Há um abismo crescente entre o futebol e quem o tornou grande: o torcedor comum. Os clubes, que antes viviam do grito das arquibancadas, hoje se alimentam de métricas digitais, seguidores e planos de sócio-torcedor que custam mais do que o salário mínimo de muitos brasileiros. O resultado é um distanciamento cada vez mais visível – emocional, econômico e até simbólico.
Uma pesquisa global da Infobip, realizada em vários países e também refletida no Brasil, ajuda a entender esse fenômeno. Dois em cada três torcedores no mundo dizem se sentir “desconectados” de seus clubes. No caso brasileiro, o número de seguidores é impressionante – mais de 430 milhões somando os 50 principais times -, mas isso não significa proximidade real. Pelo contrário: quase metade dos entrevistados afirma se sentir “apenas um número”. E 61% dizem que o alto custo de ingressos, camisas e assinaturas tem afastado o público das arquibancadas. Ou seja: há muita conexão digital, mas pouca conexão humana.
Durante décadas, o futebol era um espetáculo popular. No Maracanã, o Geraldino via o jogo de pé, por um preço simbólico, cantava, reclamava, vibrava. Hoje, não existe mais “geral”. No lugar do cimento gasto e do povão, há cadeiras numeradas, ingressos que ultrapassam R$ 200 e pacotes VIP que transformaram o estádio num shopping center. A arquibancada virou produto, o torcedor virou cliente – e o grito espontâneo, muitas vezes, deu lugar à selfie.
A elitização das arenas, que começou com a onda de estádios modernos, afastou justamente quem mantinha a chama acesa. Um pai que antes levava o filho para ver o time do coração agora pensa duas vezes. O ingresso é caro, o estacionamento é caro, a camisa oficial custa quase meio salário. Comprar uma de presente virou luxo. E, sem essa vivência no campo, a paixão perde o vínculo direto, tornando-se algo digital, mediado por telas e hashtags.
A tecnologia, claro, oferece novas formas de aproximação – mas elas não substituem o calor humano. O que se vê é uma conexão artificial, feita de vídeos motivacionais e posts bem editados, quando o que o torcedor quer é algo mais simples: ser ouvido, ser incluído, ser parte. O futebol, que nasceu como uma paixão de massas, hoje corre o risco de se transformar num espetáculo para poucos.
A pesquisa da Infobip apenas confirma o que o coração do povo já sabia: o futebol continua sendo o mesmo jogo, mas o público que o alimenta está mudando. E, se os clubes não perceberem isso a tempo, podem acabar com estádios modernos, feeds movimentados – e arquibancadas vazias de alma.
