Reconhecido como o publicitário mais admirado do marketing, Hugo Rodrigues contou um pouco da trajetória e falou sobre TV aberta e fechada, além da relação desse tipo de conteúdo de comunicação com o mercado publicitário.
Atualmente, Hugo é Presidente do Conselho da WMcCann e acredita que a televisão brasileira esteja passando por um processo de mudança necessária para não morrer às custas do sucesso das plataformas digitais, mas ainda há muito o que ser melhorado. “Renovação constante, insatisfação permanente”, afirmou o publicitário.
Confira a entrevista completa:
Analice Nicolau: Antes de tudo, gostaria que você falasse um pouco sobre você para além do que a mídia veicula. Quem é o Hugo?
Hugo Rodrigues – Bom, eu sou um cara que nasceu em Santos, em uma família de classe média baixa e que desde cedo aprendeu o quanto era difícil ganhar cada centavo. Tentei empreender, quebrei duas vezes, fiz freelas e trabalhei em agências de pequeno porte, mas sempre com dedicação e paixão pelo que fazia, como se fossem grandes empresas. Nem sempre foi fácil. Fui demitido algumas vezes e isso fez com que eu questionasse meu desempenho o tempo todo (faço isso até hoje) e buscasse novos aprendizados. A independência financeira veio aos 24 anos, mas a oportunidade de fazer parte do que chamam de ‘uma grande agência’ aconteceu somente aos 29 e foi também quando viajei de avião pela primeira vez. Desde o início, três coisas não mudaram: dedicação, disciplina e paixão pelo cliente.
AN: Sobre sua carreira, conta um pouco sobre seu trabalho na WMcCANN, sobre essa recente mudança de função. O que você espera?
HR: A mudança para a cadeira de Executive Chairman (Presidente do Conselho) da WMcCann é um desafio e tanto, mas que me dá a oportunidade de focar no posicionamento da agência para os próximos ciclos. Minha missão será interpretar tendências mundiais e locais, além de ajudar a traduzir os anseios dos nossos clientes, sem perder o norte de nos mantermos como uma empresa inquieta, atenta e inovadora, contemplando, claro, uma agenda que agregue o desenvolvimento humano, de uma cultura disruptiva e adaptável à velocidade das mudanças do mundo ao nosso redor. E sobre a promoção do André França, que era vice-presidente de dados e mídia, a Presidente, diz muito sobre para onde queremos caminhar. André tem sido um parceiro estratégico fundamental neste momento tão camaleônico do mundo, em que dados, tecnologia e pandemia geram mudanças de comportamentos bruscas. O mercado não para de mudar e caminha a cada segundo para a área de tecnologia e mensuração e temos um craque nessa área.
AN: Pode nos contar um pouco sobre os prêmios que você já ganhou? Qual foi o mais marcante e por quê?
HR: Sempre acreditei que os prêmios são uma consequência e nunca devem ser o grande objetivo. Por exemplo, recentemente a agência ganhou Ouro em Cannes, com o Papai Negro da Coca-Cola, em parceria com a Globo. Aqui conseguimos desenvolver um trabalho maior do que simplesmente publicidade, ajudando a transformar a sociedade com o primeiro Papai Noel Negro da televisão brasileira, promovendo legitimação, representatividade e equidade racial no maior especial de Natal do Brasil, num país com uma população de maioria negra (54%), mas onde o debate racial ainda está muito aquém da realidade. Foram muitas mãos, um grande sonho, um impacto positivo na sociedade, um grande resultado e como consequência esse Leão de Ouro, na ordem que a gente acredita que tem de acontecer.
Também sou apaixonado pelo projeto The Cliché, da minha época de Publicis, para Heineken, que levou ouro em Cannes em 2017. Uma das ações mais comentadas de 2016, a pegadinha levou três homens a convencerem suas esposas a passar um fim de semana em um spa, enquanto eles veriam a transmissão da final da Champions League no Allianz Parque. Pelo telão do estádio, entretanto, eles descobrem que as esposas estão na Itália para ver a final in loco.
Tive a oportunidade de receber três vezes o Prêmio Caboré, como Criativo do Ano em 2014, CEO da Agência do Ano em 2016 e Dirigente da Indústria da Comunicação em 2017, tendo sido indicado novamente em 2018 na mesma categoria, o que é muito raro de acontecer. E, completando, fiquei muito honrado com os dois últimos reconhecimentos da Agency Scopen, pois fui escolhido como o publicitário mais admirado pelos profissionais de marketing. Receber um reconhecimento do cliente é o maior prêmio que podemos ter.
AN: Na sua visão, qual o futuro da TV aberta em relação à publicidade?
HR: Antes mesmo da pandemia estávamos vivenciando um novo ciclo de comportamento na sociedade com foco nas redes sociais e plataformas de tecnologia. Isso faz com que o mercado publicitário mergulhe nessa nova linguagem. A TV ainda é um veículo importante para publicidade, principalmente quando sua mensagem precisa atingir um grande público. Eu acredito muito em uma comunicação multiplataforma e com multiformatos, onde tudo se completa.
AN: Você acha que a TV aberta precisa mudar? Como você enxerga, hoje, a televisão para esse novo modelo de publicidade, mais rígido em relação a penetração e qualidade da audiência?
HR: As mudanças já estão acontecendo. Grandes empresas de comunicação já se movimentam para se adaptar e entrar no circuito para concorrer em pé de igualdade com as grandes empresas de tecnologia, como Amazon, Facebook, Google e TikTok, que estão se consolidando como as principais plataformas de comunicação com o consumidor. Para atingir essa meta, a TV aberta precisa estar antenada aos dados e conseguir traduzi-los numa comunicação horizontal com o público – que é o que tenho visto com as novas investidas do meio.
AN: Hugo, o que você espera de uma nova televisão? Você acha necessário que exista uma nova? O que o seu cliente espera além de retorno dos programas e qual a sua expectativa quanto a isso?
HR: Veja, no fim do dia somos todos consumidores, e são os nossos anseios como consumidores que guiam e orientam as mudanças das marcas, dos meios, dos produtos e serviços. Muitas TVs já buscam produzir conteúdo para suas próprias plataformas on-demand – essa é uma tendência. Mas também não podemos esquecer o sucesso que os reality shows fazem, por exemplo, e como se tornam campeões de audiência e de cotas de publicidade. A TV aberta também tem uma grande característica de continuar sendo um canal para transmissões ao vivo, e isso dificilmente se perde, principalmente com eventos esportivos e jornalismo, somado aos realities. Ou seja, não se trata de uma mudança radical, e sim de uma evolução.
AN: Qual é o modelo de programa, hoje, que agrada o mercado publicitário? Por quê?
HR: Os realitys shows são os novos queridinhos das empresas, pois conseguem engajar o público, têm boa audiência e uma ótima exposição de marca, além de manter a conversa aquecida em todas as plataformas digitais, mesmo depois dos episódios. Esses quatro fatores são essenciais para comunicar, alcançar metas de vendas e, principalmente, construir uma relação duradoura com o consumidor, atendendo às expectativas e dialogando com as pautas que movem a sociedade. Uma pesquisa inédita da Truth Central – unidade de inteligência global do McCann Worldgroup – revela que 69% dos jovens no mundo estão dispostos a pagar mais por um produto se souberem que a marca oferece suporte a uma questão alinhada a seus interesses. Se olharmos só para os dados do Brasil, esse número salta para 71%. Por essa razão é tão importante compreender o ambiente cada vez mais plural da sociedade, de forma que as marcas liderem discussões sobre diversidade e inclusão, fazendo a diferença real na vida das pessoas.
AN: O departamento comercial da televisão está sendo flexível ao mercado publicitário? Como você vê a relação entre TV e mercado?
HR: Creio que os departamentos comerciais enxergaram essa mudança e já trabalhamos com entregas em diferentes frentes, usando o digital dessas emissoras para amplificar a mensagem das marcas. Ou mesmo o ‘crossmedia’, com outras plataformas digitais. Há produtos que ainda são muito importantes e se mantêm valorizados – especialmente jornalismo, reality shows, eventos ao vivo. A relação é boa e estamos todos no mesmo barco, nos acostumando à nova realidade e sabendo que essa transformação não vai parar de acontecer.
AN: Você acha que a TV fechada vai acabar? Qual o futuro da TV fechada em relação ao mercado publicitário?
HR: A chegada de diversas plataformas de streaming mudou a forma de consumo de conteúdo, especialmente por serem mais acessíveis financeiramente para classes sociais mais baixas. No entanto, a TV fechada ainda é um meio importante, onde as marcas querem estar, pois conseguem entregar para públicos específicos, e isso contribui para campanhas mais de nicho. Tal como a TV aberta está passando por uma transformação e isso, no mundo em que vivemos atualmente, faz parte da grande maioria dos mercados. Renovação constante, insatisfação permanente.
AN: Com a ascensão dos streamings, você acha que eles serão mais flexíveis com o mercado publicitário? Os grandes streamings abrirão espaço e adequarão seu serviço para trabalhar em conjunto com a publicidade?
HR: Acredito que haverá uma evolução na relação entre publicidade e plataformas de streaming. Serviços como WarnerMedia, NBCUniversal e Hulu já contam com algumas opções de anúncios. Nativos do ambiente digital, logo poderão fornecer anúncios direcionados ou ‘endereçáveis’. Aí é que está o lado bom da tríade dados, tecnologia e criatividade. A união desses elementos será capaz de nos mostrar os hábitos de visualização, a localização e outros dados sobre o consumidor para ações mais assertivas e praticamente personalizadas, como já são os streamings.
AN: Se a TV aberta fosse uma pessoa, qual mensagem você deixaria para ela hoje?
HR: Se conselho fosse bom, a gente não dava, vendia, não é isso? [risos] Eu me sentiria muito presunçoso respondendo a essa pergunta. Como disse anteriormente, vários mercados estão passando por uma transformação, e isso faz parte da evolução. Com foco, disciplina, dedicação, humildade e resiliência, fica mais fácil chegar aonde se quer, e é o que eu costumo aplicar nos meus negócios.


