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A nostalgia virou negócio: como o passado se tornou a nova estratégia das marcas

De brinquedos a campanhas publicitárias, a saudade virou tendência global e movimenta bilhões ao transformar lembranças em consumo e conexão emocional

Fernanda Lira

23/10/2025 14h55

ursinhos

Foto: Fernanda Lira

De brinquedos a novelas, de colecionáveis a regravações de filmes, o passado se transformou em um dos produtos mais rentáveis do presente. Marcas em todo o mundo estão convertendo lembranças em estratégia de vendas e emoção em modelo de negócio.

No Brasil, esse movimento vem ganhando força. Um levantamento da empresa de pesquisa PiniOn, divulgado pelo Meio & Mensagem, mostra que 56,8% dos brasileiros já compraram algo motivados por lembranças do passado. Quase metade (45%) afirma sentir-se mais inclinada a consumir quando a marca utiliza referências nostálgicas.

A força da nostalgia atravessa gerações, canais e formatos. Das filas para garantir miniaturas da Fórmula 1 no McDonald’s ao sucesso dos Ursinhos Carinhosos lançados pelo Giraffas, adultos compraram brinquedos que marcaram a infância — agora com a justificativa de “presentear os filhos”, ainda que o presente, no fundo, também fosse para si mesmos.

Memórias que vendem

A nostalgia se tornou uma poderosa ferramenta de aproximação. Em um mercado saturado de estímulos e novidades, revisitar o que é familiar passou a representar segurança e conexão.

É o mesmo fenômeno que explica o sucesso do remake de Vale Tudo, na Globo — o maior faturamento da história da emissora no horário nobre. Reprisando um enredo de 1988, a novela mobilizou uma audiência movida não apenas pela curiosidade sobre o desfecho, mas pela vontade de reviver um tempo em que personagens, músicas e bordões faziam parte da rotina do país.

Pesquisas internacionais confirmam a tendência. Segundo a U.S. Chamber of Commerce, 81% dos jovens consumidores afirmam gostar quando marcas trazem de volta produtos e tendências da infância. Em tempos de instabilidade, o passado se torna um porto seguro — e, para as marcas, um atalho para a confiança.

Quando o futuro copia o passado

O apelo nostálgico é global. A indústria vem apostando alto em revivals que unem memória e inovação. A Pepsi relançou a “Crystal Pepsi”, sucesso dos anos 1990, em edição limitada, gerando uma onda de vídeos e colecionismo nas redes sociais. A Nintendo reconectou uma geração inteira de gamers adultos ao lançar o mini console NES Classic, que provocou filas e revendas com ágio.

Na moda, a Adidas transformou o relançamento do tênis Gazelle em um fenômeno cultural ao unir estética vintage e linguagem contemporânea. Já no cinema, Top Gun: Maverick e o relançamento de De Volta para o Futuro provaram que o público não busca apenas o novo, mas o reencontro com o que sentia.

O mesmo acontece na música: o relatório Luminate 2024 mostra que o consumo de catálogos antigos segue em alta, impulsionado por faixas e artistas dos anos 1980 e 1990. A trilha sonora das gerações passadas continua tocando — no streaming e nas planilhas de faturamento.

O caso brasileiro: o passado no drive-thru

No Brasil, a nostalgia tem sotaque, trilha e mascotes próprios. O Giraffas trouxe de volta os Ursinhos Carinhosos — esgotados em poucas semanas —, enquanto o McDonald’s apostou em miniaturas da Fórmula 1 embaladas pela memória coletiva de Ayrton Senna, que também desapareceram das prateleiras em um dia.

Ambas as ações seguem a mesma fórmula: produto físico + escassez + memória afetiva. São edições limitadas que incentivam a recompra e a revenda, mas, acima de tudo, despertam o desejo de reviver a infância — nem que seja por meio de um lanche.

Esse fenômeno tem nome e mercado: kidults. Adultos que consomem brinquedos, games e produtos colecionáveis respondem por cerca de 25% do faturamento global do setor, segundo a NPD Group. No Brasil, a feira ABRIN 2025 confirmou o crescimento desse público entre os principais compradores de itens lúdicos.

Da emoção ao negócio

Mais do que um truque de marketing, a nostalgia se tornou um ativo estratégico. Ela gera engajamento espontâneo, eleva o ticket médio e aumenta a fidelização. Campanhas baseadas em referências do passado têm performance até 30% superior nas redes sociais, segundo a consultoria Amra & Elma.

Além do engajamento, há impacto direto nas finanças: edições retrô, relançamentos de sabores e regravações de jingles clássicos aumentam o valor percebido de marca e permitem margens mais altas.

Mas é preciso coerência. O termo nostalgia-washing, popularizado por analistas internacionais, alerta para marcas que usam o passado apenas como isca visual, sem entregar propósito, qualidade ou inovação. O risco é parecer oportunismo — e a memória, nesse caso, se transforma em cobrança.

O novo retrô

O movimento newtro — mistura entre o novo e o retrô — é a evolução natural dessa tendência. Ele combina estética antiga e valores contemporâneos: design vintage com tecnologia atual, embalagens clássicas com materiais sustentáveis, e storytelling afetivo com propósito social.

No varejo brasileiro, essa lógica aparece em restaurantes temáticos, cafeterias com decoração dos anos 1990 e marcas que revisitam logotipos e produtos históricos sob um olhar moderno.

O passado, afinal, virou matéria-prima para inovar.

Entre o saudosismo e a estratégia

A nostalgia é, ao mesmo tempo, ferramenta de marketing e espelho de época. Ela prospera quando o presente é incerto e o futuro, volátil.

Para as marcas, representa a chance de permanecer emocionalmente relevante sem depender apenas de inovação tecnológica. Para o consumidor, é o reencontro com uma parte de si no ato de consumir.

E talvez resida aí o verdadeiro poder desse fenômeno: não é o passado que está voltando — somos nós que estamos voltando para ele.

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