Governar é mais do que administrar. É compreender a vida em suas múltiplas dimensões e conduzir o coletivo rumo ao bem comum. No campo da saúde pública, governança significa planejar, coordenar, monitorar e avaliar políticas de forma ética, transparente, efetiva e sustentável. É o que mantém o Estado a serviço da vida — e não o contrário.
Quando se fala em envelhecimento, governança torna-se sinônimo de preparação civilizatória. Em poucas décadas, o Brasil terá um terço da população com mais de 60 anos. Esse cenário exige reconfigurar prioridades, fluxos e orçamentos. Governar sem compreender o envelhecimento como fenômeno estruturante é como tentar navegar em mares revoltos sem mapa.
O gerontólogo é o profissional que entende as marés do envelhecer. Estuda o processo sob dimensões biológicas, psicológicas, sociais, culturais e ambientais. Não se restringe à doença: compreende o envelhecimento como parte da vida — e não como seu oposto.
Na prática, o gerontólogo é o elo entre o planejamento e a execução de políticas, entre os números e as pessoas, entre a técnica e a ética do cuidado. Identifica fragilidades, propõe soluções intersetoriais e promove a integração entre saúde, assistência social, habitação, mobilidade urbana, segurança e direitos humanos.
Em uma secretaria de saúde, pode coordenar programas de prevenção de quedas, redes de cuidado continuado, estratégias de envelhecimento ativo, planos de reabilitação e a formulação de planos decenais municipais da pessoa idosa. No entanto, essa atuação ainda é invisível nos organogramas públicos, pois a profissão não é regulamentada.
Sem reconhecimento jurídico, não há concursos, cargos nem remunerações compatíveis. E sem gerontólogos nas equipes de gestão, o país perde a oportunidade de desenvolver uma governança especializada do envelhecimento — aquela que transforma conhecimento em política pública e cuidado em cultura institucional.
Governança é a arte de integrar: coordenar o múltiplo sem perder o rumo. Envolve planejamento, monitoramento, transparência e corresponsabilidade entre Estado e sociedade. É a costura que une diferentes ciências à ética e à gestão.
No contexto do envelhecimento, governança significa alinhar políticas públicas às necessidades reais das pessoas idosas, criar instrumentos de avaliação, garantir continuidade entre gestões e evitar que cada novo governo “reinvente a roda” sem considerar o que já foi construído.
Em contato direto com a pessoa idosa, da baixa à alta complexidade em saúde, o gerontólogo participa da gestão e da integração dos diversos saberes técnicos nas propostas de cuidado. Também assegura estabilidade de propósitos às equipes, registrando e sistematizando protocolos e contribuindo para a formação gerontológica dos novos membros.
Sua presença na governança pública garante que o envelhecimento não seja tratado como apêndice da saúde ou da assistência, mas como eixo transversal de toda a política social.
O Brasil formou, nas últimas duas décadas, duas vertentes complementares: o tecnólogo em Gerontologia, voltado à gestão prática do cuidado e dos serviços, e o bacharel em Gerontologia, focado em análise, pesquisa, docência e formulação de políticas públicas.
Desde os anos 1990, a Gerontologia também está presente em cursos de pós-graduação lato sensu e stricto sensu, reunindo profissionais das Ciências da Saúde, Ciências Sociais Aplicadas — como Direito, Administração e Arquitetura — e Ciências Humanas, como Psicologia, Sociologia e Educação.
O tecnólogo é o executor e articulador de campo; o gerontólogo é o estrategista e o planejador de sistemas. Ambos são indispensáveis — e ambos podem atuar na governança, desde que o Estado reconheça formalmente suas competências.
Muitos profissionais, como eu — que vim da área de reabilitação —, ampliaram seus conhecimentos em saúde pública, criação de serviços, planos de cuidado, avaliação ambiental e orientação familiar, conforme as demandas exigiam novas respostas. Por isso, também me intitulo gerontóloga: um termo que, mais do que um título, expressa uma identidade construída pela prática e pela interdisciplinaridade.
O tecnólogo, o bacharel e o especialista seguem formações diferentes, mas compartilham o mesmo propósito: atuar pelo bem-estar e pela qualidade de vida das pessoas idosas.
A palavra gerontólogo vem do grego géron (velho, ancião) e lógos (discurso, razão, estudo), designando “aquele que estuda a velhice”. O termo surgiu no início do século XX, em diálogo com o médico russo Ilia Metchnikoff, que cunhou “gerontologia” como a ciência do envelhecimento.
Desde então, o conceito se expandiu. Deixou de se restringir à biologia e passou a abranger uma visão ampla do envelhecer, envolvendo uma diversidade crescente de profissionais necessários para atender às demandas do chamado mercado prateado.
No Brasil, essa ampliação gerou debates epistemológicos: quem é, afinal, o gerontólogo? Um cientista da velhice? Um profissional de saúde? Um gestor? Um educador social?
A resposta é: todos e nenhum ao mesmo tempo. A Gerontologia é, por natureza, uma ciência sem fronteiras — um território de travessia entre o biológico e o social, o humano e o institucional.
Por isso, a polêmica em torno do nome “gerontólogo” é mais simbólica do que prática. Fora do meio acadêmico e dos concursos públicos, o nome importa menos que o impacto do trabalho realizado.
As famílias não perguntam se você é tecnólogo, bacharel ou especialista; perguntam se você sabe cuidar, orientar e acolher. As instituições não contratam títulos, mas capacidade de resolver problemas complexos com sensibilidade e método.
O debate terminológico tem valor epistemológico, pois ajuda a consolidar identidades e fortalecer o campo. Mas é relevante, sobretudo, no âmbito dos concursos e planos de carreira, onde a nomenclatura define salários, atribuições e níveis hierárquicos.
A regulamentação da profissão de gerontólogo é, portanto, mais do que uma reivindicação de classe — é um ato de maturidade institucional. Ela possibilitaria a criação de cargos técnicos em saúde, assistência, educação e planejamento urbano, abriria vagas específicas em concursos públicos e garantiria à população idosa o direito a políticas formuladas por quem compreende o envelhecer em sua totalidade.
O reconhecimento legal daria segurança a universidades e ao setor privado para investir em equipes especializadas e carreiras estáveis. A ausência dessa regulamentação cria uma lacuna que compromete tanto a governança quanto o cuidado direto: o envelhecimento segue sendo tema difuso, sem dono, sem estrutura, sem orçamento.
Governança é o cuidado em escala institucional. É o modo como uma sociedade decide cuidar de si mesma. E envelhecer com governança é não deixar o tempo agir sozinho — é organizar o futuro com técnica, sensibilidade e propósito.
A regulamentação da Gerontologia e a criação de concursos públicos são, hoje, um passo inadiável. O envelhecimento populacional já não é um desafio distante — é o presente que exige direção.
Reconhecer a Gerontologia e abrir espaço para o gerontólogo — seja tecnólogo, bacharel ou especialista — na governança pública é construir uma memória coletiva, impedindo que cada gestão recomece do zero e apague as lições do passado.
Envelhecer, como governar, é um exercício de permanência: de cultivar o que resiste, refazer o que se perdeu e dar nome e lugar ao que ainda não tem voz.
O Brasil amadurece rápido demais para continuar improvisando. Talvez o verdadeiro sinal de maturidade de um país não seja apenas viver mais — mas saber o que fazer com os anos que conquistou. E, para isso, dar visibilidade à Gerontologia é essencial.