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Envelhecer é uma arte
Envelhecer é uma arte

Psicoeducação e envelhecimento saudável

Se vivermos o tempo todo pensando em possíveis limitações e em como vamos deixar esta terra, perderemos o presente que, como dizem vários poetas, é um presente! Porém, é preciso sentar firmemente os pés no chão quando falamos de planejar a última fase da vida

Juliana Gai

25/09/2022 5h00

Foto: Andrea Piacquadio/Pexels

Olá, leitores. Por aqui novamente, seguindo com a intenção de ensinar a todos a avaliar melhor suas escolhas e estimular a sociedade a ser mais receptiva a esta fase normal do ciclo de vida: a velhice. Falo por aqui também das velhices. O envelhecimento expressa, de forma muito clara, aquilo que nos diferencia enquanto seres humanos: as diferenças.

Nos últimos dez anos, as pessoas idosas passaram de em torno de 11% da população brasileira para quase 15% em 2021, segundo dados do IBGE. É uma alegria saber que estamos tendo mais acesso a qualidade de vida e estamos vivendo mais, num país que parece estar de fato se desenvolvendo. Entretanto, é também uma grande preocupação pensar que precisamos planejar nossas vidas para uma longa estada na terra.

Em geral, o ser humano tende a não pensar muito sobre o fim de sua vida. Se vivermos o tempo todo pensando em possíveis limitações e em como vamos deixar esta terra, perderemos o presente que, como dizem vários poetas, é um presente!

Viver cada fase da vida com a plenitude necessária para ter condições de administrar os bons e os maus momentos é fundamental. As lembranças boas e a gratidão pelo que nós temos hoje nos fortalece para enfrentar as adversidades e as surpresas da vida. Afinal, nem tudo o que nos acontece estava no “script” e a convivência com as surpresas é inevitável.

Porém, é preciso sentar firmemente os pés no chão quando falamos de planejar a última fase da vida que, como mostram os dados demográficos, está bem maior do que antigamente. A maioria dos brasileiros conta com a aposentadoria do INSS para sua velhice. Mas será que vai ser suficiente para cobrir o custo de viver mais?

O uso de serviços médicos e de saúde é muito maior em pessoas acima dos 60 anos de idade porque não há como parar os processos biológicos naturais de desgaste do corpo que acontecem com o passar dos anos.

Neste contexto, considero ainda poucas as iniciativas de promoção do envelhecimento saudável e, realmente, em nossos consultórios e no nosso dia a dia como gerontólogos, observamos que muitas pessoas poderiam estar vivendo a maturidade e a velhice de maneira mais feliz se tivessem acesso à educação em saúde. Poderiam ter prevenido alguns agravos de saúde e planejado melhor sua vida financeira e social. O estresse é um fator importante no desenvolver de doenças mentais. E ele vem, sobretudo, da preocupação com a manutenção dos itens básicos necessários para uma boa qualidade de vida: alimentação, moradia, transporte e socialização, para além dos cuidados de saúde.

A psicoeducação para o envelhecimento saudável pode ser uma saída barata e viável para que os brasileiros comecem a repensar suas vidas e planejar melhor o envelhecimento. Falar sobre envelhecer nos tempos atuais é o caminho para o futuro mais digno.

Segundo um artigo muito bom, escrito por Carina Lemes e Jorge Ondere Neto, da Universidade Federal do Rio do Sul, em 2017, a psicoeducação se vale de instrumentos psicológicos e pedagógicos para ensinar as pessoas sobre questões de saúde física e psíquica no âmbito de prevenção e tratamento. Eu gostaria de ampliar o conceito para o âmbito social, pois compreender os fenômenos sociais contemporâneos também interfere no planejamento de saúde e qualidade de vida. Por exemplo, pessoas encontram parceiros fixos cada vez mais tarde e escolhem ter filhos em idade avançada cada vez mais. Este é um dos fenômenos decorrentes da transição da pirâmide etária. Se a pessoa vive mais, provavelmente sentir-se-á apta a adiar determinadas escolhas. Mas vejo ser necessário o pensamento sobre as influências que isto trará as novas gerações. Filhos de pais mais velhos. Pais que precisam se preocupar mais com sua saúde, empregabilidade e qualidade de vida na velhice, afinal devem estar também aptos a cuidar destes filhos pelo tempo necessário até que estes adquiram independência. Outro ponto relacionado a este assunto diz respeito a rede de apoio psicossocial, que parece ser cada vez menor para as famílias.

Quando observo as condições de vida de muitos dos meus pacientes, mesmo aqueles no serviço privado de saúde, vejo claramente que o surgimento de uma nova síndrome geriátrica chamada insuficiência familiar não veio do nada. Realmente muitas pessoas idosas de hoje não tem filhos residindo na mesma cidade, ou no mesmo país, e não tem rede de apoio para o cuidado do cônjuge dependente ou dele mesmo, arcando necessariamente com mais despesas contratando profissionais, cuidadores e auxiliares domésticos.

Nas famílias de baixa renda, observa-se que a renda da pessoa idosa pode ser a renda principal da residência e, portanto, a pessoa idosa tem mais companhia. Alguma filha abandona o emprego de baixa remuneração e assume os cuidados. Mas isto também pode ser problemático tanto para a pessoa idosa, que pode precisar abrir mão de algum conforto a mais para dividir o pouco salário com sua família, quanto para a família dependente que, quando do falecimento deste idoso, ficará sem renda e, muitas vezes, sem futuro. Cresce aí a dependência de benefícios sociais.

Psicoeducação é muito necessária no momento atual. É importante que a pessoa saiba que vai de fato viver muito e assuma o protagonismo de cuidar de sua saúde e bem-estar, prevenir as doenças comuns no envelhecimento, cuidar das que já existem e encontrar uma ocupação que lhe permita manter-se produtivo até o máximo possível.

Confúcio, um grande filósofo, já sugeria: “encontre um trabalho que você ame e não terá que trabalhar um único dia”. Realmente amar o que se faz é maravilhoso. Mas eu imaginei Cândido Portinari, em 1938, retratando em mais uma de suas belas pinturas, cortadores de cana de açúcar fazendo a colheita. Ele, sentado, pintando. Eles, fazendo trabalho pesado. Interessante visão da realidade. Imaginem como manejar o envelhecimento diante de trabalhos braçais. Com o sabido desgaste natural do corpo humano. Que grande desafio!

Portanto, pensar meios de conversar melhor com a população sobre envelhecimento, saúde e escolhas de vida, passando pela educação de jovens e adultos e pela reinserção dos “maduros” no mercado de trabalho, é algo que precisa ser construído com urgência na sociedade contemporânea. Se estamos satisfeitos por viver mais, e desejamos viver com qualidade de vida, independência e autonomia por mais anos de vida, queremos também ser livres para fazer escolhas novas em qualquer momento da vida e trabalhar até mais tarde, precisamos construir um envelhecimento saudável para todos já.

Não me canso de dizer que consolar as pessoas idosas por serem velhas é uma falácia. É preciso capacitar o brasileiro a enfrentar o desafio de envelhecer com saúde, coragem, alegria e sonhos.

Pense em qual velhice você deseja construir para si mesmo. E comece agora.

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