Luiz Fernando Veríssimo partiu hoje, e o Brasil perdeu um dos cronistas mais geniais que já teve. Leitor fiel que sempre fui, poderia lembrar aqui dezenas de textos dele que me marcaram. Mas prefiro recorrer à memória de um encontro improvável, quase meio século atrás, durante a Copa do Mundo de 1990, na Itália.
Naquele tempo, eu cobria a Copa pelo Correio Braziliense. Veríssimo, já consagradíssimo, estava lá como cronista, fazendo uma crônica por dia para os principais jornais do país. O homem era tímido, todos sabiam. E, para um fã como eu, era quase inacessível. Mesmo assim, no dia de um jogo do Brasil, cheguei cedo ao estádio, vi-o sentado quase no fim da arquibancada e resolvi me apresentar. Queria entrevistá-lo, ouvir suas impressões da Copa, escrever sobre ele. Veríssimo me respondeu com sua habitual polidez… e monossílabos. Não rendeu muito, mas eu, claro, transformei em matéria.
Foi então que aconteceu a cena curiosa. As cabines de rádio e TV, cada uma com seu telefone exclusivo, estavam quase todas vazias. Alguns jornalistas estrangeiros descobriram que podiam usar aqueles aparelhos para ligar para casa — para a namorada, para os pais, para o país deles. Uma mamata. Até que alguém da organização percebeu a “mutreta”, chamou a polícia e o estádio virou palco de um corre-corre constrangedor. De repente, a confusão estourou perto de nós, e houve quem pensasse que eu e Veríssimo estávamos metidos na farra telefônica.
Por alguns instantes, fiquei imaginando a manchete: “Cronista mais lido do Brasil e repórter brasileiro flagrados na mamata telefônica da Copa”. Felizmente, logo tudo se esclareceu: não éramos nós, eram outros colegas mais espertinhos. Veríssimo, naturalmente, permaneceu com aquela expressão meio tímida, meio constrangida, como se a confusão fosse apenas uma nota de rodapé da crônica que ele escreveria no dia seguinte.
Hoje, ao lembrar desse episódio, me vem à cabeça um dos livros dele que mais gosto: As mentiras que os homens contam. Veríssimo, nesse livro, não julga: apenas constata. Os homens não mentem. E, se mentem, é porque precisam — para poupar as mulheres e, também, para se proteger delas. Pois bem, aqui faço questão de registrar: desta vez não houve mentira, nem necessidade de proteção. Esta história é rigorosamente verdadeira, ainda que soe como uma boa invenção que ele próprio poderia ter escrito.
E se me perguntarem o que ficou daquele breve encontro, respondo sem hesitar: ficou a lembrança de ter dividido alguns minutos de Copa com um ídolo que soube transformar a timidez em estilo, o silêncio em humor e a vida cotidiana em literatura.