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Mensagem Subliminar
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A MTV morreu de playback

A emissora que inventou o videoclipe esqueceu que autenticidade não se dublava. O fim da MTV é o retrato de marcas que pararam de tocar ao vivo — e perderam o público para quem ainda improvisa

Fernanda Lira

06/11/2025 15h43

Atualizada 07/11/2025 0h21

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Documentário “I Want My MTV” (2019). – Foto: Divulgação

Era uma vez, e está chegando ao fim, uma narrativa que moldou a adolescência, o comportamento jovem e o gosto musical de gerações inteiras: a da MTV. A emissora que, em 1981, estreou com “Video Killed the Radio Star” e anunciou “Ladies and gentlemen, rock and roll” tornou-se um arquétipo de descoberta, pertencimento e rebeldia juvenil. Mas agora as luzes da pista se apagam, ou ao menos mudam de tom. O anúncio da descontinuação de seus canais de música e o encolhimento definitivo do que a marca representou simbolizam o fim de uma era da música na televisão. E, talvez, mais do que isso: o fim de um modelo de comunicação que moldou gerações.

A MTV foi muito mais que uma emissora de clipes. Foi uma escola de comportamento, estética e linguagem. Transformou a música em experiência visual e coletiva: não era apenas ouvir, mas ver, esperar, comentar, participar. Traduzia o jovem para o mainstream com moda, gírias e atitude, tudo com traço autoral, irreverente e provocador. Criou rituais: o encontro diário com o controle remoto, o top 10 mais aguardado da semana, a sensação de estar conectado ao que era novo. Mais do que um canal, era uma janela para o mundo e um espelho para a juventude. E ensinou que marca forte não entrega apenas conteúdo, mas pertencimento.

Como colunista, abro um parêntese pessoal: a MTV construiu meu repertório musical e cultural. Foi minha porta de entrada para um universo que não chegava à minha casa por nenhum outro canal. Aproximou-me dos artistas, e, para quem ama artes, isso muda tudo. Para quem ama música, então, é definitivo. Eu assistia versões exclusivas, me perdia nos especiais ao vivo e tinha no Loud e no MTV Unplugged dois templos particulares. Eram experiências que revelavam novas camadas de uma mesma canção: o arranjo inesperado, o erro bonito, o silêncio que também é música.

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Logo. – Foto: Divulgação

Receber a notícia de que a MTV, por falhas de modelo de negócio e incapacidade de acompanhar o comportamento do público, deixará de existir como a conhecemos foi um choque. Logo ela, que foi bússola de tendências. Como estrategista de marca e designer de negócios, senti a lição antes do luto: nenhuma marca está vacinada contra a irrelevância. Legado não é garantia, é responsabilidade de reinterpretação contínua.

E onde foi que a MTV errou? Sua queda não veio de um tropeço isolado, mas de uma sequência de decisões desconectadas do comportamento e da tecnologia. Primeiro, falhou em reinventar o modelo de descoberta. Nos anos 1990, descobrir música era sintonizar, esperar o clipe, reagir. Hoje, é deslizar o feed, receber, compartilhar. O poder da curadoria mudou de lugar, saiu do emissor e foi para o algoritmo, para o social, para a comunidade. A MTV demorou a entender que a audiência queria coautoria na programação.

Depois, trocou a promessa: de Music Television para um guarda-chuva de realities e programas adolescentes. Ganhou audiência, mas diluiu identidade. Salvou números por um tempo, ao custo de significado. Some-se a isso o fator geracional: a MTV nasceu para quem ligava a TV para descobrir o novo; o novo passou a morar no celular, na lógica on demand, enquanto a emissora permaneceu presa ao agendamento linear. Quando o jovem parou de esperar o clipe, encontrou-o sozinho e levou com ele a conversa, o meme, o hype.

YouTube, TikTok e Spotify entenderam antes: dominaram a experiência mobile-first e tomaram o território que antes era da MTV, a descoberta musical como ritual cotidiano, personalizado e compartilhável. Até a escala global, antes um trunfo, virou limitação num mundo que passou a valorizar nichos, comunidades e relevância local.

No fundo, a MTV parou de regravar a própria música. Há canções clássicas que permanecem vivas porque são relidas por novas gerações, ganham outro arranjo, outro ritmo, e a letra reencontra ouvidos que antes não a notavam. A essência permanece; o arranjo muda. A MTV manteve a essência, mas deixou o arranjo envelhecer. A emissora que ensinou o mundo a ver música deixou de enxergar o novo modo de ver e ouvir.

E aqui o fim vira metáfora para qualquer empresário: negócios não continuam os mesmos só porque sempre foi assim. A cada década, uma nova geração chega com linguagem, valores e plataformas diferentes. O que permanece é a essência, desde que seja regravada no tempo certo, com o arranjo certo, para o público certo.

Como profissional de estratégia, levo três lições desse epitáfio:
(1) Curadoria hoje é coautoria, não basta escolher, é preciso abrir espaço para o público modular a experiência.
(2) Promessa não se troca por tendência, reality salva Ibope, mas pode custar alma.
(3) Escala sem intimidade é barulho, sem leitura de nichos e códigos locais, a marca fala alto e diz pouco.

E, pessoalmente, guardo a gratidão: a MTV me apresentou artistas, versões e estéticas que me formaram e me ensinaram, ironicamente, a nunca parar de reinterpretar.

Quando as últimas luzes se apagarem, não será apenas o fim de uma emissora, mas o silêncio simbólico de um ritual, o de esperar o vídeo, comentar com amigos, sentir-se parte de algo global. Esse silêncio, contudo, é também um alerta: se você ainda espera que o público espere por você, talvez já tenha sido ultrapassado.

Se seu negócio é uma música clássica, tocar exatamente do mesmo jeito pode encantar quem te ouve há 30 anos, mas, se quer ser ouvido por quem acabou de chegar, é preciso ajustar o andamento, atualizar o timbre e reposicionar o microfone.

A MTV nos ensinou que música, moda e comportamento se misturam, mas esqueceu de aplicar em si a tese que a tornou ícone. No fim, legado sem reinvenção vira museu. E marca que quer futuro precisa soar contemporânea sem perder a melodia que a tornou única, para que o público siga dançando junto.

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