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Coluna Marcelo Chaves
Coluna Marcelo Chaves

Seis meses de saudade

Marcelo Chaves

12/04/2017 11h28

Nesta quarta-feira, dia 12 de abril, completam seis meses que uma das personalidades mais queridas do circuito social de Brasília, Christina Queiroz, nos deixou. Uma amiga querida e que está fazendo muita falta. Ela está descansando na paz do Senhor.

Esta semana recebi por e-mail de sua filha Desirée, companheira de todas as horas da mãe, um emocionante texto que me levou às lagrimas. Compartilho com vocês na coluna de hoje. Uma maneira especial de relembrar um pouco mais da Chris.

Christina com a filha Desirée

Christina com a filha Desirée

“O ônibus tem cheiro de cebola misturado com pó de asfalto que cola nos meus olhos como um redemoinho, uma indisposição. Como voltar para casa sozinha? Até então, a minha referência geográfica, endereço, corpo físico sempre retornavam a você, agora morta. Respiro fundo. A angústia da sua ausência se prolonga através do horror, diante da impossibilidade de nunca mais poder conversar ou ouvir a sua voz.”

“Lentamente, a sensação vai desaparecendo como chegou, de forma aleatória, em insignificantes minutos de séculos jamais vividos. ‘Ninguém me falou sobre a morte antes’, expliquei à médica do hospital, linda como uma atriz de novela. ‘É muito difícil entender essa passagem quando a mãe da gente ainda é jovem e não envelheceu’, repeti, um choro intenso quase saindo.”

“A lembrança da resposta apressada da médica, comprovando a limitação da medicina quando o assunto é o fim da vida, me enerva. Pendurada no fim do ônibus, me segurando como posso, me sinto frustrada com os solavancos da vida. Nesse meio tempo, surge uma lista de sentimentos que agora faz parte da minha rotina: fracasso, impotência a mortalidade materna, o medo do desconhecido, a insegurança, a saudade e muita tristeza de vivenciar o luto numa idade tão jovem.”

“No corredor do hospital, meu irmão dissera, ‘tenho a impressão de que não tive fé suficiente, de que meu Deus falhou’. Não respondi nada. Também estava transtornada. A médica, a tal que parecia uma atriz de novela, ainda falara do sucesso do tratamento da minha mãe, tentando apaziguar minha dor com dados científicos. ‘Sim’, respondi, ‘coragem nunca lhe faltou’. Lutou até o fim e nunca deu muita importância para a morte. Dizia, o câncer pode me matar, mas eu não vou morrer de câncer. Em cinco anos de luta, jamais desistiu. Viu os netos nascerem, renovou a casa, viveu intensamente, tamanha a urgência.”

“A vida não está fácil sem você, mãe, converso com ela em silêncio. Não saber o que fazer, a quem recorrer, são vivências constantes agora. A gente não sabe nada da vida da gente, digo a mim mesma. Parada no engarrafamento, elaboro as emoções, o percalço do luto. Ninguém gosta deste assunto. Será que você sabia que estava morrendo? Às vezes acho que sim, em outras não. De que vale esse saber agora? Algum tipo de acalento, conforto por imaginar que talvez você não tenha sofrido tanto.”

“Acho que só no meu dia entenderei o que você sentiu. Nesse processo, aprendi, também, que a morte é calma, e não súbita como imaginei. No fim você estava triste, desapontada, mas acima de tudo, cansada. Era a sua hora. Entender sobre essa fragilidade e finitude da vida não é tarefa fácil, a vivência daquela mulher vibrante viva em mim. O inchaço do seu corpo é apenas um momento ínfimo que não define quem você foi, sempre tão linda. Pele perfeita, mesmo no momento de despedida.”

“Essa reconstrução é dura para quem fica. Mas não acho que você iria gostar de saber que desisti. Ser positiva é uma dádiva, penso no ônibus lotado, a vida um pouco sem luz. Tantas coisas belas, o que fazer com tudo isso? Tudo passa, você costumava dizer. É verdade, tudo passará. Na véspera da sua morte, me despedi do seu corpo com pesar. Você, que sempre me acolheu com ternura, delicadeza impressa no cheiro da sua pele, pura sensação de amor.”

“Dentro do meu coração, gritei, não vá, como vou dar conta de tudo isso sozinha? Mas era o seu tempo. E essa consciência, esse deixar ir e entregar a vida ao que a ela pertence, é um dos desafios mais difíceis que já tive que enfrentar. Gradualmente, sem pular etapas. Vez ou outra, converso com você, e você responde, dentro de mim. Eu te criei para a vida, querida. Eu sei, mãe, respondo. E choro, porque não há mais nada a fazer. Escrevo, porque você sempre gostou de me ler. Não ia querer que eu parasse agora.”

“Já não me importo que vejam minha dor, porque isso é da vida, como a alegria e a felicidade. Lá fora, o engarrafamento na ponte é enorme, mas logo estarei em casa. Há uma construção do lado de fora, homens com jaquetas laranjas, luminosas e fluorescentes, dando furos na pista, rindo muito. A cor azul do céu é atordoante. A atriz de novela, a médica, você, eu, todo mundo terá o mesmo fim, resta saber como chegar até ele. É o que me questiono agora, no meio de tanta angústia.”

Foto de Célio Costa

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