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Educar é ação
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Desigualdades raciais na identificação da educação especial

Como fatores socioeconômicos, territoriais e institucionais influenciam a subidentificação de estudantes negros e pardos no acesso ao atendimento educacional especializado

Philip Ferreira

23/12/2025 13h49

kids learning about universe

Foto: Freepik

Embora o Brasil não tenha registrado uma segregação escolar formal ao longo de sua história, a separação racial na educação se manifesta de forma estrutural. Estudantes negros e pardos estão concentrados em escolas localizadas em territórios de maior vulnerabilidade social, onde há menos recursos, menor infraestrutura, equipes incompletas e condições mais desafiadoras de aprendizagem. Essa distribuição desigual acompanha as disparidades de desempenho escolar, renda, oportunidades profissionais e mobilidade social que marcam a sociedade brasileira.

Um aspecto pouco discutido, mas fundamental para compreender parte dessas desigualdades, é a forma como estudantes são identificados para receber atendimento da educação especial. Em muitas análises superficiais, pode parecer que alunos negros e pardos aparecem com maior frequência nas estatísticas de necessidades educacionais especiais. Porém, quando comparamos estudantes com perfis socioeconômicos semelhantes, o cenário muda de maneira significativa.

Pesquisas e observações de redes de ensino mostram que estudantes negros e pardos tendem a ser menos identificados para o atendimento especializado do que estudantes brancos com características socioeconômicas e de saúde comparáveis. Isso indica que muitos estudantes podem estar deixando de receber os apoios pedagógicos, psicológicos e terapêuticos necessários para sua plena aprendizagem e desenvolvimento.

Como a composição das escolas afeta a identificação

O comportamento das taxas de identificação varia conforme a realidade de cada escola.

  1. Em escolas localizadas em áreas mais privilegiadas, com maior presença de estudantes brancos, há mais profissionais especializados ou parcerias com a saúde. As famílias possuem maior capital cultural para buscar diagnósticos, os professores têm mais acesso à formação continuada e a identificação tende a ocorrer com maior frequência e precisão.
  2. Em escolas de regiões periféricas, majoritariamente frequentadas por alunos negros e pardos, faltam equipes multiprofissionais completas. O acompanhamento individualizado é dificultado pela alta demanda e por turmas numerosas. Muitas dificuldades de aprendizagem são naturalizadas como consequência da pobreza ou tratadas como questões meramente disciplinares. O encaminhamento para avaliação, quando ocorre, costuma ser tardio ou inexistente, tornando a identificação mais rara.

Como resultado, alunos negros e pardos que estudam em escolas socialmente segregadas tendem a ser menos encaminhados para avaliação e atendimento especializado, ainda que apresentem sinais claros de necessidade. Essa subidentificação prejudica o acesso a direitos garantidos por lei e afeta o desenvolvimento acadêmico e socioemocional desses estudantes.

Fatores que influenciam a subidentificação

O processo de identificação no Brasil depende da atuação conjunta de professores, gestores, familiares e profissionais da saúde. Como esse processo não é padronizado e envolve subjetividade, surgem situações em que famílias com maior escolaridade conseguem pressionar por avaliações, escolas com poucos recursos enfrentam dificuldades para registrar, acompanhar e encaminhar casos, os diagnósticos dependem da rede pública de saúde, muitas vezes sobrecarregada, e vieses raciais, mesmo que inconscientes, influenciam expectativas e interpretações de comportamento.

Essa combinação faz com que estudantes brancos tenham maior probabilidade de receber diagnósticos formais, enquanto estudantes negros e pardos enfrentam mais barreiras para acessar seus direitos educacionais.

Consequências para a política educacional brasileira

As políticas nacionais de inclusão, como a Política Nacional de Educação Especial (2008) e a Lei Brasileira de Inclusão, garantem o direito ao Atendimento Educacional Especializado. No entanto, a efetivação desse direito é desigual entre regiões, redes e escolas.

Com base nessas evidências, é possível afirmar que não basta monitorar apenas o número de estudantes atendidos. É preciso analisar quem está sendo identificado e quais grupos estão ficando de fora. A subidentificação racial é um problema estrutural, pois restringe o acesso de estudantes negros e pardos aos recursos pedagógicos e terapêuticos necessários. Diagnósticos tardios aprofundam desigualdades, já que, quando o apoio não chega no momento adequado, o aluno acumula defasagens que impactam toda sua trajetória escolar. Monitorar a equidade exige incorporar fatores socioeconômicos e territoriais, pois simples comparações de números brutos não capturam injustiças profundas que ocorrem no cotidiano das escolas.

A identificação de estudantes para a educação especial no Brasil não é apenas uma questão técnica. Ela reflete desigualdades históricas, estruturais e raciais. Em escolas com menos recursos, onde a maioria dos estudantes é negra ou parda, a identificação tende a ser menor do que a real necessidade.

Assim, o grande desafio brasileiro não é o excesso de diagnósticos, mas o acesso insuficiente aos serviços especializados para os grupos mais vulneráveis. Enfrentar essa questão requer políticas públicas mais precisas, formações docentes consistentes, investimentos em equipes multiprofissionais e um olhar atento às desigualdades raciais que estruturam o sistema educacional.

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