Nesta coluna, convidamos a professora Aline Agustinho e sua aluna Marissol Campos, ambas da faculdade Unieuro, para refletirem sobre a interseção entre o luto e a tecnologia. Todos enfrentam a dor da perda e buscam maneiras de lidar com a ausência de um ente querido. A oscilação entre aceitar e resistir à ideia de um reencontro impossível é uma constante nos pensamentos de quem vive o luto. Alguns, na tentativa de lidar com a dor, buscam recursos que preservem o vínculo perdido. Esse processo de assimilação envolve tanto aspectos intelectuais quanto emocionais, exigindo tempo e reflexão (Franco, 2021). Mas e se a tecnologia pudesse permitir, mesmo que de maneira simulada, essa interação?
É isso que algumas empresas estão propondo com ferramentas baseadas em inteligência artificial generativa, capazes de criar conteúdos inéditos como áudios, textos, imagens e vídeos a partir de grandes volumes de dados e padrões de linguagem humana. O exemplo mais conhecido é o ChatGPT, mas novos avanços têm surgido, especialmente no campo do luto. Nos últimos anos, começaram a se popularizar os griefbots (robôs do luto), programas que simulam conversas com entes queridos falecidos. Startups como a chinesa Silicon Intelligence e a sul-coreana DeepBrain AI estão na vanguarda deste setor, criando avatares digitais altamente realistas que imitam voz, aparência, expressões faciais e até traços de personalidade.
Quanto mais registros digitais, como fotos, vídeos, áudios e descrições da pessoa, mais precisa e personalizada será a simulação. A promessa é de um “reencontro” e uma “imortalização” que combinam a inovação tecnológica com o desejo humano de manter vínculos sociais, evitando o doloroso enfrentamento da ausência.
Além disso, a rede social experimental ETER9 oferece a criação de um “segundo eu” virtual, baseado nas interações online do usuário. Essa inteligência artificial aprende com os comportamentos e mantém a presença do usuário ativa na rede, interagindo e publicando conteúdos de acordo com sua personalidade e interesses, mesmo após sua morte.
Mas como essas tecnologias impactam o processo de luto? O luto é um fenômeno natural, com manifestações de tristeza, típicas de rompimentos. A tentativa de substituir a presença do falecido pode retardar o enfrentamento necessário, perpetuando a dor. A longo prazo, a pessoa pode precisar de suporte profissional especializado, como psicólogos ou psiquiatras, para lidar com a perda.
No entanto, não podemos ignorar o fato de que as tecnologias digitais, como memoriais e fóruns online, já ajudaram a restaurar a expressão pública do luto, perdida ao longo do século XX. Durante perdas abruptas ou quando a ritualística de despedida não foi possível — como em muitos casos durante a pandemia — o uso dessas ferramentas pode auxiliar no processo de elaboração do luto. Embora seja importante estar aberto a inovações, os griefbots ultrapassam a função memorial, o que levanta questões preocupantes para pesquisadores da área.
Pesquisas internacionais sugerem que a busca por interações com réplicas digitais pode estar ligada à solidão, à dificuldade em formar novos vínculos, ou ao medo de sobrecarregar amigos e familiares com a dor. Outros fatores incluem a necessidade de resolver questões pendentes, se despedir simbolicamente e preservar memórias.
No entanto, há riscos. A segurança dos dados pessoais é uma preocupação central, assim como os custos financeiros elevados dos serviços, que exigem pagamento para experiências mais completas. Falhas técnicas podem resultar em respostas insensíveis, agravando ainda mais a dor.
Embora interagir com essas simulações possa trazer alívio momentâneo, os efeitos psicológicos dessas experiências são pouco conhecidos. Segundo Wiederhold (2024), fotografias e objetos pessoais já são usados em psicoterapia para estimular a expressão de emoções e memórias, e os griefbots poderiam ter um papel semelhante. No entanto, principalmente nos estágios iniciais do luto, essa presença digital pode alimentar a ilusão de continuidade e retardar a aceitação da perda, prejudicando a elaboração do luto.
Outro ponto crítico é que, apesar dos avanços, a inteligência artificial ainda não consegue capturar a complexidade de uma personalidade humana. Se a interação parecer artificial, pode agravar a dor ao invés de confortar.
Pizolli et al. (2024) afirmam que fatores como estilo de apego, qualidade dos relacionamentos, circunstâncias da morte e sintomas psicológicos prévios influenciam profundamente a vivência do luto. Quando combinados com a tecnologia, esses fatores podem gerar alívio momentâneo, mas também reforçar mecanismos de negação e aumentar a probabilidade de um luto complicado.
Além das questões psicológicas, a aceitação dessas tecnologias varia conforme as tradições culturais e religiosas de cada sociedade. Questões éticas relacionadas à privacidade e ao consentimento também emergem: quem tem o direito de manter ou apagar a presença digital de alguém que já faleceu?
No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) de 2018 representou um avanço, mas ainda não contempla dados de falecidos. O destino das contas digitais é decidido pelos Termos de Serviço das plataformas, como o “Gerenciador de Contas Inativas” do Google ou o “Contato Legado” do Facebook. Essas ferramentas ainda são pouco disseminadas, e as empresas priorizam seus próprios interesses comerciais.
O fato é que as tecnologias digitais e a inteligência artificial vieram para ficar. Isso levanta questões sobre quem será responsabilizado em casos de danos emocionais ou violações da imagem de falecidos. A ausência de regulamentação específica coloca os usuários em uma zona de vulnerabilidade. Embora o luto possa ser postergado, ele não pode ser evitado. Mais cedo ou mais tarde, a realidade exigirá uma reorganização interna e prática. Para isso, devemos confiar na principal rede: a humana.
Até a próxima.