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Do Alto da Torre
Do Alto da Torre

Onde está o verdadeiro golpe

Entre outras mudanças, a proposta tira a possibilidade de punir os magistrados por crime de deturpar interpretação da Constituição

Eduardo Brito

21/12/2022 19h55

O Senado está há uma semana discutindo a PEC da Transição, que enfrenta uma oposição resistente. Mas o que realmente deixou senadores enfurecidos foi o projeto de lei redigido pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, para mudar a legislação que rege o impeachment. Só para lembrar, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, constituiu um grupo informal, presidido por Lewandowski, para estudar essas normas.

O texto entregue pelo grupo a Pacheco, na prática, blinda as autoridades e praticamente inviabiliza os processos de impeachment – em especial dos próprios ministros do Supremo, que são julgados pelo Senado. “Esse é o verdadeiro golpe de estado”, acusou o senador Plínio Valério, do PSDB do Amazonas. 

Entre outras mudanças, a proposta tira a possibilidade de punir os magistrados por crime de deturpar interpretação da Constituição. “Nós não estamos aqui para blindar, pelo contrário, a gente está aqui para fazer leis pelo bem do país, e para cumprir com as nossas prerrogativas, que são deveres nossos – e um deles é combater desmandos de ministro do Supremo”, disse Plínio Valério da tribuna.

A iniciativa de Lewandowski foi associada, claro, à canetada com que o também ministro Gilmar Mendes se impôs ao Congresso e desidratou a PEC da Transição, liberando os gastos pedidos pelo novo governo. “É inadmissível discutirmos tanto a questão do Auxílio Brasil e da retirada do teto, mas, com uma canetada, o Supremo modificar tudo isso, querendo que a gente aceite tudo calado”, advertiu o senador brasiliense Izalci Lucas, em aparte a Plínio Valério.

Os pontos de blindagem

Em um levantamento inicial, o senador Plínio Valério já identificou oito pontos de blindagem dos ministros no anteprojeto. Na lista: 1. Hoje basta um cidadão para fazer a denúncia que pode resultar em processo de impeachment. Com a mudança serão precisas 1 milhão e 564 mil assinaturas. 2. Em sentido contrário, podem acionar impeachment todos os sindicatos, inclusive entidades fantasmas, criadas só para usufruir do extinto imposto sindical. 3. Deixa de ser motivo de impeachment, para ministros do Supremo, “ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo ou proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções”. 4. Ao contrário do que acontece com outros cargos, processos contra ministros do Supremo não têm prazos em seu andamento. 5. Magistrados deixam de ser punidos por crime de responsabilidade por interpretação manipulada da Constituição. 6. Afasta-se a possibilidade de condená-los pelo chamado “crime de hermenêutica”. 7. Estabelecem-se votações diferentes para a perda do mandato e a manutenção dos seus direitos políticos, o que soa como uma legitimação a posteriori da manobra, conduzida pelo próprio Lewandowski que preservou os direitos políticos e eleitorais da ex-presidente Dilma Rousseff, sete anos atrás. 8. Impede-se que requeiram impeachment entidades significativas, como a ABI, que denunciou o então presidente Fernando Collor.

Não é a Casa de Noca

Com o apoio de outros senadores, Plínio Valério apostou na rejeição do texto de Lewandowski, mesmo que venha a ser apresentado pela Mesa Diretora. Dirigindo-se ao presidente Rodrigo Pacheco, avisou: “aqui é o Senado da República, não é a Casa da Noca, merece respeito e esse pessoal está nos desrespeitando quando acha que vamos blindar os ministros”.

Foi aparteado pelo goiano Jorge Kajuru, que procurou desvincular o protesto de correntes políticas, lembrando que Plínio Valério e outros senadores são independentes e que em outro protesto contra a ação de ministros do Supremo, a bancada bolsonarista foi forçada pelo Planalto a recuar. Foi um dos fatores que levou a também senadora Soraya Thronicke a romper com Bolsonaro.  

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