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Ciência da Psicologia
Ciência da Psicologia

As teorias da personalidade e o modelo Big Five

Da Psicanálise à Psicologia Contemporânea, um percurso pelas principais teorias que moldaram o entendimento da personalidade e sua conexão com o modelo dos cinco grandes traços

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

12/11/2025 12h22

olympus digital camera

Foto: Freepik

O estudo da personalidade é uma das áreas centrais da Psicologia, reunindo diferentes abordagens que buscam compreender o que torna cada indivíduo único. Desde as teorias psicanalíticas até os modelos contemporâneos de traços, como o Big Five, cada perspectiva adiciona uma peça importante ao mosaico da compreensão humana. Esse campo não se limita à investigação dos aspectos mais profundos da experiência individual: ele também propõe modelos práticos para avaliar e compreender a conduta.

Com o avanço da psicometria e o crescimento da produção científica sobre personalidade, especialmente a partir da segunda metade do século XX, surgiu a necessidade de integrar abordagens clássicas a modelos mais mensuráveis e aplicáveis em contextos diversos. Nesse cenário, o Big Five desponta como uma proposta integradora, ao mesmo tempo em que suscita reflexões críticas sobre os limites da mensuração da subjetividade humana.

Na Psicanálise, por exemplo, Freud e Adler oferecem contribuições fundamentais. Sigmund Freud propôs que a personalidade emerge do conflito entre id, ego e superego, enfatizando os processos inconscientes e a importância das experiências infantis (Freud, 1923). Sua abordagem estruturalista permite compreender traços emocionais intensos, como ansiedade, impulsividade ou inibições, que se manifestam na vida adulta. Ao relacionar essa perspectiva ao Big Five, é possível notar correspondências conceituais, como a associação entre altos níveis de neuroticismo e conflitos inconscientes não resolvidos, especialmente quando o ego falha em mediar as tensões entre os desejos do id e as exigências do superego.

Alfred Adler, por sua vez, deslocou o foco da Psicanálise para a motivação social e o sentimento de inferioridade, sugerindo que a personalidade é moldada pelo esforço de superação dessas dinâmicas (Adler, 1957). Essa visão introduz uma dimensão teleológica ao desenvolvimento da personalidade, antecipando aspectos presentes na Abertura a Experiências e na Conscienciosidade do Big Five, já que indivíduos movidos pela busca de crescimento e aperfeiçoamento tendem a apresentar maior abertura ao novo.

O Behaviorismo, com B. F. Skinner, apresentou uma perspectiva radicalmente distinta. Para ele, a personalidade é um conjunto de comportamentos moldados e reforçados pelo ambiente (Skinner, 1974). Nesse sentido, não há traços internos, mas sim repertórios de respostas condicionadas resultantes da interação com o meio. Ainda assim, é possível estabelecer um diálogo conceitual com o Big Five, pois comportamentos repetidos em diferentes contextos podem cristalizar-se em padrões reconhecíveis, como alta conscienciosidade, decorrente do reforço de comportamentos organizados, ou baixa extroversão, em contextos onde a socialização foi punida ou não reforçada. Assim, o cruzamento entre comportamento observável e traços mensuráveis sugere certa convergência funcional, mesmo que partam de pressupostos epistemológicos distintos.

Na psicologia humanista, Carl Rogers trouxe a ideia de que a personalidade se desenvolve em direção à autoatualização, com foco na experiência subjetiva e na aceitação incondicional (Rogers, 1961). Sua visão enfatiza a congruência entre o self real e o ideal, além da importância de um ambiente facilitador para o crescimento pessoal. O traço de Abertura a Experiências, no Big Five, dialoga fortemente com os valores rogerianos: curiosidade, imaginação, apreciação estética e abertura ao novo se conectam diretamente à busca por autenticidade e crescimento. Da mesma forma, altos níveis de Afabilidade, ligados à empatia, cooperação e calor humano, se aproximam dos ideais rogerianos de escuta ativa e aceitação incondicional.

Na abordagem Cognitivo-Comportamental, Aaron Beck propôs que a personalidade é influenciada por esquemas cognitivos, ou padrões de pensamento, que determinam como interpretamos e reagimos ao mundo (Beck, 1967). Esses esquemas moldam as crenças centrais de cada indivíduo, influenciando seu comportamento e suas emoções. Tal perspectiva se reflete nos traços do Big Five, que podem ser compreendidos como expressões de esquemas persistentes. O neuroticismo, por exemplo, pode estar associado a crenças de vulnerabilidade; a conscienciosidade, a crenças de controle e competência; e a extroversão, a crenças de autoeficácia social. Assim, os traços mensuráveis ganham base teórica como expressões cognitivas duradouras, úteis à avaliação clínica e a intervenções personalizadas.

No Psicodrama de Jacob Moreno, a personalidade é vista como um conjunto de papéis desempenhados nas interações sociais, com ênfase na espontaneidade e na criatividade (Moreno, 1946). Essa abordagem rompe com modelos internalistas e introduz a relação e a performance como eixos da identidade. O Big Five se conecta a essa visão, especialmente pelos traços de Extroversão, que refletem a fluidez nas interações, e de Afabilidade, relacionada à empatia e à colaboração. A espontaneidade, por sua vez, aproxima-se da Abertura a Experiências, indicando flexibilidade cognitiva e emocional diante de novos papéis e contextos.

As teorias da Gestalt e a Fenomenologia também oferecem importantes contribuições. A Gestalt compreende a personalidade como um processo de integração perceptual e vivencial entre o organismo e o ambiente. A experiência é um todo dinâmico, no qual a pessoa busca completar gestalten interrompidas, construindo sentido e continuidade. Essa visão destaca a consciência do aqui e agora, a autorregulação organísmica e o contato autêntico com o meio. Quando relacionada ao Big Five, a Abertura a Experiências pode ser entendida como a capacidade de integrar novas percepções, enquanto a Conscienciosidade reflete a tendência de concluir ciclos e organizar a experiência.

A Fenomenologia, especialmente nas perspectivas de Husserl e Merleau-Ponty, propõe que a personalidade é compreendida a partir da vivência subjetiva do sujeito no mundo. Não há uma essência fixa, mas um vir-a-ser constante, em que a percepção de si e do mundo é central. Essa concepção nos convida a entender os traços do Big Five não como rótulos imutáveis, mas como modos de expressão da presença do sujeito no mundo.

A Psicanálise Junguiana, por sua vez, amplia o olhar sobre a personalidade ao incluir o inconsciente coletivo e os arquétipos. Para Carl Gustav Jung, a personalidade é um sistema dinâmico em busca de individuação, a integração dos opostos internos, como sombra, anima ou animus e self. Seus tipos psicológicos, como introversão e extroversão, e as quatro funções psíquicas, pensamento, sentimento, sensação e intuição, antecipam, de certo modo, dimensões exploradas no Big Five. A introversão e a extroversão, por exemplo, correspondem diretamente a um dos cinco grandes traços. Além disso, Jung nos lembra que os traços de personalidade não são apenas padrões comportamentais, mas expressões simbólicas de uma jornada psíquica em direção à totalidade do self.

O modelo dos cinco grandes traços, o Big Five, oferece, portanto, uma estrutura contemporânea capaz de integrar visões diversas. Enquanto as teorias clássicas exploram os processos internos, sociais e simbólicos, o Big Five permite organizar esses aspectos em dimensões empiricamente mensuráveis: Abertura, Conscienciosidade, Extroversão, Afabilidade e Neuroticismo (McCrae & Costa, 1997). À medida que a Psicologia avança para novas fronteiras, como a avaliação digital da personalidade, o uso de dados comportamentais via smartphones e a integração com neurociências e inteligência artificial, o Big Five continua sendo reformulado e aprofundado.

Ainda assim, talvez a pergunta mais relevante não seja qual teoria é a mais correta, mas o que cada uma revela e o que cada uma oculta sobre a condição humana. O Big Five quantifica, organiza e prediz. As abordagens clássicas desvelam, questionam e desestabilizam. No encontro entre a medida e o mistério, entre a estatística e o simbólico, surge o verdadeiro desafio: ousamos conhecer a personalidade ou apenas descrevê-la?

O estudo da personalidade, afinal, não é apenas um mapeamento de traços, mas um convite à travessia. Um chamado à escuta profunda do humano em sua forma mais plena, paradoxal e inacabada. E talvez seja exatamente nessa incompletude que resida o verdadeiro poder de compreender a personalidade: não em capturá-la, mas em aprender a dançar com seus contornos mutantes.

Até a próxima.

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