Menu
Bastidores
Bastidores

O despacho de gaveta no plano de golpe

Vladimir Porfírio

17/09/2025 5h00

ccj

Plenário da CCJ da Câmara. Foto: Agência Câmara

Um despacho de gaveta na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, a poderosa CCJ, evitou que o principal núcleo da tentativa de golpe de Estado de 2022/23 corresse o risco de ser enquadrado no crime de conspiração.

Inexistente no Brasil, mas protagonista em tribunais de países como os Estados Unidos, a previsão do crime de conspiração puniria a tentativa de golpe na sua concepção, mas espera, desde 2019, pela indicação de um relator na CCJ.

Comandada por políticos ligados ao bolsonarismo, quase sempre identificados com a bandeira do combate ao crime, a CCJ teve tempo de sobra para avançar na tramitação desse PL, mas preferiu a indiferença.

Uma declaração do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, após a sentença de condenação dos golpistas, revelou que o alcance desse despacho de gaveta era uma aposta da cúpula bolsonarista. As declarações do Cacique do PL, inclusive, indicam que a falta do crime de conspiração estava na conta dos planos golpistas, para o caso de um recuo. Em Itu, no fim de semana, Costa Neto surpreendeu ao dizer:

Enquanto a proposta dorme junto de outros projetos esquecidos na câmara dos deputados, membros de facções criminosas seguem imunes quando organizam sequestros e assassinatos por celulares dentro de presídios. Sem a tipificação, o bandido não é incomodado quando a polícia intercepta um plano antes da execução. A prova de que houve articulação, a trama, ainda não serve para responsabilização penal.

O deputado Fernando Rodolfo (PE), então no PHS quando apresentou a proposta, conta que a ideia veio de um procurador da República que se queixava da lacuna. Ele lembra que se multiplicam as encomendas de assassinato de juízes e promotores sem que a fase de planejamento seja punida. Hoje filiado ao PL, Rodolfo também defende que a tipificação serviria contra tramas de corrupção.

A simples confirmação do rascunho de um decreto de exceção, das mensagens trocadas, das reuniões e da logística para impedir a posse de um presidente eleito já bastaria para condenação rápida, com base no crime de conspiração. Sem hermenêuticas duvidosas nem retórica vazia.

O STF que condenou os réus pelos crimes de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado também poderia ter condenado os réus pela conspiração para o golpe. Não necessariamente nessa mesma ordem. Mas aumentando a conta da dosimetria, que chegou a 27 anos e 3 meses de cadeia para o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Nos Estados Unidos, esse crime é um dos pilares da Justiça criminal: a conspiração se consuma no instante do acordo. Foi assim no caso do ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Stewart Rhodes, fundador dos Oath Keepers, recebeu 18 anos por “seditious conspiracy”. Enrique Tarrio, líder dos Proud Boys, pegou 22. Outros, mesmo sem entrar no Congresso, foram condenados pela articulação. A Justiça americana não precisa esperar o crime consumado. Ela pune a trama.

Aqui, o STF patrocinou a justiça, apoiado em provas e e testemunhos consignados no relatório do Ministro Alexandre de Moraes. Mas dispunha de armas legais obsoletas, incapazes de capturar a essência da conspiração. Ficou a sensação, na sentença, de que ainda falta o alcance efetivo do momento em que vontades criminosas se uniram para derrubar o Estado de Direito.

Advogados consultados alertam para riscos de abuso: uma tipificação vaga poderia criminalizar meras conversas ou divergências políticas. Faz sentido. Mas isso se resolve com salvaguardas, exigindo participação de duas ou mais pessoas e provas claras do objetivo comum.

Trata-se, no mínimo, de uma “dormida de touca” do Congresso, ignorada pela maior parte de seus membros. Algo que destoa da diligência atribuída ao presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB).

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado