Menu
(in) Formação

Coluna Informação #057 – Strip-tease político

Há muito tempo não se via sessão mais explícita de strip-tease político que a carta que o agora ex-ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio colocou no grupo de whatsapp que partilhava com seus agora ex-colegas de governo

Rudolfo Lago

11/12/2020 5h00

Atualizada 10/12/2020 22h31

Há muito tempo não se via sessão mais explícita de strip-tease político que a carta que o agora ex-ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio colocou no grupo de whatsapp que partilhava com seus agora ex-colegas de governo. Peça a peça, Álvaro Antônio foi ali desnudando os itens que compõem a vestimenta básica do toma lá dá cá, que infelizmente há anos vem sendo o espartilho, a armação da corrupção pública brasileira.

Registre-se que todo uso indevido, distorcido, de dinheiro público é, sim, corrupção. E fica difícil se falar da ausência absoluta desse risco em um governo quando um ministro comenta o que comentou, fala o que falou, numa correspondência em princípio destinada a seus colegas. Quem escolheu o atual governo imaginando que estava livre desses riscos, quem ainda acredita quando isso é declarado, deve, portanto, ficar com as barbas de molho.

No caso específico de Marcelo Álvaro Antônio há, no strip-tease, peças imputadas a ele e outras que, na carta, ele imputou ao governo. E podemos unir aí à sessão outras peças que se imputam a pessoas próximas ao governo, como os filhos do presidente. Os esquemas de rachadinha que se investigam especialmente quanto ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos/RJ) são uso indevido de dinheiro público. Portanto, suspeita de corrupção.

Sobre Álvaro Antônio, havia há meses a acusação de participação em esquema de candidaturas laranjas no PSL na campanha de 2018. De acordo com a acusação, o partido valeu-se da quota obrigatória de candidatas mulheres para desviar dinheiro do fundo eleitoral. Candidatas de mentira ficavam com a verba destinada, não faziam campanha de fato e isso retornava para os bolsos dos dirigentes do partido. Isso, se comprovado, é uso indevido de dinheiro público. Portanto, suspeita de corrupção.

Quando a história estourou, o único demitido foi o ex-secretário-geral da Presidência Gustavo Bebianno. Que saiu não por envolvimento com a história, mas porque outro filho da tríade política dos rebentos do presidente, Carlos Bolsonaro, não gostava dele. Denúncias e acusações mais graves e diretas caíam sobre Marcelo Álvaro Antônio, mas ele foi ficando no governo.

Até trombar com o secretário de Governo Luís Eduardo Ramos, o general que faz a articulação política no Palácio do Planalto. Pelo que diz Álvaro Antônio na carta, Ramos estaria rifando o Ministério do Turismo para o Centrão. E o agora ex-ministro reagiu a isso com uma carta irada.

Uma carta na qual afirma, com todos os pingos em todos os is, a existência, segundo ele, do mais descarado estilo de “é dando que se recebe” da atual República. Registre-se que essa distorção de sentido da frase de São Francisco foi cunhada pelo fundador do Centrão original, o ex-deputado Roberto Cardoso Alves, durante a Constituinte. Na época, a troca consistia em verbas, cargos e emissoras de rádio distribuídas pelo então presidente José Sarney para mudar itens da Constituição a seu favor. Centrão é Centrão. A herança passou…

“Ministro Ramos, o senhor entra na sala do PR comemorando algumas aprovações insignificantes no Congresso, mas não diz o altíssimo preço que tem custado”, diz Álvaro Antônio na carta. “Conheço de Parlamento. O nosso governo paga um preço de aprovações de matérias nunca visto antes na história”, prossegue. E termina dizendo que Ramos pede a sua cabeça “para suprir sua própria deficiência”.

A qual “altíssimo preço” se refere Álvaro Antônio? Qual é esse “preço de aprovações de matérias nunca visto antes na história”?

Ao longo do tempo, o tipo de coisa sugerida por Álvaro Antônio foi denunciado e investigado em diversas ocasiões. No mesmo governo Sarney, houve uma CPI da Corrupção. No governo Fernando Collor, o caso PC Farias. No governo Itamar Franco, a CPI dos Anões do Orçamento investigou desvio de emendas orçamentárias. No governo Fernando Henrique Cardoso, houve a compra de votos para aprovar a emenda da reeleição. No governo Lula, o Mensalão. No governo Dilma, o petrolão e a Lava Jato.

Ontem, após a demissão, Marcelo Álvaro Antônio tentou cobrir-se com declarações de lealdade a Jair Bolsonaro. Mas o strip-tease estava consumado. O ex-ministro saiu nu e igualmente despido deixou o governo…

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado