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(in) Formação

O contraponto é com as raposas…

À primeira vista, a história da convocação feita pelo presidente Bolsonaro para as manifestações do dia 15 de março não parece ter tido maiores consequências.

Rudolfo Lago

06/03/2020 6h40

Movimentos na política às vezes são bastante sutis. Há a impressão de que nada de novo aconteceu. Mas as camadas subterrâneas se movem, e os resultados concretos irão aparecer mais adiante. Para se antecipar às coisas, é preciso observar com lupa e atenção esses movimentos.

À primeira vista, a história da convocação feita pelo presidente Jair Bolsonaro para as manifestações do dia 15 de março não parece ter tido maiores consequências. Pelo menos para aqueles que esperavam grandes reações ou até mesmo, na visão dos mais exaltados, o início de um processo de impeachment.

Mas houve alguns movimentos menores nesse processo que têm algum significado. O primeiro deles foi a ida ao Palácio do Planalto no início da semana do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, para dar a Bolsonaro o recado de que o Poder Legislativo “não toleraria” novo ataque semelhante. É claro: precisamos ver que efeitos concretos decorrerão disso. Primeiro, Bolsonaro não é dado a sutilezas. E a triste história do humorista distribuindo bananas e fazendo piada sobre o PIB pífio de 1,1% foi um sinal bem pouco animador nesse sentido. Então, é preciso esperar para ver se ele de fato entendeu o recado. Segundo, também é preciso esperar para ter certeza se o ultimato feito por Alcolumbre era para valer mesmo. Aparentemente, houve jogo combinado neste caso com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Mas Maia tem sido bem mais incisivo nesses casos que Alcolumbre, que se mantém mais próximo do governo.

O segundo movimento foi a nota conjunta feita também no início da semana pelos partidos de oposição. Há muito tempo, não apareciam unidos em uma mesma ação partidos como o PT, o PDT, o PSB, o PCdoB, o PSOL e a Rede. Se a nota significa como desdobramento algum tipo de ação conjunta mais efetiva, também só o tempo dirá. Do ponto de vista eleitoral, diga-se a união ainda parece muito, muito distante.

O que já se pode inferir de concreto dos dois episódios, porém, é avaliar de onde, efetivamente, virá mais efetivamente um contraponto aos excessos de Bolsonaro. E, neste momento, parece mais claro que ele venha do centro, de Alcolumbre e seus demais representantes.

Primeiro, esses partidos de centro estão atuando em bloco na Câmara, reunindo 297 deputados, o que é mais do que suficiente para definir qualquer situação. Ao final da semana, conseguiram estabelecer o acordo com o governo em torno do orçamento impositivo. Uma solução salomônica bem ao gosto das velhas raposas do antigo PSD que parecem lhes servir de inspiração. Havia um impasse sobre o controle dos R$ 30 bilhões de verbas, dividiu-se o problema ao meio: R$ 15 bilhões para cada um.

Do centro, saiu a solução. Mas da articulação do centro veio também o recado da aprovação em comissão mista do 13º salário para o Bolsa-Família.

No complicado governo Bolsonaro, dois ministros hoje se destacam: Teresa Cristina, da Agricultura, e Luiz Henrique Mandetta, da Saúde. Ambos são do DEM, o líder dessas movimentações do centro.
Enquanto isso, a oposição de esquerda parece encontrar dificuldades para ir além da construção de uma nota conjunta. De novo, por exemplo, houve problemas no momento da escolha de quem seria o líder da minoria na Câmara. Na primeira vez, o PCdoB deu um tombo no PSB. Os socialistas esperavam ter como líder Alessandro Molon (RJ) e o cargo foi para a comunista Jandira Feghali (RJ). Agora, era o PDT quem aspirava a vaga. Levaram um tombo do PT, que articula para que o líder seja o petista José Guimarães.

Alguém que participou da última reunião da oposição de esquerda, conta o seguinte bastidor. Em determinado momento, um deputado avaliou: “O apoiamento a Bolsonaro não existe mais. Ele está isolado”. Um outro deputado, diante do que via nas redes sociais, rebateu de pronto: “Não sei onde ele está vendo esse tal isolamento”. Diante de uma esquerda perdida, goste-se ou não do estilo, é do rabo felpudo das raposas de centro que vai se dando o contraponto…

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