A conquista da Copa do Brasil colocou o Corinthians novamente no centro do futebol nacional, mas também reacendeu um debate incômodo sobre os limites da competição em um cenário de endividamento extremo. O clube campeão é hoje o mais endividado do futebol brasileiro, com passivo estimado em cerca de 2 bilhões de reais, segundo levantamentos de mercado. Para o presidente do Cuiabá, Cristiano Dresch, a situação ultrapassa o campo da má gestão e entra no terreno do que ele chama de estelionato esportivo.
A crítica é direta e pesada. Na visão do dirigente, o Corinthians montou um elenco competitivo, utilizou jogadores adquiridos sem quitar obrigações financeiras com outros clubes e credores, conquistou um título nacional e seguiu normalmente sua trajetória esportiva. Tudo isso, segundo ele, sem cumprir compromissos básicos que outros clubes são obrigados a honrar para continuar competindo.
A linha de argumentação é simples e provocativa. É como comprar uma passagem internacional, viajar, aproveitar a experiência e nunca pagar por ela. Ou adquirir uma casa, morar nela, usufruir de tudo o que ela oferece, mas deixar as parcelas em aberto. No papel, você ocupa o imóvel, mas não é, de fato, dono dele. No futebol, o raciocínio segue a mesma lógica. O time entra em campo, vence, levanta taça, mas o custo dessa performance fica pendurado nas costas de terceiros.
O Cuiabá é hoje o clube que mais pressiona publicamente o Corinthians por pagamentos em atraso. A insatisfação não se restringe a valores isolados, mas a um modelo que, segundo Dresch, distorce a concorrência. Enquanto alguns clubes fazem cortes drásticos, vendem atletas, renegociam contratos e atrasam projetos esportivos para manter salários e compromissos em dia, outros conseguem competir em alto nível mesmo sem pagar suas contas.
É aí que entra o conceito de credibilidade das competições. Quando um clube extremamente endividado continua operando normalmente, contratando, usando jogadores e conquistando títulos, a sensação de desequilíbrio se espalha. O campo deixa de ser um espaço onde todos disputam sob as mesmas regras financeiras e passa a premiar quem consegue empurrar dívidas indefinidamente.
O Corinthians, é verdade, não está fora da lei esportiva. Atua dentro das regras vigentes, aproveitando brechas, renegociações e a ausência de punições esportivas mais severas para inadimplência. O problema apontado pelos críticos não é jurídico, mas ético e estrutural. Até que ponto um clube que não paga o que deve pode ser tratado como vencedor legítimo sem que o sistema como um todo seja questionado?
A acusação de estelionato esportivo não é apenas um ataque retórico. Ela expõe um debate que o futebol brasileiro insiste em adiar. Se ganhar títulos sem pagar dívidas não gera consequências esportivas, a mensagem para o mercado é clara. Vale mais a pena atrasar, empurrar e acumular passivos do que ser financeiramente responsável.
O título do Corinthians é real, está na história e não será apagado. Mas a discussão que ele provoca vai muito além da taça. Ela toca no coração do modelo de gestão do futebol brasileiro e coloca uma pergunta incômoda sobre a mesa. No jogo fora das quatro linhas, quem realmente está jogando dentro das regras?