Por André Cunha, historiador e escritor
O eufemismo é uma figura de linguagem cuja função consiste em suavizar uma mensagem com o objetivo de mitigar a dureza da realidade e torná-la mais suportável. Por exemplo, ao explicar para uma criança que alguém morreu, é comum usar eufemismos como “foi morar com o papai do céu”, “dormiu para sempre” ou “virou uma estrelinha.”
Um dos mais populares eufemismos utilizados no Brasil para se referir a alguém assassinado é “teve o CPF cancelado.” A expressão diz muito sobre a nossa cultura burocrática, onde até os mortos são vistos mais como um número numa planilha do que como alguém de carne e osso.
Muitas vezes, ao dar a notícia que um paciente está com os dias contados, médicos empregam o eufemismo “está desenganado”, o que, convenhamos, soa bem melhor que “a metástase saiu do controle” ou “o organismo encontra-se neste preciso momento em veloz processo de falência múltipla dos órgãos.”
Segundo o dicionário Aurélio, desenganar é um verbo transitivo direto que significa “1. Tirar do engano; 2. Tirar as esperanças de cura, de salvação; 3. Sair do engano; 4. Desiludir-se.”
Todos sabemos que somos mortais, que morreremos um dia, mas nos enganamos pensando que a morte não é para agora, pelo menos no curto prazo. Fiar-se nesse logro, nessa mentira de pernas curtas, nessa ilusão de que a coisa toda vai durar mais um pouco, é o que chamamos, grosso modo, de vida.
Quando a pandemia do coronavírus começou, muitos julgaram os prognósticos pessimistas e/ou superestimados. A crise não era tão grave assim, alegavam. E diziam: “não é possível que essa doença seja tão mortífera! Deve haver um engano!” O colapso do sistema de saúde em países como Itália e Espanha e as imagens macabras de caminhões transportando em cortejo centenas de corpos provaram que não havia engano algum. Era aquilo mesmo. No duro.
Não nos enganemos. Já estamos desenganados.