Estamos preparados para lidar com uma população cada vez mais longeva? Para a geriatra Sumika Mori, ainda há muito a ser feito. Ela diz que com o aumento da expectativa de vida, o Brasil enfrenta novos desafios estruturais, como repensar o sistema de saúde, a aposentadoria e a inclusão social. Contudo, isso também nos convida a transformar a maneira como a gente se cuida ao longo da vida. “O autocuidado é uma das ferramentas mais poderosas para a longevidade emocional: cultivar vínculos afetivos, manter-se ativo mentalmente, reconhecer e lidar com emoções e buscar ajuda quando necessário são atitudes que sustentam uma vida longa e com sentido”, afirma.

Segundo a especialista, otimismo e expectativa de vida são palavras que caminham lado a lado, porém a primeira está ligada a escolhas mais saudáveis, maior resiliência diante das adversidades e melhor adesão a tratamentos. Sumika ressalta que ser otimista não significa negar os problemas, mas confiar que é possível enfrentá-los com apoio, conhecimento e ação.
Solidão e isolamento na terceira idade
A geriatra destaca que o primeiro passo é reconhecer que a solidão não é uma falha pessoal, mas um problema de saúde pública. Muitas vezes, ela surge da perda de papéis sociais, do luto ou de barreiras físicas. Confrontar o isolamento exige esforço coletivo: criar espaços de convivência, estimular a participação social e investir em acessibilidade. Do ponto de vista individual, Sumika reforça que pequenos gestos ajudam, como retomar atividades de lazer, entrar em grupos de interesse, buscar apoio psicológico. “A conexão humana é um pilar essencial da longevidade com qualidade”, salienta.
Combate ao etarismo
Para a especialista, é preciso, antes de tudo, mudar a narrativa sobre o envelhecimento. Ela explica que o etarismo, preconceito baseado na idade, ainda é invisível para muitos, mas afeta decisões de contratação, promoção e até de convivência. “Valorizar os mais velhos significa reconhecer sua capacidade de adaptação, sua bagagem e sua potência como mentores e colaboradores. A diversidade geracional no ambiente de trabalho traz inovação, equilíbrio e aprendizado mútuo”, defende.
Equilíbrio entre vida pessoal e profissional
Sumika comenta que o envelhecimento saudável é construído ao longo da vida, e o modo como equilibramos trabalho, autocuidado e relações pessoais impacta diretamente na saúde física e emocional. A geriatra lembra que o excesso de estresse crônico, a negligência com o sono, a alimentação ou o tempo com a família cobra seu preço com o tempo. “Cultivar pausas, lazer, movimento e afeto não é luxo. É prevenção. E quanto antes começarmos, mais protegidos estaremos para envelhecer bem”, enfatiza.
Impactos físicos e mentais de problemas financeiros
Sumika chama atenção que a insegurança financeira pode gerar um estado de estresse constante, com impacto direto na saúde mental (ansiedade, insônia, depressão) e também na saúde física, por dificultar o acesso a cuidados, alimentação adequada e medicamentos.
Na velhice, isso se intensifica porque o medo de não conseguir pagar por cuidados ou de depender de terceiros pode levar ao isolamento e à perda de autonomia. “O planejamento financeiro é também uma forma de cuidado com a saúde, garantindo tranquilidade e melhores escolhas ao longo da vida”, alerta.
Educação financeira
A educadora financeira Luciana Bassanesi esclarece que o cenário da aposentadoria preocupa. A especialista conta que a média paga pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é de R$ 1.863 mensais, valor insuficiente para muitos brasileiros. Além disso, os gastos com saúde aumentam em torno de 8% ao ano. Por isso, é fundamental que o planejamento comece o quanto antes, mesmo que com pequenas quantias mensais.

De acordo com Bassanesi, somente 39% dos brasileiros entre 28 e 42 anos investem em algum tipo de previdência, e apenas 3% dos aposentados conseguem viver exclusivamente com previdência privada. “Entretanto, o setor apresentou crescimento de 15,3% em 2024, mostrando que a população começa a se conscientizar da importância do planejamento financeiro”, aponta.
Consumo e envelhecimento
Conforme a educadora financeira, um novo estudo da Data8 (empresa de pesquisa, tendência e inovação) revelou que a economia prateada — engloba todas as atividades econômicas, produtos e serviços voltados a atender às necessidades de pessoas com mais de 50 anos — no Brasil deverá dobrar nos próximos vinte anos. Em 2024, o consumo da população com 50 anos ou mais alcançou R$ 1,8 trilhão e, até 2044, poderá chegar a R$ 3,8 trilhões, o que representará 35% do consumo total do país.
Outro ponto interessante é que este público movimenta R$ 15 bilhões por ano no mercado de consumo digital por meio de compras na internet. Isso significa que o foco deixa de ser acumular bens e passa a ser investir em experiências. “A adaptação à tecnologia ocorre de forma gradual, mas a preferência pelo atendimento pessoal evidencia que, no fim das contas, o dinheiro envolve relacionamento e confiança”, pondera.
A especialista também cita que os mais velhos adotam hábitos financeiros mais organizados e preferem investimentos seguros. No entanto, apesar disso, muitas vezes os gastos com saúde são necessários e impactam o orçamento.
Endividamento entre idosos
Bassanesi traz a informação de que o Mapa da Inadimplência e Negociação de Dívidas, feito pelo Serasa, revelou que cerca de 72 milhões de pessoas no país estão em situação de inadimplência. Os brasileiros com nome restrito, acima de 60 anos, representam 19% deste estudo. “O problema decorre de aposentadorias insuficientes, falta de reservas, custos crescentes com saúde e endividamento para ajudar familiares. Além disso, muitos idosos são vulneráveis a golpes financeiros e produtos inadequados. O aumento no endividamento entre essa faixa etária evidencia falhas no sistema de proteção social e a necessidade urgente de maior planejamento e apoio financeiro”, pontua.
Desafios da longevidade financeira no Brasil
Dados do último Censo Demográfico realizado em 2022 indicaram que a população idosa com 60 anos ou mais de idade chegou a 32.113.490 (15,6%), um aumento de 56% em relação a 2010, quando era de 20.590.597 (10,8%). Até 2050, 30% da população terá mais de 60 anos. Já o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou um estudo no ano passado revelando que o número de aposentados pode dobrar até 2060, enquanto a quantidade de trabalhadores ativos pode diminuir e criar um desequilíbrio no sistema previdenciário.
A falta de educação financeira, o planejamento inadequado e a ausência de hábitos de poupança agravam o problema. “Apenas dois em cada dez brasileiros se preparam para a aposentadoria, e a desigualdade e o endividamento dificultam ainda mais a situação. Apesar disso, o crescimento da previdência privada mostra que mudanças são possíveis, exigindo conscientização, educação e responsabilidade individual para garantir longevidade financeira”, conclui Bassanesi.
Matéria feita pelo jornalista Guilherme Ferreira (MTB-MG 15.548).