Aporta em Brasília uma nova moda para as empresas gastarem dinheiro na esperança de realizarem contratações mais eficazes ou mesmo de “avaliarem” a “cognição” de seus funcionários. Impressiona-me a capacidade narrativa das pessoas que vendem tais soluções, especialmente quando afirmam que os testes psicológicos não seriam objetivos, mas que sua metodologia baseada na teoria de Elliott Jaques representaria uma verdadeira objetividade.
O curioso é que a teoria da Organização Requisitada (Requisite Organization), criada por Jaques, nunca obteve comprovação científica nem mesmo em sua época. Ainda assim, em pleno 2025, sem qualquer prova de replicabilidade ou base psicométrica, essa teoria tem sido apresentada no mercado de Brasília — e no Brasil — como algo inovador e objetivo.
Elliott Jaques e suas obras
Elliott Jaques (1917–2003) tornou-se conhecido por desenvolver a Teoria da Organização Requisitada, que defende que as organizações precisam ser estruturadas em níveis claros de complexidade, alinhando a capacidade cognitiva dos indivíduos às exigências dos cargos. Livros como Requisite Organization (1989, revisado em 1996), Human Capability (1994) e Social Power and the CEO (2002) detalham esse pensamento, aplicando-o tanto às funções hierárquicas quanto ao papel dos líderes.
Estratificação e organização
A ideia central é que, em qualquer organização, existem níveis distintos de complexidade, e cada cargo deve corresponder a um nível adequado. Em outras palavras: não adianta colocar uma pessoa com cognição mais simples para resolver problemas altamente complexos, nem alguém com grande capacidade em funções pouco exigentes.
Jaques propôs que as organizações possuiriam camadas naturais de trabalho, cada uma com um horizonte de tempo e grau de complexidade diferentes. Assim, cargos operacionais lidariam com tarefas imediatas e concretas, enquanto posições de liderança exigiriam estratégias de longo prazo e pensamento abstrato.
Capacidade cognitiva
Em Human Capability, Jaques argumenta que cada indivíduo possui um nível de capacidade cognitiva que pode ser identificado e que deve se alinhar à complexidade do cargo. Essa correspondência garantiria um funcionamento organizacional mais eficiente.
O autor chama de time span of discretion o horizonte de tempo em que alguém consegue pensar e planejar. Para ele, esse seria o critério mais adequado para avaliar se a pessoa está ou não compatível com as demandas de determinada função.
Aplicações práticas
No livro Requisite Organization, Jaques detalha como implementar essa estrutura para criar organizações mais eficientes, com lideranças mais alinhadas e menos conflitos de papel. A proposta se apoiava na observação de que alguém capaz de planejar e executar tarefas que duram algumas semanas tem um horizonte menor do que alguém que consegue gerir projetos de longo prazo, ao longo de anos.
Assim, redesenhar estruturas organizacionais com base nesse modelo teria como objetivo evitar tanto o subdimensionamento (pessoas com mais capacidade do que o cargo exige) quanto o superdimensionamento (cargos que demandam mais do que o indivíduo pode entregar).
A fragilidade científica
Apesar de sua popularidade em alguns círculos, a teoria de Jaques não se apoia em comprovação científica sólida. Ele não utilizava testes psicométricos, mas apenas análises sobre o tipo de tarefa e o prazo que uma pessoa conseguia gerenciar confortavelmente. Atribuía, então, um nível de complexidade cognitiva com base nesse “time span” e o relacionava ao cargo.
Embora dialogasse com autores como Wilfred Brown, Robert Kegan (desenvolvimento adulto) e Michael Commons (modelo de complexidade hierárquica), que também exploraram o tema da cognição e da complexidade organizacional, o sistema de Jaques permaneceu altamente subjetivo, sem evidências replicáveis e deixando lacunas significativas. Entre elas, a dificuldade de avaliar neurodivergentes.
O perigo da pseudociência
É sempre importante lembrar que a psicologia é uma ciência, não um amontoado de técnicas avulsas. Como bem aponta Mario Donadio, trata-se de um risco quando se reduz a área a modelos frágeis — ou, em suas palavras, a um modelo “ANTA” de se trabalhar e formar pessoas.
Metodologias como essa trazem prejuízos aos processos de recrutamento e seleção, enfraquecendo a confiança em métodos cientificamente validados e aumentando os custos desnecessários com contratação e recontratação.
Dessa forma, mesmo diante do ditado popular que diz: “todo dia sai na rua um otário e um esperto. Se eles se encontram, sai negócio”, é nosso dever, como profissionais da psicologia, defender a ciência em detrimento da pseudociência.
Até a próxima…