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Ciência da Psicologia
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A engenharia do consentimento e a política brasileira

Como técnicas de persuasão moldam opiniões, constroem narrativas e definem o rumo das democracias modernas — inclusive a nossa

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

16/10/2025 11h07

young people using reels

Foto: Freepik

Vivemos em uma época em que a informação circula em uma velocidade jamais imaginada. Redes sociais, aplicativos de mensagens, podcasts e lives transformaram cada cidadão em um consumidor incessante de narrativas. Mas será que realmente percebemos quem está por trás da construção dessas histórias?

O termo “engenharia do consentimento”, cunhado por Edward Bernays — considerado o “pai das Relações Públicas modernas” — surgiu no livro homônimo publicado em 1947. Bernays, sobrinho de Sigmund Freud, utilizou conceitos da psicanálise, da psicologia social e da comunicação para desenvolver estratégias capazes de influenciar a opinião pública. Na obra, ele descreve um conjunto de técnicas de persuasão usadas para moldar percepções coletivas.

Bernays acreditava que, em uma democracia, a verdadeira disputa não acontecia apenas nas urnas, mas no campo simbólico — aquele em que slogans, imagens e emoções valem mais que dados frios e discursos racionais. Em outras palavras: não basta governar, é preciso conquistar continuamente o coração e a mente das pessoas.

A engenharia do consentimento, portanto, refere-se ao uso sistemático de técnicas de persuasão e manipulação simbólica para moldar percepções, direcionar comportamentos e legitimar decisões políticas, econômicas e sociais. A ideia central é que a democracia moderna depende não apenas da participação eleitoral, mas também da capacidade de formar consensos sociais — muitas vezes de forma invisível aos próprios indivíduos.

No Brasil, essa lógica nunca foi tão evidente. O eleitorado é constantemente bombardeado por mensagens que vão além da informação: elas buscam provocar medo, esperança, indignação ou orgulho. Cada postagem, cada vídeo e até o silêncio calculado de um líder político podem ser compreendidos como parte de um projeto mais amplo de engenharia do consentimento.

Quando celebramos ou repudiamos com fervor a condenação de um político, por exemplo, não estamos apenas expressando uma opinião; estamos reagindo a um cenário cuidadosamente construído para despertar determinadas emoções. A comemoração pela derrota do adversário, muitas vezes, importa mais do que a análise da decisão em si. É a política transformada em espetáculo, em torcida organizada, onde o racional se mistura ao visceral.

Esse fenômeno levanta uma questão incômoda: até que ponto nossas escolhas são realmente livres e conscientes? E até que ponto somos guiados, quase sem perceber, por narrativas estrategicamente desenhadas para nos manter em determinado campo ideológico?

Principais características da engenharia do consentimento

  • Psicologia aplicada: uso de conhecimentos sobre desejos, medos e motivações inconscientes para estruturar campanhas.
  • Mídia como veículo: jornais, rádio, TV e, atualmente, as redes sociais funcionam como ferramentas de difusão em larga escala.
  • Construção de narrativas: criação de símbolos, slogans e imagens capazes de gerar identificação emocional.
  • Legitimação do poder: governos, empresas e grupos de interesse utilizam essas estratégias para obter aceitação social de políticas, produtos ou ideologias.

Um exemplo clássico é a campanha das “Tochas da Liberdade” (1929), em que Bernays incentivou mulheres a fumar em público como um ato de emancipação feminina. O objetivo real, porém, era ampliar o mercado consumidor das companhias de tabaco.

Mais do que denunciar manipulações, pensar a engenharia do consentimento é um convite à reflexão crítica. Em vez de rejeitar automaticamente o que vem “do outro lado”, cabe perguntar: quem ganha com a forma como me apresentam esta história? A democracia só se fortalece quando os cidadãos aprendem a olhar além da superfície, reconhecendo os mecanismos que tentam direcionar sua atenção, seu medo e seu desejo.

No cenário brasileiro, compreender a engenharia do consentimento não é apenas um exercício acadêmico — é uma necessidade urgente para quem deseja participar da vida política de forma ativa e consciente. Afinal, em tempos de polarização extrema, talvez o maior ato de resistência seja exatamente este: não permitir que pensem por nós.

Até a próxima.

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