós. Surge então o paradoxo inevitável: como sobrevivem marcas que dependem da repetição infinita de vendas em um mundo onde as pessoas querem cada vez menos coisas?

A conta não fecha — pelo menos, não do jeito antigo.

Kallel Kopp, estrategista de sustentabilidade da IS.ECO, resume bem esse movimento: “Reinventar negócios vai muito além de vender mais. É criar ecossistemas vivos, onde pessoas, recursos e ideias circulam, completam ciclos e evoluem juntas, sustentados por uma cultura que valoriza a permanência e rejeita o descarte. A verdadeira sustentabilidade é a arte de fechar ciclos ecológicos, sociais e econômicos — e só se materializa quando o processo é leve, inclusivo e prazeroso. Afinal, se não é divertido, não é sustentável.”

Esse comportamento de consumo aponta para uma nova rota.

Do acúmulo ao significado

O acúmulo perdeu espaço. A lógica da abundância infinita já não dialoga com um planeta exausto nem com consumidores mais atentos. Seguir vendendo por vender aprisiona marcas em contradições perigosas: estimular o excesso em um tempo que pede consciência.

O centro de valor se desloca. O que importa não é tanto o objeto, mas o que ele representa. Um tênis deixa de ser apenas calçado para se tornar símbolo de estilo de vida. Um cosmético ultrapassa a estética e assume o papel de autocuidado, saúde mental e pertencimento. O produto existe, mas como veículo de narrativas maiores.

Greg McKeown lembra em Essencialismo: “não se trata de como fazer mais coisas, mas de como fazer as coisas certas”. Nos negócios, significa deixar de empilhar produtos e passar a entregar o que realmente faz sentido. Assim, as marcas deixam de competir por quantidade e disputam relevância.

Os números confirmam: o relatório Global Consumer Types, da Euromonitor, mostra que o perfil Minimalist Seeker já é o mais relevante no mundo, com 18% dos consumidores. Entre eles, 82% preferem consertar um item quebrado a substituí-lo. A posse infinita cede espaço ao consumo com significado.

Sustentabilidade não é vender menos: é vender melhor

Sustentabilidade e lucro não são opostos. A questão nunca foi “quanto vender”, mas como vender. Produzir de forma responsável, estender ciclos de vida, adotar logística reversa, incentivar reuso, aluguel e recommerce — tudo isso ressignifica o ato de consumir.

E os consumidores já respondem a esse chamado: 71% afirmam ter escolhido produtos sustentáveis nos últimos seis meses e 82% estão dispostos a pagar mais por embalagens ecológicas, segundo pesquisa global. Entre a Geração Z, esse índice chega a 90%.

Marcas que compreendem esse movimento descobrem que não precisam vender infinitamente — precisam ser lembradas continuamente. É nesse ponto que nasce a reinvenção dos modelos de negócio. O produto não desaparece: deixa de ser fim e passa a ser meio, multiplicando as formas de captura de valor em torno de si.

Casos que apontam o futuro

  • Patagonia: ao lançar a campanha “Don’t buy this jacket”, mostrou que estimular consumo responsável pode gerar ainda mais fidelidade. Reparos, recompra e consciência viraram estratégia de crescimento.
  • Apple: o iPhone continua sendo vendido, mas o motor do negócio é o ecossistema de serviços — iCloud, Apple Music, Fitness+, Arcade. O produto físico é apenas porta de entrada.
  • Nike: vai além dos tênis com plataformas como Training Club e Run Club, que criam comunidade digital, experiências e assinaturas.
  • Ikea: já testa aluguel e recompra, acompanhando o ciclo de vida do consumidor.
  • LEGO: transformou blocos em entretenimento global com parques, filmes, licenciamento e experiências.
  • Glossier: começou como marca de cosméticos, mas virou comunidade. O batom é só parte da sensação de pertencimento.
  • Harley-Davidson: cada moto é passaporte para uma identidade. O HOG (Harley Owners Group) sustenta a marca muito além da cilindrada.

Esses exemplos dialogam com um dado recente da McKinsey: 75% dos consumidores nos EUA fizeram trade-down em 2025, trocando marcas por versões mais acessíveis ou adiando compras não essenciais. O foco não é volume imediato, mas valor duradouro.

O fim da pressa do descarte

Estamos vendo o fim da era dos produtos criados para durar apenas um ano — um processo cheio de tensões. A obsolescência programada está em xeque.

Consumidores mais conscientes e novas regulamentações aceleram essa mudança. A União Europeia já exige reparos acessíveis e peças de reposição por até 10 anos. Nos EUA, cresce o movimento Right to Repair, desmontando a lógica de produtos frágeis feitos para gerar novas vendas anuais.

Mas o ciclo não desaparece: se transforma. O consumidor não troca mais de celular todo ano? Então surgem novas fontes de receita — upgrades de software, serviços digitais, assinaturas, acessórios, personalização. O objeto dura mais, mas a relação econômica continua viva.

A Tesla é exemplo claro: um carro comprado hoje pode receber novas funções amanhã, via atualização online. Não se trata de trocar de produto, mas de prolongar a experiência.

Dados da Deloitte reforçam: 71% dos consumidores ainda fazem compras de indulgência, mas esse índice caiu de 81% no ano anterior. O supérfluo perde espaço para o essencial.

O dilema cultural

Ainda ecoa nas salas de conselho: se o produto durar dez anos, quem paga a folha no fim do mês?

A resposta está no ecossistema de valor em torno do produto: recorrência digital, experiências comunitárias, recommerce, customização contínua. O jogo não é mais vender um objeto, mas transformar esse objeto em chave de acesso a um relacionamento vivo e rentável.

Da sobrevivência ao legado

O consumidor minimalista não deixou de consumir — deixou de acumular. Ele busca símbolos, conexões, experiências. Espera que as marcas sejam guardiãs desses significados.

A pergunta muda. Já não é “como vender mais produtos?”, mas “como gerar valor contínuo mesmo quando as pessoas compram menos?”.

No fim, é o produto que paga o mês.
Mas é a narrativa que paga a década.

Greg McKeown alerta em Essencialismo: “se você não priorizar a sua vida, alguém vai priorizar por você”. Para as marcas, vale o mesmo: quem não define o essencial em seu modelo de negócio acaba sendo definido — e descartado — pelo mercado.

O próximo capítulo

Talvez estejamos vivendo o fim da pressa do descarte. Mas não é o fim do consumo. É o início de um novo pacto cultural entre pessoas e marcas.

Um pacto onde menos coisas significam mais sentido, em que o produto é apenas senha de acesso a uma comunidade, um valor, uma experiência.

Se antes o sucesso era medido em unidades vendidas, agora será pelo impacto em vidas transformadas e pelo tempo de relevância.

No fundo, resta apenas uma pergunta:
quando tudo pode durar mais, o que realmente merece permanecer?

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