Menu
Ciência da Psicologia
Ciência da Psicologia

Avaliação psicológica, parte 2: o perigo da decisão do STF

STF demonstrou equívoco ao não restringir comercialização e o uso de manuais de testes psicológicos a profissionais inscritos no CFP

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

14/03/2023 5h00

Atualizada 13/03/2023 18h13

Foto: Divulgação

Na semana passada, procurei explicar minimamente o que seria uma avaliação psicológica e alertar para a exclusividade do psicólogo para realização de avaliações psicológicas, independentemente da decisão do dia 5 de março de 2021, onde o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3481 e declarou inconstitucionais os dispositivos da Resolução n 02/2003 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) sobre a comercialização de testes psicológicos.

Na decisão supracitada, o relator, ministro Alexandre de Moraes, fez uma diferenciação entre a aplicação de testes psicológicos (com a finalidade de diagnóstico, orientação ou tratamento) e os produtos editoriais destinados a fornecer elementos informativos para a melhor execução de avaliações psicológicas. O diagnóstico e a orientação psicológica devem ser executados apenas por profissional habilitado, que deverá utilizar como ferramenta apenas os testes previamente certificados pelo CFP. Por outro lado, o mero acesso ao conteúdo de um teste psicológico, como a qualquer livro ou publicação científica, “não habilita ninguém à prática de atos privativos dos profissionais inscritos no respectivo conselho”. Ele comparou a situação a restringir a aquisição de manuais e livros jurídicos a advogados com registro na OAB.

A ação é um exemplo claro da total ignorância do relator e daqueles que com ele votaram acerca dos processos psicológicos, uma vez que, de posse de tais materiais antes exclusivos aos psicólogos, futuros candidatos, mesmo sem saber o que se está avaliando, podem ter acesso as respostas corretas dos testes psicológicos, comprometendo assim resultados e colocando a sociedade em perigo.

Neste sentido, é importante lembrar que para se ter o porte de uma arma de fogo é preciso que o cidadão passe por uma avaliação psicológica; para se ter uma carteira de motorista é preciso uma avaliação psicológica; para se ocupar determinadas funções, como por exemplo, policial militar, civil ou federal, é preciso uma avaliação psicológica. Permitir acesso a material restrito ao psicólogo, e aqui me refiro a manuais dos testes e os próprios testes, mesmo que a pessoa não possa aplicá-los ou utilizá-los, é abrir espaço para o aumento de tragédias já presenciadas como assassinatos cometidos por arma de fogo (com pessoas habilitadas), ou ainda, acidentes de carro causado por pessoas que não poderiam estar dirigindo devido a déficits cognitivos e/ou dinâmica da personalidade desestruturada.

Neste ponto, o amigo leitor deve estar pensando: “Mas se já ocorre, qual problema da decisão do STF?”

O problema é que a decisão do STF fez um desfavor à população, pois ao invés de apertar a lei contra aqueles que burlam o sistema, se uniu aos fraudadores legitimando suas ações. Afinal, não é aleatoriamente que o código de ética do psicólogo, em seu Art. 18, informa que o psicólogo não divulgará, ensinará, cederá, emprestará ou venderá a leigos instrumentos e técnicas psicológicas que permitam ou facilitem o exercício ilegal da profissão, já que, de posse do manual, qualquer pessoa vai ter acesso à ficha-síntese do teste (com objetivo, público-alvo, material, aplicação e correção) e exemplo(s) de utilização, contemplando a administração, aferição, análise e interpretação dos resultados.

Não serei hipócrita em não admitir que existem pessoas que ensinam os testes, inclusive psicólogos, o que claramente é um atentado e deveria ser crime hediondo, já que, como abordado, a fraude no teste psicológico pode dar acesso a pessoas inaptas a armas de fogo, veículos etc. Assim, não usar o rigor da lei para proteger o cidadão é um desserviço, e não uma restrição desproporcional e ofensiva aos postulados constitucionais da liberdade de manifestação do pensamento e de acesso à informação, como pregou o relator.

Diante do exposto neste post, lembro ainda que a restrição imposta pelo CFP e adotada em diversos países é forma de prevenção de diagnósticos infundados e condição necessária para a integridade do instrumento de avaliação psicológica. Da mesma forma que é razoável restringir o acesso a obras que tratam de dados relativos a diagnóstico, orientação e tratamento psicológico aos profissionais inscritos em conselho profissional, para garantir a integridade e a segurança do material e salvaguardar a atividade profissional.

Infelizmente, para determinados cargos, não é necessária uma avaliação psicológica.

Até o próximo texto da série.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado